14 Junho 2012
Após o encontro da última terça-feira com representantes da Leadership Conference of Women Religious (LCWR), a autoridade vaticana responsável por uma recente repressão contra as religiosas disse que ainda acredita que o relacionamento pode funcionar, mas também alertou para um possível "diálogo de surdos", que se refletiria no que ele vê como uma falta de movimento com relação às preocupações do Vaticano.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio do jornal National Catholic Reporter, 12-06-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O cardeal William Levada, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano, sugeriu a possibilidade de que, se a LCWR não aceitar as reformas delineadas em uma avaliação do dia 18 de abril, o resultado poderia ser o descredenciamento junto ao Vaticano em favor de uma nova organização para lideranças religiosas femininas nos EUA mais fiel ao ensino da Igreja.
Levada rejeitou fortemente as acusações de que a medida contra a LCWR está baseada em "acusações infundadas" ou que falha em transparência, ambas acusações levantadas em uma declaração da LCWR divulgada na semana passada."Na realidade, isso não é uma surpresa", disse ele, insistindo que o processo começou há quatro anos e que seus resultados não se baseiam em acusações secretas, mas sim "no que acontece em suas assembleias, no que está em seu site, no que elas fazem ou deixam de fazer".
Levada também negou notícias de que o cardeal aposentado Bernard Law, de Boston, ajudou a instigar a medida contra a LCWR, dizendo: "Ele não está envolvido nisso".
Levada fez esses comentários em uma entrevista com o NCR realizada logo após a reunião entre as autoridades do seu dicastério e a Ir. Pat Farrell, presidente da LCWR, juntamente com a Ir. Janet Mock, diretora-executiva do grupo.
A LCWR é o maior grupo de lideranças de ordens religiosas femininas dos Estados Unidos.
Coroando uma revisão de quatro anos, em abril, o escritório de Levada emitiu uma avaliação de oito páginas muitos afiadas sobre a LCWR, citando "sérios problemas doutrinais" e "confusão doutrinal", incluindo um suposto "silêncio" com relação ao aborto e outras preocupações pró-vida, uma política de "dissidência corporativa" em assuntos como as sacerdotisas e a homossexualidade, e as incursões de "certos temas feministas radicais".
Após o encontro de terça-feira, Farrell e Mock divulgaram um comunicado descrevendo a sessão como "aberta" e dizendo que a LCWR iria avaliar sua resposta futura em suas próximas reuniões regionais e em uma assembleia nacional em agosto. Elas se recusaram a comentar além do comunicado.
Em sua entrevista ao NCR, Levada disse acreditar que a fissura entre Roma e a LCWR pode ser reparada. "Eu acredito que isso possa ser trabalhado", disse. "Essa é minha esperança e a minha oração".
Ao mesmo tempo, Levada descreveu o risco de um "diálogo de surdos", dizendo que o Vaticano tem mantido conversas com a LCWR por quatro anos, mas, ao longo do caminho, o grupo tem feito escolhas que, aos olhos de Levada, sinalizam que o grupo não está levando em consideração as suas preocupações.
Levada citou especificamente a publicação de uma entrevista com o Pe. Charles Curran, um teólogo moral censurado pelo Vaticano nos anos 1980 por suas opiniões sobre a moral sexual, em uma recente edição da publicação da LCWR, Occasional Papers, assim como decisões de convidar Barbara Marx Hubbard, geralmente descrita como um "líder da Nova Era", para palestrar na próxima assembleia de agosto e de conceder um prêmio para a Ir. Sandra Schneiders, do Imaculado Coração, outra teóloga às vezes crítica da política vaticana.
Levada reconheceu que havia dado à LCWR o sinal verde para prosseguir com sua assembleia de agosto, mas disse que não sabia, naquele momento, da escolha das palestrantes ou homenageadas, e que "eu gostaria que elas não tivessem feito essas escolhas".
"Muitas pessoas que passam pela tela da LCWR, que supostamente representam a Igreja Católica, não representam a Igreja com nenhum sentido razoável de produzir identidade", disse Levada.
O cardeal também disse que, embora as autoridades eclesiais não possam forçar a LCWR a mudar de rumo, se as coisas chegarem a um impasse, eles podem retirar o reconhecimento oficial.
"O que podemos fazer, e o que teríamos que fazer, é dizer a elas: 'Vamos substituir um grupo que funcione pelo seu'", disse ele.
Levada disse que ainda não sabe como seria esse "grupo que funcione", exceto que deveria ser uma conferência "que se foque nas prioridades da vida religiosa, na vida de santidade, que é o chamado fundamental para todos nós na Igreja".
Embora já exista um grupo rival nos EUA, conhecido como o Council of Major Superiors of Women Religious (CMSWR), amplamente visto como uma alternativa mais tradicional à LCWR, Levada disse que "poderia muito bem ser" que um novo grupo tivesse que ser criado para absorver o papel oficial da LCWR. Ele ressaltou que espera que as coisas não cheguem a isso.
"Gostaríamos de ver uma LCWR eficaz e forte", afirmou.
Levada também reconheceu que o Vaticano não pode bloquear a LCWR por conta própria para retirá-la da órbita oficial e reincorporá-la ao direito civil, mas disse que, se o grupo fizer essa escolha, "a Santa Sé não vai lhe dar proteção".
No curto prazo, Levada disse que vai assumir como prova de que as coisas estão se movendo na direção certa se a LCWR entrar em "um diálogo sincero, cordial e aberto" com o arcebispo Peter J. Sartain, de Seattle, indicado pelo Vaticano para supervisionar a reforma prevista na avaliação doutrinal.
Até hoje, afirmou Levada, isso não aconteceu.
Acerca de outros pontos, Levada negou que a medida contra a LCWR tenha sido motivada por um desejo de afirmar o controle sobre a propriedade e outros bens das ordens femininas dos EUA e rejeitou sugestões de que o objetivo da revisão é levar a LCWR sob o controle permanente dos bispos norte-americanos.
Ao invés de "teorias conspiratórias", disse Levada, o foco deveria estar sobre as questões substantivas na crítica vaticana.
"A Igreja é um amplo guarda-chuva e não exclui as pessoas rapidamente, nem mesmo as pessoas que discordam em um ponto ou outro", disse. "Mas, no fim, trata-se de um grupo que representa a Igreja de forma a possuir responsabilidade sobre o ensino e a tradição da Igreja".
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Cardeal alerta contra ''diálogo de surdos'' entre Vaticano e religiosas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU