23 Julho 2012
Ollanta Humala foi juramentado como presidente do Peru no dia 28 de julho de 2011, comprometendo-se a impulsionar o diálogo para resolver os conflitos sociais que assolavam o país. Em seu discurso inaugural, o mandatário disse que "o incremento desmedido dos conflitos, muitos deles absurdamente violentos, demonstram que é urgente reparar as injustiças, corrigir o rumo e restabelecer o diálogo em nossa sociedade”.
A reportagem é de Cecilia Remón, publicada por Noticias Aliadas e reproduzida por Adital, 20-07-2012.
O novo governo havia herdado 214 conflitos sociais, dos quais 118 eram socioambientais, particularmente contra projetos mineiros, segundo a Defensoria do Povo. Além disso, durante o governo do ex-presidente Alan García (2006-11), 195 pessoas perdem a vida como consequência da violência desatada durante os conflitos.
Porém, após quatro meses no poder, Humala decidiu deixar de lado o diálogo e impor com "mão de ferro”, de forma a controlar os protestos sociais contra as atividades extrativas. O grande detonante do giro presidencial foi o projeto Conga, um empreendimento de EU$4.8 bilhões para extrair ouro e cobre que se encontram debaixo de 4 lagoas situadas na parte sudeste do Departamento de Cajamarca, na serra norte, explorado pela Mineira Yanacocha, de propriedade da empresa estadunidense Newmont Mining, da peruana Buenaventura e da Corporação Financeira Internacional (IFC), afiliada ao Banco Mundial.
A população de Cajamarca opôs-se tenazmente ao projeto situado em uma cabeceira da bacia e que pretende trasladar as águas das lagoas para reservatórios artificiais. Uma revisão realizada em novembro passado pelo Ministério do Ambiente ao estudo de impacto ambiental (EIA) de Conga encontrou graves vazios, incluindo a inexistência de um estudo hidrogeológico, indispensável para entender o funcionamento das lagoas e não ter valorizado os serviços ambientais que esses ecossistemas prestam. Essas conclusões foram confirmadas em abril por três peritos estrangeiros contratados pelo Estado.
Uma das principais críticas que fazem os especialistas aos EIA é que, além de ser realizados por consultorias contratadas pelas próprias empresas mineradoras, sua aprovação esteja a cargo do Ministério de Energia e Minas, que outorga as concessões, o que o converte em "juiz e parte”.
Para Julia Cuadros, diretora executiva da Organização Não Governamental CooperAcción, os EIA são feitos "ao gosto do cliente”, além de ser um "documento de trâmite” porque após sua aprovação ninguém fiscaliza seu cumprimento.
Cuadros, da mesma forma que outros analistas e especialistas, considera que os EIA devem estar a cargo do Ministério do Ambiente; porém, o presidente do Conselho de Ministros, o militar aposentado Óscar Valdés afirmou para Noticias Aliadas, em reunião com correspondentes estrangeiros, no dia 5 de junho, que isso não acontecerá.
Repressão policial
A decisão de Humala de impulsionar Conga – que desencadeou a queda do gabinete encabeçado por Salomón Lerner, no dia 10 de dezembro, devido à ordem presidencial de impor estado de emergência em Cajamarca para controlar as mobilizações contra o projeto e abandonar o diálogo, e a nomeação de ministros mais sintonizados com a nova posição governamental- ocasionou a radicalização das medidas de força em Cajamarca, com a convocação a uma greve indefinida a partir do dia 30 de maio.
A resposta das autoridades governamentais aos protestos têm sido a declaratória de estados de emergência, detenção de autoridades e repressão policial e militar. Desde que Valdés assumiu o cargo, em dezembro, 17 pessoas foram mortas em choques com a Polícia e com o Exército; cinco em Cajamarca, na última semana de junho, com ferimentos à bala.
Até junho, a Defensoria do Povo registrou 247 conflitos sociais, dos quais 60% são socioambientais, em sua maioria contra atividades extrativas. Além disso, somente nesse mês foram realizadas 93 ações coletivas de protesto.
Um mês antes dos acontecimentos em Cajamarca, duas pessoas morreram durante a repressão policial contra a população da província de Espinar, no Departamento de Cusco (ao sul), que em 21 de maio havia iniciado uma greve indefinida, reclamando à mineradora suíça Xxtrata –que desde 2006 opera a mina de cobre Tintaya- que cumpra com seus compromissos a favor dos moradores de Espinar e cuide os padrões ambientais. A empresa assegura estar respeitando o convênio marco assinado em 2003 com as comunidades herdado da anterior proprietária da mina, a australiana BHP Billiton.
A presença desproporcional de efetivos policiais desde o primeiro dia da greve gerou um clima de desconfiança sobre a possibilidade de que o conflito se resolvesse através do diálogo com as autoridades governamentais e a empresa. Porém, o diálogo não estava na agenda do governo e sua resposta ante os protestos foi a declaração de estado de emergência e a violenta detenção do prefeito de Espinar, Óscar Mollohuanca, sem nenhuma ordem judicial. De maneira ilegal e inconstitucional, Mollohuanca foi encerrado em uma prisão de Ica, a mais de 800 km a oeste de Cusco, enquanto que o juiz a cargo ordenou sua prisão preventiva por cinco meses para "investigar” a suposta participação do prefeito nos protestos.
O ministro da Justiça, Luis Jiménez, justificou a medida, assinalando que existem "elementos probatórios” da participação de Mollohuanca em atos ilegais.
"É uma decisão judicial que todos temos que respeitar”, disse Jiménez. "Foram encontrados elementos de responsabilidade que motivam uma investigação maior... A Promotoria tem elementos para poder vincular uma responsabilidade penal”.
Segundo o advogado Carlos Rivera, do Não Governamental Instituto de Defesa Legal (IDL), tratou-se de "uma detenção arbitrária, fora da lei”. Tudo indica, assinalou Rivera, que o Executivo pressionou ao Poder Judiciário, em 31 de maio, um dia depois da detenção de Mollohuanca, a pedido do Ministério do Interior, que ordena o traslado de processos judiciais e de detidos de Espinar para Ica, e de Cajamarca para Lambayeque, a 300 km de distância.
Rivera qualificou a medida de "ilegal e inconstitucional porque vulnera o direito a um devido processo, o direito à defesa, o direito ao juiz natural e as garantias de imparcialidade. A causa judicial contra Mollohuanca foi armada da piro maneira, sobre a base de decisões políticas. Foi-lhe imputada uma série de delitos que não tem nenhuma sustentação”.
Modelo de "mão dura”
Apesar de que, devido aos vazios e incongruências dos cargos apresentados pela promotoria contra Mollohuanca, a sala de apelações da Corte Superior de Ica revogou, no dia 12 de junho, a ordem de detenção contra o prefeito, esse caso poderia ser o modelo de intervenção do governo para controlar os conflitos sociais.
No dia 21 de junho, em Espinar, começou uma mesa de diálogo com a presença dos Ministros do Ambiente, da Agricultura e da Energia e Minas; porém, em Cajamarca a posição irredutível dos líderes locais e da população contra o projeto Conga tornou a situação bem complicada para o governo, que preferiu reprimir os protestos em vez de tentar dialogar.
O analista Enrique Arias Aróstegui assinalou na revista Ideele, publicada pelo IDL, que "em Cajamarca, o enfrentamento é constante e se torna cada vez mais violento. Os policiais tomam a iniciativa: por qualquer suspeita, diante de qualquer concentração de pessoas, por menor que seja, produz-se uma ação policial a cada dia mais violenta, conforme transcorrem os dias de greve. Não existe a possibilidade de fazer um protesto pacífico; as concentrações de cidadãos são repelidas com balas de borracha, gás lacrimogêneo e muito cacetete”.
Autoridades governamentais, setores empresariais e a maioria de meios coincidem em assinalar que existe uma espécie de "complô de setores extremistas e antimineiros” nesse e em outros conflitos.
"No interior do país prima outra leitura dos mesmos fatos”, indicou Ernesto de la Jara, presidente do IDL, em sua coluna do Diario 16. "Na população, existe uma preocupação real com os efeitos que essas empresas produzem na água, em sua integridade física e na atividade agropecuária da qual vivem”.
"E, ante a indiferença do governo e da empresa, o protesto começa a se radicalizar”, agrega. "Em seguida, vem todo tipo de repressão... Porém, o resultado dela é outro: a população se sentirá uma vez mais que o governo se coloca de maneira incondicional ao lado das empresas, que estas sempre ganharão, que a vida deles não vale nada e que seus dirigentes e autoridades podem ser tratados como delinquentes”.
O perigo de um levante maior levou à nomeação, no dia 5 de julho, de dois integrantes da Igreja Católica, o arcebispo Miguel Cabrejos e o sacerdote Gastón Garatea, como facilitadores de um diálogo entre o governo e as autoridades e dirigentes de Cajamarca.
Enquanto isso, diversos analistas e especialistas consideram que a única forma para chegar a uma solução desse conflito é a suspensão, pelo menos temporária, do projeto Conga, renovar o gabinete ante sua incapacidade para negociar acordos duradouros e avançar no fortalecimento e na aplicação das regulamentações ambientais.
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Governo do Equador criminaliza protestos contra atividades mineiras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU