Por: André | 03 Julho 2012
“Ao ter colocado estes limites ao desenvolvimento, vemos na estatização uma via plausível para superá-los, para a mudança profunda desta sociedade. Mas convém alertar: ninguém se deixa expropriar gratuitamente, e a repercussão midiática local e internacional que teve o caso YPF demonstra-o cabalmente. Neste contexto, o marco de alianças regional pode ser um determinante chave no “campo de jogo” possível destas políticas (claramente, não é a mesma coisa para isto que seja a Unasul, a Alba ou o Mercosul). Mas ao mesmo tempo, ao pensar o Estado como uma arena de e em disputa, devemos recordar que é sempre um terreno que corre com desvantagens para os setores populares. Somente sobre a organização destes podem se assentar as expectativas da contribuição daquelas políticas para as perspectivas emancipatórias”, escreve Martín Harracá, em artigo publicado no jornal Página/12, 02-07-2012. A tradução é do Cepat.
Martín Harracá é licenciado em Economia e professor da FCE-UBA.
Eis o artigo.
Uma forma de expressar sinteticamente as características da nossa economia, de grande aceitação entre os economistas locais, é que é formada por uma estrutura produtiva desequilibrada. Sem coincidir plenamente com essa descrição, cremos que coloca em relevo um aspecto central: as consequências geradas pelo potencial desigual de exploração do setor primário em relação ao industrial.
Tanto as condições de fertilidade – quase inigualáveis – do solo pampeano e litorâneo, a enorme riqueza de metais dos Andes e as reservas de recursos fósseis e gasíferos da Patagônia, supõem a existência de uma grande massa potencial de origem primário. Estes recursos são apropriados por aqueles que ostentam o monopólio no acesso à sua exploração, embora o Estado possa intervir aqui, captando parte da renda mediante retenções, ou outros impostos, além de através do controle direto da exploração. No caso de que não seja apropriada pelo Estado, longe de ter como destino o desenvolvimento produtivo, a renda costuma encontrar seu fim no consumo suntuoso (boom das 4x4 em localidades produtoras de soja), fuga de capitais, ou em colocações que reproduzem a lógica rentista, como investimentos imobiliários (que podem produzir bolhas especulativas em setores como a construção residencial).
Em contraposição, encontramos um setor industrial que, excetuando alguns complexos muito específicos, apresenta capacidades produtivas inferiores às vigentes em nível internacional. Isto implica que seu desenvolvimento a uma escala competitiva está subordinado à possibilidade de ser subsidiado mediante recursos derivados da renda primária, processo que só pode ocorrer pela mediação do Estado. Assim mesmo, ao serem os capitais de origem estrangeira aqueles com condições mais competitivas, acabam adquirindo empresas de capital local. Somado à longa história de entrega da exploração de nossos recursos a capitais externos (em especial nos anos 1990), tem-se uma progressiva estrangeirização da economia.
Alguns dados assinalam que este esquema de base primária e estrangeirizada não se modificou substancialmente, embora apesar do ideário desenvolvimentista: as exportações do complexo da soja em 2011 – feijão, óleo e “pellets” de soja – somam 20 bilhões de dólares, quase 25% do total. Por sua vez, esta situação torna o (muito volátil) preço da soja uma variável de possível instabilidade para a nossa economia, em particular para os ingressos estatais, já que desde 2002 os direitos de exportação representam aproximadamente 10% dos ingressos tributários. A respeito da estrangeirização, por sua vez, basta assinalar que das 500 maiores empresas do país, a participação das de origem estrangeira cresce ininterruptamente na década de 90, passando de 44% em 1993 para 68% em 2002, estabilizando-se em 67% na média 2003-2010. Mais significativo é que, em média, os lucros das empresas estrangeiras são quatro vezes as das locais, e que os lucros e dividendos que tiraram do país em 2011 chegaram a 8,5 bilhões de dólares, número quatro vezes superior à média da convertibilidade.
Colocando em debate o ideário desenvolvimentista, entendemos que os limites não se encontram em uma questão de “arquitetura” da política, mas nas alianças que ela supõe necessárias, e que requer como ator principal um pujante setor empresarial nacional. Nossa interpretação é que este setor não apenas não tem essa força – dado que só pode germinar sob o apoio estatal –, mas que, fundamentalmente, não está motivado pelo “desenvolvimento nacional”, mas mais pela maximização dos lucros. Os exemplos são abundantes, mas ficam plasmados nitidamente com os recentes casos dos Eskenazi na YPF, e mais dramaticamente ainda, com o Cirigliano e a tragédia ferroviária da estação de Once, no bairro de Balvanera.
Ao ter colocado estes limites ao desenvolvimento, vemos na estatização uma via plausível para superá-los, para a mudança profunda desta sociedade. Mas convém alertar: ninguém se deixa expropriar gratuitamente, e a repercussão midiática local e internacional que teve o caso YPF demonstra-o cabalmente. Neste contexto, o marco de alianças regional pode ser um determinante chave no “campo de jogo” possível destas políticas (claramente, não é a mesma coisa para isto que seja a Unasul, a Alba ou o Mercosul). Mas ao mesmo tempo, ao pensar o Estado como uma arena de e em disputa, devemos recordar que é sempre um terreno que corre com desvantagens para os setores populares. Somente sobre a organização destes podem se assentar as expectativas da contribuição daquelas políticas para as perspectivas emancipatórias.
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A crise econômica da Argentina. A via da estatização - Instituto Humanitas Unisinos - IHU