16 Julho 2012
Em entrevista ao “Spiegel”, o físico Rolf-Dieter Heuer, diretor geral do Cern (Laboratório Europeu de Física de Partículas) perto de Genebra, discute os mistérios que restam em seu campo de estudo após a descoberta espetacular do bóson de Higgs.
A entrevista é de Manfred Dworschak, publicada no Der Spiegel e reproduzida pelo Portal Uol, 13-07-2012.
Eis a entrevista.
Senhor Heuer, agora que o bóson de Higgs finalmente foi descoberto no Cern, há planos de fechar o acelerador de partículas?
De forma alguma. Fizemos um avanço, mas o trabalho de verdade só está começando. Precisamos medir nossa descoberta, observar sua interação com outras partículas e também determinar suas propriedades. Se, nesse processo, encontrarmos algo que contradiga nossa teoria, então isso vai automaticamente abrir a porta para um novo tipo de física. Afinal, nosso Modelo Padrão só descreve 4 a 5% do universo.
E o resto?
Cerca de um quarto é composto de matéria escura. É o que impede as galáxias em rotação de simplesmente voarem embora. Isso não pode ser explicado apenas pela matéria visível. O que chamamos de energia escura é responsável por três quartos do que sobra. Ela leva o universo a expandir a um ritmo ainda mais rápido. Mas ainda não compreendemos o mecanismo que expande o espaço igualmente em todas as direções.
O Higgs pode dar novas pistas?
O campo de Higgs, que faz parte da partícula, tem uma característica decisiva que se encaixa com a energia escura: funciona em todas as direções simultaneamente.
Então o Higgs pode ser o início da ponte para o desconhecido?
Precisamente. Não sabemos se tem algo a ver com a energia escura. Mas suspeitamos que há um campo similar ao Modelo Padrão, do outro lado da ponte, por assim dizer.
E se o Higgs não fizer o favor de revelar tais segredos?
Ainda assim, descobrimos uma partícula que ajuda a dar massa a todas as outras partículas. Finalmente temos a prova que nosso Modelo Padrão é completamente preciso. O que precisamos fazer agora é encontrar o buraco neste modelo pelo qual podemos avançar para os 95% restantes do universo. Ainda não sabemos qual papel a partícula que descobrimos desempenha. É como ver seu melhor amigo de longe. A princípio, pode ser alguém que parece muito com ele, mas no final ser alguém totalmente diferente. Você só pode ter certeza quando chega perto.
O que vocês planejam fazer agora?
Até o final do ano, planejamos lançar prótons uns contra os outros. Então vamos desligar o acelerador por cerca de dois anos, para manutenção. Quando voltar a operar, as coisas serão excitantes. A cada vez, vamos dobrar a energia, o que nos permitirá criar partículas com massa ainda maior. E pode ser que, ao fazê-lo, também ultrapassemos o limite para a matéria escura. Isso abriria novas portas.
O que vocês esperam encontrar?
Primariamente, os primeiros traços da supersimetria. Esse é o nome da teoria que sustenta que toda partícula tem uma partícula sombra – um espelho, previsto pela teoria da antimatéria. A partícula mais leve da supersimetria pode ser estável o suficiente para estar ao alcance de nosso acelerador. Essa seria uma boa candidata para a matéria escura. Encontrá-la representaria um enorme salto adiante.
Vocês sabem exatamente onde pesquisar? Ou vocês procuram ao acaso?
Os dois. Temos que estar totalmente abertos para descobertas inesperadas. Ainda assim, com a super-simetria já temos uma direção, e nossa busca tem uma meta. Mas não será mais tão focada como foi com o Higgs.
Quando vocês buscavam o bóson de Higgs, vocês essencialmente já tinham um perfil da partícula, publicado por Peter Higgs em 1964. Ele merece o prêmio Nobel?
Acho que sim. Mas outros estavam trabalhando em modelos similares na época…
…E as regras do Nobel exigem um máximo de três vencedores ao mesmo tempo.
Sim, isso precisa ser modificado. Em muitas áreas de pesquisa –da física de partículas até a genética- grupos cada vez maiores de pessoas trabalham juntos, porque essa é a única forma que pode funcionar. Em algum ponto, grandes descobertas feitas por indivíduos será coisa do passado.
Quantos pesquisadores estavam envolvidos na longa viagem para a descoberta do Higgs?
No final, entre 3.000 e 4.000 pessoas tomaram parte em cada um dos dois principais experimentos.
E grupos tão grandes podem mudar o foco e se comprometer com novos objetivos? Ou cada pesquisador logo voltará a desenvolver seu projeto próprio?
Não, nosso pessoal certamente vai ficar, especialmente agora. A capacidade de trabalhar junto está no sangue dos físicos de partículas. Eles aprendem logo cedo que é impossível avançar sozinho e que a troca constante é necessária.
As conquistas de um indivíduo não se perdem na multidão?
Não, ainda é muito fácil identificar um excelente físico. Pessoas boas sobem rapidamente –como em uma empresa.
Qual o tamanho máximo que uma equipe de pesquisa pode ter e ainda ser administrável?
Há quinze anos, liderei um projeto com 350 pessoas. Na época, achamos que era o limite. Agora, temos 10 vezes mais. Eu diria que nossos verdadeiros limites são em tecnologia e nos detectores que conseguimos construir.
Por quanto tempo vocês vão poder continuar conduzindo experimentos com o Grande Colisor de Hádrons? Em que ponto ele terá cumprido sua missão?
Estamos planejando até 2030. Talvez valha a pena investir novamente na máquina nos anos 2020 – por um investimento relativamente baixo, poderíamos colidir consideravelmente mais partículas. Mas depende do que tivermos descoberto até lá.
E depois? Vocês vão precisar de máquinas maiores ainda?
O que é decisivo é a energia, e não o tamanho. Quanto mais próximo você quiser olhar, mais rápido terá que acelerar as partículas. Em nosso caso, os prótons. Muitas coisas sugerem que nossa próxima empreitada será um acelerador que lança elétrons contra pósitrons. Isso abriria um novo campo de matéria, e da partícula de Higgs. Já há planos para isso. A principal pergunta é qual região do mundo estaria pronta para construir tal máquina?
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"O trabalho de verdade está começando", diz diretor-geral do Cern sobre bóson de Higgs - Instituto Humanitas Unisinos - IHU