Por: André | 30 Junho 2012
Continua sob custódia o “mordomo” do Papa, Paolo Gabriele, que segue sendo o único imputado pelo crime. No momento, por furto agravado. A Comissão Cardinalícia de Investigação, que trabalha de forma paralela à magistratura vaticana, continua com suas audiências.
A análise é de Sandro Magister, jornalista italiano especializado em assuntos do Vaticano, e publicada no sítio Chiesa, 28-06-2012. A tradução é do Cepat.
Não se sabe quanto tempo ainda transcorrerá até que as duas investigações cheguem a uma conclusão. Mas isto não quer dizer que o chamado caso “Vatileaks” já não tenha incidido na vida desse particular organismo que é a cúria romana.
Muito pelo contrário. Com efeito, já se pode visualizar algumas consequências a curto prazo, enquanto se podem supor outras a médio e longo prazos.
A Opus Dei e os Estados Unidos
Para começar, em poucas semanas aumentou na cúria o papel visível da Opus Dei, que já conta, no organograma, com o secretário do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos (o bispo Juan Ignacio Arrieta, do clero da Obra), o secretário da Congregação para o Clero (o arcebispo Celso Morga Iruzubieta, da Fraternidade Sacerdotal da Santa Cruz, vinculada à Opus) e o secretário da Prefeitura dos Assuntos Econômicos (padre Lucio Angel Vallejo Balda).
Quem preside a Comissão Cardinalícia de Investigação é, efetivamente, o cardeal Julián Herranz, membro da Opus Dei e ex-presidente do mesmo dicastério no qual trabalha Arrieta.
Mas não apenas isso. No inédito papel de “assessor” para as comunicações da Secretaria de Estado foi escolhido Greg Burke, efetivo da Obra, que poderia retomar o brilho de Joaquín Navarro Valls, também ele efetivo, o célebre porta-voz de João Paulo II.
Burke ajudará na “unidade da crise” midiática do Palácio Apostólico, formada pelo substituto, o arcebispo Giovanni Angelo Becciu, pelo assessor Peter Brian Wells, por dom Carlo Maria Polvani (sobrinho do núncio nos Estados Unidos, Carlo Maria Viganò) e pelos responsáveis pelos meios de comunicação vaticanos, o Pe. Federico Lombardi (da Rádio Vaticana) e Giovanni Maria Vian (do L’Osservatore Romano).
Com a chegada de Burke, proveniente da Fox TV, cresce na cúria também o peso dos Estados Unidos.
Em Roma já trabalham o cardeal Raymond L. Burke, os arcebispos Augustine Di Noia e Joseph W. Tobin, dom Wells e o Pe. Michael J. Zielinski. Com contar com o cardeal a ponto de se aposentar, William J. Levada, e os cardeais aposentados Bernard F. Law e James F. Stafford.
Mas ultimamente o peso dos norte-americanos cresceu também com a chegada à cúria do advogado Jeffrey Lena, que obteve um cargo na Secretaria de Estado, e com o aumento da influência do líder dos Cavaleiros de Colombo, Carl Anderson, que se tornou famoso também pelo documento, assinado por ele, com o qual Ettore Gotti Tedeschi foi brutalmente afastado da presidência do Instituto para as Obras de Religião (IOR).
A Gendarmeria
O caso “Vatileaks” trouxe também à tona o grande poder adquirido nos últimos anos pela Gendarmeria vaticana.
Parece já mais que longínqua a decisão de 1970 do Papa Paulo VI de abolir os corpos militares pontifícios, com exceção das históricas guardas suíças. O Papa Montini transformou a Gendarmeria em um simples serviço de vigilância. Mas em 2002, este corpo voltou a se chamar Gendarmeria e formalmente é um endereço dentro das dependências do governo do Estado da Cidade do Vaticano.
Na realidade, há muito mais. Nos últimos anos, a Gendarmeria foi dotada com armas sofisticadas e com potentes instrumentos invasivos. Agora também as mais altas hierarquias suspeitam, com ou sem razão, que é possível interceptar cada um de seus sussurros, tanto que o diretor do corpo de gendarmeria, Domenico Giani, ex-financista dos serviços secretos italianos, no cargo desde 2006, agora é reverenciado e temido mais que um secretário de Estado.
A Secretaria de Estado
É precisamente na figura do secretário de Estado que poderia haver consequências a médio prazo.
A inédita audiência, concedida por Bento XVI aos cardeais George Pell, Marc Ouellet, Jean-Louis Tauran, Camillo Ruini e Jozef Tomko na tarde do sábado, 23 de junho, e divulgada pela sala de imprensa e pelo L’Osservatore Romano, foi universalmente interpretada pela mídia como uma chamada de atenção para a estabilidade no cargo do cardeal Tarcisio Bertone, que não esteve entre os cinco convidados, embora esta interpretação ficou no nada, por causa de uma imediata intervenção do Pe. Lombardi.
Nesse mesmo dia, pela manhã, o Papa também presidiu uma reunião dos chefes dos dicastérios da cúria. Esta reunião não tinha agendado a questão do vazamento de documentos – mesmo quando no começo da sessão o substituto confirmou aos presentes a necessidade de administrar com especial atenção cartas e arquivos –, mas o exame do pedido de alguns movimentos eclesiais – como os Focolares ou a Comunidade de Santo Egídio – para poder incardinar diretamente um clero próprio. A opinião que prevaleceu foi a de confirmar que a incardinação deve seguir sendo faculdade exclusiva dos bispos e dos superiores religiosos, com a possibilidade para os movimentos de estipular acordos com dioceses ou institutos religiosos.
Voltando à questão da Secretaria de Estado, para além do fato de saber se e quando Bento XVI decidirá substituir o seu mais estreito colaborador, parece que efetivamente se consolida a hipótese de que o sucessor de Bertone possa ser um não italiano.
Caso realmente isso acontecer, trata-se de um giro sem precedentes.
De fato, exceto durante os poucos meses em que o cardeal francês Jean Villot foi secretário de Estado, no começo do pontificado de João Paulo II – assim que foi eleito Papa ele confirmou “in scriptis” que se tratava de uma situação provisória, em vista da nomeação de um italiano que depois foi Agostino Casaroli – não se recorda uma dupla Papa-secretário de Estado absolutamente não italiana.
Esta eventualidade – que encontrará sua justificativa no desejo de limpar novamente os Sacros Palácios das intrigas que estariam na base do “Vatileaks” – teria, além disso, como corolário interessante o fato de que a gestão corrente da política italiana se apoiaria pela primeira vez integralmente sobre as costas da Conferência Episcopal Italiana.
Sobre o futuro Papa
Por último, pensam muitos, a questão “Vatileaks” poderia ter consequências para a futura eleição de um novo pontífice.
Com efeito, a ideia de que os vazamentos de documentos são fruto de intrigas totalmente italianas fez nascer entre os cardeais e bispos uma dupla consideração. Por um lado, está quem pensa que é bom que um futuro Papa não provenha da Itália. Por outro, está quem pensa que é melhor que seja dali, para poder desmascarar e desvelar melhor as intrigas.
Mas estes parecem discursos puramente acadêmicos. Com efeito, no Vaticano não faltam aqueles que associam ao Papa Joseph Ratzinger à lembrança de Leão XIII, que foi eleito porque era acima de tudo um ancião segundo os critérios da época, depois do longuíssimo pontificado de Pio IX, mas que na realidade passou dos 93 anos de idade...
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