19 Julho 2012
Um estudo de dois pesquisadores da Universidade Oxford afirma que os Jogos Olímpicos de Londres vão ter um estouro de 4,2 bilhões de libras (US$ 6,6 bilhões), ou 101%, em relação ao orçamento apresentado na candidatura da cidade em 2005. Outro cálculo, de um órgão auxiliar do Parlamento britânico, aponta um custo final na casa de 11 bilhões de libras. O governo britânico, no entanto, está alardeando que as contas serão rigorosamente cumpridas. Essa guerra de números mostra como podem ser múltiplas as maneiras de se computar, e interpretar, os gastos envolvidos em jogos olímpicos e serve como uma prévia do que virá pela frente em relação à Olimpíada do Rio de Janeiro, em 2016.
A reportagem é de Vitor Paolozzi e publicada pelo jornal Valor, 19-07-2012.
Os pesquisadores Bent Flyvbjerg e Allison Stewart, da Said Business School, ligada à Universidade Oxford, fizeram um levantamento de todas as olimpíadas e jogos de inverno desde 1960 e concluíram que os eventos "ultrapassam o orçamento com uma constância de 100%. Nenhum outro tipo de megaprojeto tem essa consistência no que se refere a estouro de orçamento. Os dados, assim, mostram que, ao decidir sediar os jogos olímpicos, uma cidade ou nação está empreendendo um dos tipos de megaprojeto mais financeiramente arriscados que existem".
Nas suas contas, Flyvbjerg e Stewart fizeram uma comparação entre os orçamentos apresentados ao Comitê Olímpico Internacional como parte da candidatura da cidade e as despesas efetivamente realizadas para cobrir todos os custos operacionais e a construção de estádios, ginásios, vilas olímpicas e instalações para a imprensa, entre outros itens. Eles deixaram de fora - devido à ausência, ou pouca confiabilidade, dos dados - o dinheiro gasto pelos governos na infraestrutura urbana (construção ou reforma de metrô, aeroportos e avenidas etc.) e por empresas interessadas (ampliação de hotéis, por exemplo).
Tudo somado, a conclusão de Flyvbjerg e Stewart é que, no caso das olimpíadas de 1960 para cá (excluindo-se os jogos de inverno), o estouro médio dos orçamentos é de nada menos que 252%. A medalha de ouro na categoria contabilidade rasa fica com Montreal 1976, com um excesso de 796% em relação aos números iniciais. Os pesquisadores lembram ainda que trata-se de um cálculo bastante conservador ("o melhor dos cenários"), já que eles trabalharam apenas com as contas oficiais dos gastos diretamente vinculados com as competições. No caso de Pequim 2008, por exemplo, que teve um custo declarado de US$ 5,5 bilhões, há estimativas de que o evento pode ter alcançado US$ 40 bilhões.
Flyvbjerg atribui parte dos estouros a uma boa dose de otimismo das pessoas envolvidas ("elas realmente acreditam que podem fazer os jogos sem custos"), mas vê também um esforço deliberado de muitos políticos e governos para iludir o público. "Eles escolhem números para dar uma boa impressão ao que fazem", afirma.
Em março de 2007, menos de dois anos após conquistar o direito de sediar os Jogos, a então ministra britânica de Cultura, Mídia e Esportes, Tessa Jowell, anunciou no Parlamento que o orçamento inicial sofrera um reajuste de 5,289 bilhões de libras, saltando para 9,325 bilhões de libras. Posteriormente, em 2010, esse valor teve um ligeiro corte, caindo para 9,298 bilhões - o que agora permite ao governo dizer que houve economia.
Ainda assim, mesmo que se aceite como ponto de partida o orçamento de 2007, e não o de 2005, há um risco de os valores superarem a previsão. Em março, um relatório do Comitê de Contas Públicas, vinculado ao Parlamento britânico, alertou que Londres 2012 pode ter um custo final em torno de 11 bilhões de libras devido à não inclusão de itens - como a compra dos terrenos para a construção do Parque Olímpico - e a cálculos imprecisos, especialmente na área de segurança e para a recuperação socioeconômica da zona leste de Londres. "As estimativas iniciais do Locog [Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Londres] para custo e escala da segurança das instalações foram baseadas em um 'chute'", diz o documento.
O número de seguranças saltou de 10.000 para 23.700, implicando um aumento desse item do orçamento de 282 milhões de libras para 553 milhões. A construção do estádio Olímpico, que em 2005 estava prevista para consumir 280 milhões de libras, passou a ser estimada em 428 milhões. O parque aquático foi de 73 milhões para 251 milhões de libras.
O governo britânico ainda se equivocou ao estimar uma participação de 738 milhões de libras do setor privado no financiamento da Olimpíada e acabou tendo que arcar com as despesas da construção da vila olímpica e dos centros de imprensa.
A empresa de avaliação de riscos Moody's acha que os organizadores também superestimaram os benefícios econômicos que poderiam resultar do evento. Em relatório, analistas da Moody's afirmaram: "No geral, não acreditamos que a Olimpíada irá dar um substancial impulso macroeconômico ao Reino Unido em 2012. [...] Esperamos que, no todo, o impacto líquido dos jogos no turismo britânico vai ser positivo, mas menor do que os números brutos de visitantes poderiam sugerir." A Moody's ainda avalia que, no final das contas, pode haver muito pouco a colher: "Ao mesmo tempo, quaisquer benefícios econômicos positivos da Olimpíada podem ser anulados por outros fatores, tais como interrupções em negócios ou moradores do Reino Unido passando férias mais longas no exterior".
Segundo os acadêmicos da Universidade Oxford, Londres 2012 vai ser a olimpíada mais cara da história, com gastos relacionados às competições atingindo um total de US$ 15,6 bilhões. Mas, se a Rio 2016 ficar dentro da média de estouro de orçamento, esse posto será ocupado por apenas quatro anos. Excluindo-se os gastos com obras de infra-estrutura não diretamente relacionadas com os Jogos, o orçamento da Rio 2016 está, ajustado pela inflação desde 2008, em R$ 17,3 bilhões (US$ 8,5 bilhões). No caso de um hipotético estouro de 252%, a conta passaria para US$ 30 bilhões.
Leonardo Gryner, o diretor-geral do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio-2016, já admite que haverá alterações nos custos. "Quando você está se candidatando, você desenha um projeto com números aproximados, mas, quando vai se fazer a obra, esses números podem variar. A construção civil aqui no Rio está aquecida, você vê que os preços de materiais não se comportam da mesma forma [que no orçamento de 2008]", diz.
Flyvbjerg ressalva que não examinou os números da Olimpíada do Rio, mas que, pelo que viu de casos anteriores, as chances são muito grandes de o orçamento original não ser cumprido. "Em geral, sabemos que os gastos são maiores em economias emergentes. E também sabemos o porquê: a corrupção é maior e a logística é mais difícil. Não acredito que a logística seja mais complicada no Brasil do que em Londres, talvez um pouco, mas não muito. E a corrupção talvez seja uma questão mais séria no Brasil do que em Londres", diz.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Olimpíada de Londres ultrapassa custo inicial - Instituto Humanitas Unisinos - IHU