30 Mai 2012
Com pelo menos 109 mortos, incluindo dezenas de crianças, o massacre no fim de semana na cidade síria de Houla pode entrar para a história ao lado dos massacres brutais pós-Segunda Guerra Mundial de May Lai e Srebrenica. Na Síria, ele provavelmente provocará uma nova onda de violência e represálias.
A reportagem é de Ulrike Putz, publicada Der Spiegel e reproduzida pelo Portal Uol, 29-05-2012.
May Lai. Sabra e Chatila. Srebrenica. E agora Houla. A simples intensidade do ultraje internacional com o massacre da noite de sexta-feira significa que a cidade no nordeste da Síria pode muito bem se juntar às cidades do Vietnã, do Líbano e da Bósnia-Herzegóvina como sinônimo de assassinato de civis indefesos na era pós-Segunda Guerra Mundial. Segundo a Organização das Nações Unidas, ao menos cem pessoas foram mortas no ataque, muitas delas crianças pequenas. Na tarde de domingo, o Conselho de Segurança da ONU condenou as mortes e culpou o regime do presidente sírio Bashar al-Assad pelo banho de sangue.
A China se juntou na segunda-feira à longa lista de países que condenaram a violência. “A China está profundamente chocada pelo grande número de civis mortos em Houla e condena nos termos mais fortes as mortes cruéis de cidadãos comuns, especialmente mulheres e crianças”, disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Liu Weimin.
O número de mortos pelo ataque continuava crescendo no domingo, com a morte de vários dos 300 feridos. O número de mortos agora chega a 109 moradores. Além disso, cerca de 3.000 pessoas tomaram as ruas de Damasco para protestar contra o ataque sangrento do governo, segundo ativistas. As forças de segurança teriam atirado contra a multidão, matando duas pessoas. Houla, ao que parece, ainda não acabou.
Mas o repúdio global não colocou um fim à violência. Ao menos 24 pessoas foram mortas na cidade central de Hama durante bombardeios na noite de domingo, segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos, com sede no Reino Unido. Oito dos mortos seriam crianças. O bombardeio ocorreu após vários ataques contra as forças de Assad pelos combatentes do Exército Livre Sírio, apesar dos relatos da violência ainda precisarem ser verificados de modo independente, noticiou a agência de notícias “Reuters”.
Disparos à queima-roupa
Segundo ativistas, o massacre da noite de sexta-feira em Houla foi realizado pelas forças de segurança sírias e outros combatentes leais ao regime Assad. Observadores da ONU, que visitaram a cidade na manhã de sábado, confirmaram que as evidências --como cápsulas de tanque encontradas no local-- indicam que as tropas do regime estão por trás da violência. As imagens produzidas durante a visita da ONU intensificou a repulsa global: mais de 30 dos mortos eram crianças com menos de dez anos. Algumas das fotos mostram crianças que parecem ter sido executadas com disparos à queima-roupa na cabeça.
O ministro das Relações Exteriores alemão, Guido Westerwelle, se juntou ao coro de condenação no sábado, dizendo em uma declaração que “é chocante e horrível que o regime sírio se recuse a cessar o uso de violência brutal contra seu próprio povo. Os responsáveis por esse crime devem ser levados à Justiça”.
Diante da presença dos observadores da ONU, o regime sírio foi incapaz de negar, como sempre faz, os eventos que ocorreram em Houla, localizada perto do reduto rebelde de Homs. Em vez disso, Damasco alegou não ter responsabilidade, com a televisão estatal noticiando que “terroristas” estavam por trás do derramamento de sangue.
Desde o início do levante na Síria, há 15 meses, jornalistas estrangeiros têm sido em grande parte impedidos de entrar no Estado policial, dificultando a verificação dos relatos que vêm do país. A informação dos ativistas sírios, da qual depende a maioria dos veículos de notícia, já provaram não ser confiáveis no passado. Até mesmo testemunhas oculares no país, que há muito buscavam manter a neutralidade, demonstraram recentemente uma tendência de propaganda anti-Assad, em parte em consequência dos riscos, inerentes de suas atividades, às suas vidas. Todavia, é possível montar um quadro do que aconteceu em Houla.
Testemunhas disseram que o incidente teve início à tarde, quando cerca de 5.000 a 6.000 manifestantes foram às ruas após as orações de sexta-feira. Houla é uma pequena cidade em grande parte agrícola, mas como a cidade próxima de Homs se tornou o epicentro da revolta no ano passado, muitos se tornaram politicamente ativos.
Cercados
Esse desdobramento representa uma mudança de postura em relação a décadas recentes, durante as quais os moradores de Houla permaneciam em grande parte em silêncio. A cidade é uma coleção de quatro aldeias sunitas, cercada por três aldeias alauitas e uma aldeia xiita. Assad e grande parte de seu governo e unidades de segurança são alauitas, enquanto os principais aliados do regime, o Irã e a milícia libanesa do Hizbollah, são xiitas. Os sunitas de Houla pareciam cercados por aldeias pró-regime.
Mas, no final do ano passado, uma unidade do Exército Livre Sírio (ELS) montou base na cidade, e ela era considerada libertada. Apesar das forças armadas sírias ainda controlarem as estradas até a cidade, os moradores se sentiam seguros para protestar abertamente contra o regime de Damasco --como fizeram na sexta-feira.
Durante as manifestações, como acontecia com frequência nos últimos meses, atiradores do exército abriram fogo contra os manifestantes, como testemunhas disseram à “Spiegel Online”. Várias pessoas foram mortas nas salvas de tiros, e os manifestantes dispersaram.
Mais tarde, a unidade do ELS, sob a liderança de um comandante chamado Mahmud, decidiu vingar as mortes. Ao cair da noite, os combatentes rebeldes atacaram todos os postos de controle do regime na cidade e arredores. Até essa altura, a versão oficial do governo para os eventos está de acordo com os relatos, com o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Jihad al Maqdisi, dizendo que na tarde de sexta-feira, “das 14h às 23h” ocorreram ataques de “terroristas” contra as tropas do regime posicionadas lá.
Fim da paz
Uma testemunha relatou que a unidade do ELS sofreu baixas significativas durante sua ofensiva, antes de cometer um erro tático decisivo. Em vez de manter sua posição na cidade, Mahmud decidiu retirar sua unidade, deixando os moradores desprotegidos.
Por volta das 23h30, os militares sírios deram início ao seu bombardeio contra o vilarejo, disparando com tanques e morteiros contra a cidade. Uma testemunha disse que foguetes também foram usados.
Grande parte das mortes ocorreu durante o bombardeio, disseram testemunhas. Mas a testemunha, cujo relato não pôde ser verificado de forma independente, disse que 26 vítimas foram mortas por apoiadores do regime que entraram em Houla durante as pausas no bombardeio. Muitos dos perpetradores, alega a testemunha, vieram das aldeias ao redor.
Independente da veracidade desses relatos, os eventos podem representar um momento de virada no conflito sírio. As imagens de crianças mortas levaram o Exercito Livre Sírio a declarar “morto” o plano de paz da ONU e, segundo a emissora americana “CNN”, um líder do ELS exigiu que as mortes sejam vingadas. O período recente de paz apreensiva parece ter chegado ao fim.
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Massacre de Houla marca novo nível da violência na Síria - Instituto Humanitas Unisinos - IHU