Por: Jonas | 26 Julho 2012
“Não podemos ficar esperando que os governos resolvam; nem esperar que as grandes corporações apresentem a solução... Eles só almejam competir (não cooperar) e depredar o que falta para chegar a ser a primeira potência e economia do mundo”, escrevem Fernando López e Arizete Miranda, da Equipe Itinerante, que atua no Amazonas. A tradução é do Cepat.
Das águas cristalinas...
Uma semana antes de começar a Conferência Rio+20, retornamos de uma busca por vestígios de indígenas isolados numa remota região da Amazônia brasileira. Na expedição fomos juntos com os companheiros do Cimi e alguns indígenas Sateré-Mawé e ribeirinhos que conheciam a região. Subimos rios e arroios até as nascentes, entramos na mata profunda, regiões belíssimas de cascatas de águas cristalinas e de mata virgem, com árvores enormes que necessitavam de até oito homens de abraços abertos para rodeá-las. Tudo estava cheio de vida, de beleza, de sacralidade, dos espíritos da mata e das águas... Comíamos das frutas, animais e pescados que a natureza diariamente nos oferecia... Somente levamos um saco de farinha de mandioca (“o pão amazônico de cada dia”)...
Entramos em arroios que nunca antes haviam sido atravessados pelos “brancos”; não havia um só tronco ou galho cortado com motosserra, machado ou facão... No entanto, encontramos um “yvyrá kyhá” (ponte de árvore) e uma trilha estreita, porém limpa e bem marcada, com ramos cortados a mão... Sinais claros de que ali vive “outra gente”, com outra relação com a Mãe Terra...
Para as águas poluídas...
Terminado esse percurso, retornamos para nossas palafitas no bairro Arthur Bernardes, centro de Manaus (2 milhões de habitantes). O barco nos deixou no porto e um vizinho nos recolheu do carril do barco para o carril de nossas casas (literalmente falando, pois o rio está cheio e há quatro metros de profundidade abaixo de nossas palafitas). Nosso itinerário nos fez esquecer o pastoso cheiro de podre dos arroios de Manaus, onde são despejados todos os esgotos e lixo...
O arroio que passa pelo nosso bairro é o Cachoeira Grande (Cascata Grande). Os antigos moradores, que aqui vivem, dizem que 20 anos atrás (“Rio 92”) eles próprios pescavam, lavavam roupa e tomavam banho... Agora, com 20 anos a mais de desenvolvimento capitalista, é terrível viver aqui. Hoje, o arroio está totalmente contaminado, com uma nata de lixo flutuando e fermentando, o esgoto de toda esta área urbana (com uma superpopulação) vai diretamente para a água, com nuvens de mosquitos... Quando demora dois ou três dias para chover, a água fica empoçada e negra, liberando bolhas de metano, da matéria orgânica decomposta, que se solta de um fedor pastoso insuportável... Entretanto, em meio a tanto “desenvolvimento de morte”, a vida resiste e 1.500 pessoas lutam com dignidade pela sobrevivência, por condições de vida mais justas.
A novidade da “mata” e dos “selvagens”...
Não é que o Governo brasileiro se importe muito com tudo isto... Move-se e faz algo somente com a pressão social... Para o atual modelo de desenvolvimento econômico do Brasil (PAC – Programa de Aceleração do Crescimento), de obras e megaprojetos a qualquer custo socioambiental, os povos tradicionais da Amazônia sobram... São considerados um impedimento para o desenvolvimento. Um impedimento para que o Brasil deixe de ser a sexta potência econômica e passe a ser a terceira e quem sabe um dia, a primeira... Não importa se despoja seus pequenos países vizinhos: Paraguai, Bolívia, Peru, etc.
O problema é que, em nível mundial, essa lógica não é mais viável. A Mamãe Terra já não suporta a “corrida economicista”, em que todos nós exploramos mais e mais os recursos naturais, para conquistar os primeiros postos na economia mundial.
Na Conferência Rio+20, os governos mais poderosos e as grandes corporações econômicas tentaram vender para a humanidade a “Economia Verde”, os Créditos de Carbono (REDD), etc. Buscaram manter o sistema em que alguns continuam depredando e acumulando, com este “capitalismo verde”, enquanto outros ficam atrofiados... A lógica depredadora do sistema se mantém e até se retrocede em relação às posições da Rio 92... Como destacaram muitos grupos sociais da Cúpula dos Povos, seria melhor chamar a conferência de Rio-20, devido o enorme retrocesso e as propostas (suicidas e insustentáveis) que as grandes potências almejam impor à humanidade e o planeta...
Todas as grandes revoluções e novidades na história da humanidade vieram de baixo e não de cima, de fora e não de dentro, das periferias e não do centro, do “selvagem” e não do “domesticado”, dos povos indígenas e tradicionais que mantém relações de reciprocidade com a Mamãe Terra... Assim, também, a nota de esperança na Rio+20 veio, não da Cúpula e Conferência Oficial, mas, da Cúpula dos Povos, com suas propostas alternativas e de mudança do sistema global...
Nesse parto histórico, todos nós, os povos, todos os homens e mulheres do mundo, precisamos fazer primeiro essa revolução interna coerente com um planeta de recursos limitados. Uma revolução pessoal, familiar, comunitária e social contra o consumismo, e a favor de uma “austeridade universalizável”. Todos nós temos que conscientemente nos engravidar e empurrar, lutar e pressionar, para que seja parido um novo projeto histórico de vida, para todos e para amanhã, para a humanidade e para toda a vida do Planeta.
Se todos nós não nos engravidarmos e conduzirmos este parto histórico, na Rio+40 restarão na Amazônia e no planeta águas cristalinas? Ou a maior parte das águas e do ar estarão contaminados? Depende de nós, do compromisso de cada um e cada uma, do compromisso de todos os povos do mundo, unidos na grande sinfonia em favor da vida! Não podemos ficar esperando que os governos resolvam; nem esperar que as grandes corporações apresentem a solução... Eles só almejam competir (não cooperar) e depredar o que falta para chegar a ser a primeira potência e economia do mundo... A solução está no coração e decisão de cada um, no “coracionar” de todos a favor da vida.
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Da Rio+20 à Rio-20? Das águas cristalinas para as águas poluídas... - Instituto Humanitas Unisinos - IHU