Por: André | 26 Mai 2012
Em meio às chuvas torrenciais e às tempestades informativas artificiais, foram realizadas, na República Dominicana, as eleições presidenciais, para as quais mais de 200 observadores internacionais foram convidados a participar, no dia 20 de maio. Eleições que foram realizadas com a mais absoluta transparência.
A reportagem é de Adriana Puiggrós e está publicada no jornal argentino Página/12, 23-05-2012. Puiggrós foi observadora argentina nas eleições. É deputada federal e presidente da Frente Grande. A tradução é do Cepat.
Cerca de 70% dos eleitores participaram das eleições, com esse fervor que os dominicanos transmitem em suas conversas aos gritos e em sua fala, provavelmente a mais acelerada dos países de fala hispânica. Neste domingo de tempestades típicas do clima caribenho, foi eleito, com 52% dos votos, o engenheiro Danilo Medina, candidato do Partido da Libertação Dominicana (PLD). Durante o último mês, aquele país foi um enorme campo de disputa entre duas forças políticas: o Partido Revolucionário Dominicano (PRD), que concorreu com Hipólito Mejía, e seu dissidente, o PLD.
As raízes de ambos estão no partido fundado em 1939 por um grupo de exilados liderado por Juan Bosch em Havana. Com ideário democrático e anti-imperialista, propunham-se a construir uma força capaz de derrubar o ditador Rafael Trujillo, que ocupou o poder entre 1930 e 1961, e acabar com qualquer resquício de submissão que restasse na sociedade dominicana.
Provavelmente, as diferenças entre o PLD e o PRD sejam um bom exemplo da dificuldade fundamental para colocar uma força no centro do espectro político latino-americano sem decidir o compromisso com o grande capital ou com os setores populares. A construção de um partido nacionalista popular apoiado sobre uma sólida organização de líderes, com mística, trabalho coletivo e centralismo democráticos, foram os princípios defendidos por Juan Bosch.
Bosch queria “alcançar uma pátria livre, soberana e independente, na qual imperasse a justiça social e o respeito à dignidade humana”, continuando com o ideário de Juan Pablo Duarte Díez, ativista independentista dominicano, que no século XIX lutou contra o colonialismo. Em 1962, Bosch foi eleito presidente da República e foi deposto, em setembro de 1963, através de um golpe de Estado orquestrado pelos Estados Unidos. O movimento guerrilheiro de Francisco Camaño e a revolta popular de 1965, que buscava o retorno de Bosch, determinaram a intervenção militar norte-americana na ilha.
Em 1966, o social-cristão Joaquín Balaguer toma o poder por meio de um acordo com os Estados Unidos, estabelecendo um regime baseado nos denominados “matadouros eleitorais”. Mas é possível fixar esse momento como o início de uma discussão sobre as alianças necessárias para apoiar a sempre ameaçada independência do país, discussão que se vê refletida no confronto atual. Em 1973, Bosch rompe com o PRD e funda o PLD, que fica sob a presidência de José Francisco Peña Gómez. Bosch abandona o setor que se inclina a fazer alianças com Balaguer e com o governo de Carter e aprofunda seus vínculos com os países socialistas e do Terceiro Mundo, apoiando uma postura de centro-esquerda.
Esse homem alto, magro e de porte digno, tinha firmes princípios, era refratário às alianças circunstanciais, por vezes muito rígido para a política dominicana que, segundo alguns de seus companheiros, requeria um espírito negociador para manter o delicado equilíbrio no qual se sustentava sua liberdade, repetidamente usurpada por fuzileiros e tiranos. Esta observadora guarda a lembrança da campanha de Juan em 1983. Aquele dia em qu estando em Santo Domingo por razões acadêmicas, Bosch a convidou para acompanhá-lo em vários atos pelo interior do país, era muito especial: nesse 30 de outubro se realizavam as eleições argentinas que determinariam o final da ditadura e a vitória de Raúl Alfonsín. Durante todo o dia, o dirigente dominicano defendeu que venceria a UCR, contradizendo os argumentos de sua convidada, argentina e peronista.
Às 18h, acorreram ao jornal El Nacional, onde festejaram juntos a queda da ditadura argentina. Trinta anos depois, a República Dominicana, com um pouco mais de 10 milhões de habitantes, entrou numa campanha na qual militantes dos dois principais partidos trabalharam em cada um de seus distritos municipais, visitando cada um dos cidadãos que estivesse em condições de votar; disputando o voto de cada compatriota residente na ilha ou no exterior; expondo as razões positivas de seu candidato ou as próprias para mudar ou reproduzir o poder local.
Uma nova geração ocupava as mesas eleitorais; 243.000 jovens votaram pela primeira vez. As mulheres se inclinaram, em sua maioria, para Danilo, ao som de seu discurso moderno, democrático e apoiado nas melhorias econômicas e sociais alcançadas pelo PLD durante os últimos 12 anos. A lembrança da falência bancária, o desemprego e a pobreza vividos durante os também 12 anos de gestão do PRD pesaram na derrota de Hipólito Mejía.
Mas, um pouco menos da metade do eleitorado, 47%, votou em Mejía, esse homem que em plena campanha se atreveu a ofender centenas de milhares de mulheres que trabalham como empregadas domésticas, ao mesmo tempo que apoiava sua campanha no arcaico lema “Chegou o Papai”, interpelação que necessariamente remete ao caráter paternalista dos anos de submissão do povo dominicano. Algo que está se tornando inaceitável nesse país, onde já é difícil encontrar uma única pessoa descalça.
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A herança de Juan Bosch, da República Dominicana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU