01 Agosto 2012
A organização que atua nos departamentos de Concepción e San Pedro, no Paraguai, estaria vinculada aos movimentos guerrilheiros dos anos 1970, mas com uma configuração diferente. Dependendo da fonte, ela conta com dezenas de seguidores ou menos de 20.
A reportagem é de Gustavo Veiga, publicada no jornal Página/12, 31-07-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Combinação nativa de marxismo-leninismo e nacionalismo do século XIX, o Exército do Povo Paraguaio (EPP) reivindica o ideário de Gaspar Rodríguez de Francia, o político que consolidou a independência guarani contra a vontade do centralismo de Buenos Aires.
Os guerrilheiros que atuam nos departamentos de Concepción e San Pedro, no norte do país, é um fenômeno estranho, mas não por falta de antecedentes na terra de Augusto Roa Bastos. A sua ação é muito anterior à divulgação do seu programa (transformado em um livro que foi apresentado no dia 19 de julho de 2011 na prisão) e, ao contrário de outros movimentos guerrilheiros que lutaram contra a ditadura de Alfredo Stroessner, começou a operar na democracia, à qual define como "um instrumento de dominação contra as pessoas humildes".
Suas origens remontam a 1994, e sua primeira incursão data de 1997 – a tentativa de roubo frustrado a um banco de Choré, em San Pedro –, embora sua fama tenha disparado em novembro de 2001, quando sequestrou María Edith Bordón de Debernardi, esposa de um empresário milionário. Libertada em janeiro de 2002, ela teve mais sorte do que a vítima mais famosa do EPP, Cecilia Cubas, filha do ex-presidente oviedista Raúl Cubas, assassinada no verão de 2005.
"Os francistas entendem que a tarefa histórica que devem advogar para si não é o aprofundamento da democracia burguês-imperial, mas sim a sua destruição e substituição, por via revolucionária, pela democracia popular". A principal ideia do Programa Político do Exército do Povo Paraguaio foi redigida por Alcides Oviedo Brítez, sua principal referência, que cumpre uma condenação a 18 anos de prisão.
O texto, de 150 páginas, convertido em livro, é conhecido há um ano. A impressão que Francia deixou entre os guerrilheiros – Ditador Supremo do Paraguai, como diz o título com o qual foi ungido em 1814 e que levou até sua morte, ocorrida em 1840 – é notável. Levantam suas bandeiras para tentar adaptá-las aos dias de hoje, quase dois séculos depois.
Tício Escobar, ministro da Cultura de Fernando Lugo até o golpe parlamentar do dia 22 de junho passado, integrou a Organização 1º de Março (OPM), um grupo político-militar que resistiu à ditadura de Stroessner na década de 1970. Sua experiência de luta lhe permite falar do EPP: "Trata-se de um fenômeno estranho, aparentemente vinculado aos movimentos guerrilheiros dos anos 1970, mas com uma configuração diferente. Naquela época, quando lutávamos contra Stroessner, buscávamos o impacto político, a adesão popular à nossa causa. O EPP é um grupo muito fechado que gera repulsa em muitas pessoas. Por exemplo, os povos originários não aceitaram a carne que eles haviam roubado de fazendeiros". O ex-ministro foi presidente da associação Apoio às Comunidades Indígenas do Paraguai e dirigiu o Museu de Arte Indígena.
De base rural, o EPP opera no país que, segundo a CEPAL (dados de 2011), possui a maior concentração de terra na América Latina: 1% dos proprietários controla 77% das áreas produtivas, e 40% dos agricultores controlam apenas 1%. Cerca de 300 mil agricultores não têm terras próprias, onde 351 fazendeiros se apossaram de 9,7 milhões de hectares. A Direção Geral de Estatística, Pesquisa e Censo paraguaia produziu no ano passado dados de nuances semelhantes: entre a população rural, 44,8% são pobres, e 29,6% são muito pobres, cerca de 74,4% do total. Tudo isso na nação latino-americana que conta com a maior quantidade de agricultores da América Latina: 43%.
Os dados, segundo Escobar, "têm relação com as injustiças estruturais do Paraguai em termos de posse da terra, e sobre as quais o fenômeno do EPP opera, que tem aliados locais nas comarcas rurais e que os tornou quase invisíveis". Dependendo da fonte que descreve a organização, ela conta com dezenas de seguidores ou apenas um punhado que não supera os 20 membros. As regiões onde ela mantém presença são as mesmas em que as organizações dos direitos humanos contabilizaram cerca de 200 desaparecimentos de militantes, onde os fazendeiros de soja possuem exércitos privados e o Comando Sul dos Estados Unidos penetra com a sua doutrina de segurança sob o lema de que o Chaco paraguaio pode se transformar em uma segunda Colômbia.
Para neutralizar o EPP, foram disseminadas propostas que iam desde a intervenção de uma força regular com o Exército, até a guerra de guerrilhas, como se evidencia do que foi afirmado pelo presidente de fato atual, Federico Franco, no dia 22 de setembro do ano passado, em Concepción, um dos departamentos onde a insurgência opera. Sua frase textual foi: "Vamos dar guerra até acabar com o EPP. De fato, esta é uma guerra de guerrilhas". Até então, Franco substituía temporariamente o bispo Fernando Lugo no palácio López, enquanto Lugo participava na Assembleia das Nações Unidas. Ele estava se acostumando ao cargo do qual despojou o seu companheiro de chapa.
Em novembro de 2009 e já com um longo percurso nos departamentos localizados ao norte de Assunção, conheceram-se detalhes precisos sobre o grupo guerrilheiro liderado agora por Manuel Cristaldo Mieres, junto com Osvaldo Villalba e Magna María Meza.
Um ex-integrante do partido Pátria Livre, do qual se separou o núcleo duro que formou o EPP, Cristóbal Olazar, concedeu uma longa entrevista ao programa investigativo Algo Anda Mal, do Canal 13 paraguaio. Nela, ele radiografou que os militantes do EPP "tinham uma formação para uma guerra de guerrilhas, porque queríamos o poder... Fazíamos as práticas na montanha, como um reconhecimento da região onde iríamos permanecer".
Olazar descreveu que os seus ex-companheiros se movem "geralmente à noite, pouco de dia, e quando se dão conta de que estão encurralados, mudam de lugar, se distanciam. Estão no monte como em sua própria casa. Por maior que seja o monte, eles vão para o lugar para onde têm que ir".
Em um de seus últimos comunicados, enviado à Rádio Ñandutí após o golpe que derrubou Lugo, os francistas do EPP escreveram: "O que aconteceu na sexta-feira 22 de junho pode ser chamado de roubo de luvas brancas, um roubo ao seu aliado, ganhou o cabo de guerra com maioria parlamentar e expulsou àqueles que agora gritam traição". A caracterização do governo deposto tem um tom similar: "Sempre dissemos ao povo que ele estava servindo de escudo protetor para os interesses dos ricos, enganando as pessoas com os seus discursos socialistas". "Juramos vencer. Render-nos, jamais!", assina o Exército do Povo Paraguaio. Uma grande definição.
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O estranho fenômeno chamado EPP - Instituto Humanitas Unisinos - IHU