31 Mai 2012
Amargura e desgosto pelo que aconteceu nos últimos dias no Vaticano, mas também determinação e confiança no enfrentamento de uma situação francamente difícil. São esses os sentimentos que se percebem no sostituto da Secretaria de Estado – o arcebispo Angelo Becciu (foto), que, pelo seu ofício, todos os dias, trabalha em contato estreito com o pontífice – durante uma entrevista com o L'Osservatore Romano sobre o tema que atrai a atenção de muitíssimos meios de comunicação de todo o mundo, ou seja, a prisão, no dia 23 de maio, de Paolo Gabriele, ajudante de quarto de Bento XVI, pela posse de um grande número de documentos confidenciais pertencentes ao papa.
A reportagem é de Giovanni Maria Vian, publicada no jornal L'Osservatore Romano, 30-05-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O que dizer sobre o estado de ânimo de quem trabalha na Santa Sé? "Com as pessoas que encontramos nestas horas – responde o sostituto –, nos olhamos nos olhos e certamente lemos confusão e preocupação, mas também vi decisão em continuar o serviço silencioso e fiel ao papa". Uma atitude que se respira todos os dias na vida dos escritórios da Santa Sé e do pequeno mundo vaticano, mas que obviamente não faz notícia no dilúvio midiático que se desencadeou após os fato graves e de acordo com muitas opiniões desconcertantes desses dias.
Nesse contexto, Dom Becciu mede com atenção as palavras para sublinhar "o resultado positivo" da investigação, mesmo que se trate de um resultado amargo. As reações em todo o mundo, além disso, de um lado justificadas, de outro "preocupam e entristecem pelas modalidades da informação, que desencadeiam fantasias sem nenhuma correspondência na realidade".
Eis a entrevista.
Era possível reagir com mais rapidez e completude?
Houve, há e haverá um respeito rigoroso das pessoas e dos procedimentos previstos pelas leis vaticanas. Tão logo apurado o fato, no dia 25 de maio, a Sala de Imprensa da Santa Sé divulgou a notícia, embora tenha sido um choque para todos e isso tenha criado um pouco de desorientação. Além disso, a investigação ainda está em curso.
Como você encontrou Bento XVI?
Entristecido. Porque, de acordo com o que se pôde apurar até agora, alguém próximo a ele parece ser responsável por comportamentos injustificáveis sob qualquer perfil. Certamente, prevalece no papa a piedade pela pessoa envolvida. Mas o fato é que o ato sofrido por ele é brutal: Bento XVI viu serem publicadas cartas roubadas da sua casa, cartas que não são simples correspondência privada, mas sim informações, reflexões, manifestações de consciência, até mesmo desabafos que ele recebeu unicamente em razão do seu próprio ministério. Por isso, o pontífice está particularmente entristecido, até por causa da violência sofrida pelos autores das cartas ou dos escritos endereçados a ele.
O senhor pode formular uma opinião sobre o que aconteceu?
Considero a publicação das cartas roubadas um ato imoral de inaudita gravidade. Acima de tudo, repito, porque não se trata unicamente de uma violação, já em si muito grave, da discrição à qual qualquer um teria direito, mas sim de um vil ultraje à relação de confiança entre Bento XVI e quem se dirige a ele, mesmo que fosse para expressar protestos em consciência. Raciocinemos: não foram roubadas simplesmente cartas do papa, violentou-se a consciência de quem a ele se dirige como vigário de Cristo e se atentou contra o ministério do sucessor do apóstolo Pedro. Em vários documentos publicados, encontramo-nos em um contexto que se presume de total confiança. Quando um católico fala com o Romano Pontífice, está no dever de se abrir como se fosse diante de Deus, até porque ele se sente garantido pela absoluta discrição.
Quis-se justificar a publicação dos documentos com base em critérios de limpeza, transparência, reforma da Igreja.
Os sofismas não levam muito longe. Os meus pais me ensinaram não só a não roubar, mas também a nunca aceitar coisas roubadas de outros. Parecem-me princípios simples, talvez demasiado simples para alguns, mas o certo é que, quando alguém os perde de vista, facilmente perde a si mesmo e leva outros também à ruína. Não pode haver renovação que pisoteie a lei moral, talvez com base no princípio de que o fim justifica os meios, um princípio que, dentre outras coisas, não é cristão.
E o que responder a quem reivindica o direito de expressão?
Eu penso que, nestes dias, por parte dos jornalistas, juntamente com o dever de prestar contas do que está acontecendo, deveria haver também um choque ético, isto é, a coragem de um distanciamento claro da iniciativa de um de seus colegas que eu não hesito em definir como criminosa. Um pouco de honestidade intelectual e de respeito pela ética profissional mais elementar certamente não faria mal ao mundo da informação.
De acordo com vários comentários, as cartas publicadas revelariam um mundo obscuro dentro da Igreja, especialmente na Santa Sé.
Por trás de alguns artigos, parece-me encontrar uma hipocrisia de fundo. De um lado, acusa-se o caráter absolutista e monárquico do governo central da Igreja; de outro, escandalizamo-nos porque alguns, ao escrever ao papa, expressam ideias ou também lamentações sobre a organização do próprio governo. Muitos documentos publicados não revelam lutas ou vingança, mas sim aquela liberdade de pensamento que, ao contrário, se critica a Igreja por não permitir. Enfim, não somos múmias, e os diversos pontos de vista, até mesmo as avaliações contraditórias, são bastante normais. Se alguém se sente incompreendido tem todo o direito de se dirigir ao papa. Onde está o escândalo? Obediência não significa renunciar a ter uma opinião própria, mas sim manifestar com sinceridade e até o fundo o próprio parecer, para depois se adequar à decisão do superior. E não por cálculo, mas sim por adesão à Igreja querida por Cristo. São elementos basilares da visão católica.
Lutas, venenos, suspeitas: o Vaticano é realmente assim?
Eu não percebo esse ambiente dessa forma, e desagrada que se tenha uma imagem tão deformada do Vaticano. Mas isso deve nos fazer refletir e estimular a todos nós a nos comprometermos até o fim para fazer transparecer uma vida mais marcada pelo Evangelho.
O que dizer, enfim, aos católicos e aos que olham com interesse para a Igreja?
Eu falei da dor de Bento XVI, mas devo dizer que não falta ao papa a serenidade que o leva a governar a Igreja com determinação e clarividência. Está prestes a ser aberto em Milão o Encontro Mundial das Famílias. Serão dias de festa, em que se respirará a alegria de ser Igreja. Façamos nossa a parábola evangélica que o Papa Bento XVI nos recordou há poucos dias: o vento se abate sobre a casa, mas esta não ruirá. O Senhor a sustenta e não haverá tempestades que possam abatê-la.
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As cartas roubadas do papa. Entrevista com Angelo Becciu - Instituto Humanitas Unisinos - IHU