07 Agosto 2012
Qualquer pessoa que circula pelos ambientes católicos sabe o tipo de coisas sobre as quais os visitantes tendem a ser mais curiosos: quem são as pessoas mais influentes da Igreja local, quem está apenas ocupando espaço ou quem está esquentando o banco, e assim por diante.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no jornal National Catholic Reporter, 02-08-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Todas as vezes em que eu visitei a Nigéria ao longo dos anos, um nome acima de todos os cadastrados no medidor de pessoas influentes se destacava: Matthew Kukah (foto), um padre e intelectual, mestre em política pública pela Kennedy School, em Harvard, e doutor pela Universidade de Londres. Os escritos de Kukah sobre a sociedade civil, a democracia e as relações cristão-muçulmanas são leitura obrigatória em toda a África.
Ele desempenhou um importante papel nas comissões nacionais dedicadas à reforma eleitoral e às violações dos direitos humanos, e presidiu uma comissão federal dedicada à reconciliação entre a Shell Oil e os povos indígenas Ogoni do Delta do Níger. Na semana passada, Kukah se uniu ao Senado nigeriano em um retiro para deliberar sobre a reforma constitucional.
O currículo Kukah é tão distinto que, no passado ano, quando eu perguntava aos amigos nigerianos porque ele não tinha sido elevado ao episcopado, a sua resposta irônica geralmente era: "Ele é muito inteligente para ser bispo!".
Como se vê, eles não tinham confiança suficiente no sistema. Bento XVI nomeou Kukah como bispo de Sokoto, no noroeste da Nigéria, em junho passado, o que, dentre outras coisas, faz dele uma referência para as relações com o Islã. A cidade é a sede do "Califado de Sokoto", e o seu sultão é considerado o líder espiritual dos cerca de 85 milhões de muçulmanos da Nigéria, quase a metade da população nacional.
Tudo isso significa que, quando Kukah fala sobre atual onda de violência na Nigéria alimentada pelo movimento islamista radical Boko Haram, vale a pena prestar atenção. As credenciais de Kukah não fazem com que ele esteja automaticamente certo, mas garantem que ele seja levado a sério.
Fundado em 2001, o Boko Haram supostamente é responsável por cerca de 10 mil mortes na última década, incluindo 630 estimadas nos primeiros seis meses de 2012. A sua especialidade é atacar alvos cristãos, incluindo igrejas durante as celebrações dominicais.
Na semana passada, Kukah deu uma entrevista ao Oasis, um projeto dedicado às relações cristão-muçulmanas fundado pelo cardeal Angelo Scola, de Milão. Os pontos de vista de Kukah vão contra duas pitadas de sabedoria convencional: primeiro, que o que está acontecendo na Nigéria tem a ver principalmente com as tensões entre muçulmanos e cristãos; e, segundo, que o necessário é uma robusta repressão militar contra os grupos terroristas.
Kukah destaca três pontos principais:
Aqui está o cerne do argumento de Kukah.
"Os problemas da Nigéria, a terrível violência acima de tudo, não têm nada a ver com a religião", disse ele. "Os problemas aqui decorrem da má gestão dos recursos do país e da incapacidade do governo para controlar a situação. Toda crise na Nigéria é imediatamente ligada às religiões, mas nunca tivemos uma crise sequer que decorresse ou dos cristãos ou dos muçulmanos combatendo sobre questões religiosas. A verdadeira razão por trás da crise atual é política e econômica".
De acordo com Kukah, o derramamento de sangue fomentado pelo Boko Haram é simplesmente uma extensão da violência dos últimos 20 anos ou mais na região do Delta da Nigéria e no sudoeste, o que ele vincula com a corrupção e a falta de confiança na administração pública da riqueza do país.
"Poderíamos frear essa situação hoje, e amanhã ela apareceria em um lugar diferente", disse ele.
Kukah ressaltou que os cristãos não são as únicas vítimas.
"O fato de eles atacarem igrejas com extraordinária violência faz com que a mídia chegue à conclusão de que eles são contra os cristãos, mas isso não é verdade", afirmou. "Eles matam os cristãos, mas também matam mulheres e crianças muçulmanas. Eles são criminosos que atacam igrejas, centros de mídia, postos policiais, mercados... Eles atacaram líderes e instituições muçulmanos e mataram milhares de muçulmanos, de fato, um número muito maior do que o de cristãos".
Kukah admite que o Boko Haram invoca a retórica islâmica militante, mas insiste que "o mero uso dessa linguagem não torna a sua criminalidade religiosa, em nenhum sentido".
Em termos de uma estratégia de saída, Kukah argumenta que a sociedade civil, e não os militares, é a chave.
"O governo federal deveria definir uma meta para a retirada dos militares das nossas ruas", disse. "A classe política deve ser encorajada a encontrar uma solução para o que é um problema claramente político e não religioso. Lideranças comunitárias, e não necessariamente religiosas, devem ser encorajadas a assumir a situação, embarcando em iniciativas que visem a unir as comunidades".
Certamente, pode ser difícil para muitos cristãos nigerianos que caminham por entre os escombros das suas igrejas, destruídas por militantes muçulmanos que prometem expressamente fazer a guerra santa, engolir que esse não é um conflito religioso, em certo nível. Mesmo assim, a análise de Kukah é um lembrete de que as situações são geralmente mais complicadas do que parecem à distância, e sempre vale a pena levar a sério as perspectivas daqueles que realmente vivem nessas regiões.
Finalmente, Kukah disse que a sua diocese de Sokoto até agora tem sido poupada de qualquer violência.
"Eu tenho encorajado o nosso povo a permanecer alerta, mas decidimos não mudar o nosso estilo de vida, isto é, mudar os horários de missa e das orações, devido ao medo", disse. "Eu disse ao meu povo que o medo não está no vocabulário de qualquer cristão de verdade".
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''A violência na Nigéria não tem nada a ver com religião'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU