10 Mai 2012
A acusação dirigida à LCWR é a de dirigir muita atenção às questões de justiça social e de não se envolver adequadamente na defesa do magistério sobre as questões de ordem de moral sexual e de defesa da vida. Essa é uma acusação dura, que representa a escolha de um campo de ação realizada pelas religiosas norte-americanas desde o Concílio Vaticano II até hoje e que as torna queridas e valiosas aos olhos de muitos.
A opinião é de Massimo Faggioli, doutor em história da religião e professor de história do cristianismo da University of St. Thomas, em Minneapolis-St. Paul, nos EUA. O artigo foi publicado na revista Il Regno, de maio de 2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
No dia 18 de abril de 2012, a Congregação para a Doutrina da Fé publicou uma Doctrinal Assessment acerca da maior organização das religiosas norte-americanas, a LCWR (Leadership Conference of Women Religious, que representa cerca de 80% das 57 mil irmãs norte-americanas).
Nesse documento de oito páginas publicado em inglês, a Congregação denuncia "sérios problemas doutrinários em muitas pessoas que vivem a vida consagrada" dentro de ordens religiosas membros da LCWR. A Congregação identifica três âmbitos críticos: os discursos proferidos por alguns convidados nas assembleias da LCWR (faz referência ao discurso proferido pela irmã Laurie Brink em uma assembleia em 2007 [1]), uma "política de dissenso coletivo" com relação aos ensinamentos do Magistério da Igreja em particular nos âmbitos da sexualidade, da homossexualidade e sobre o sacerdócio feminino (Ordinatio sacerdotalis, de João Paulo II), a presença na cultura da LCWR de temas típicos do "feminismo radical".
As religiosas norte-americanas haviam acabado de serem investigadas de 2008-2011, pela visitação apostólica iniciada com o cardeal prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada, Rodé (na sequência de um alerta recebido da ala mais conservadora das religiosas norte-americanas, que não fazem parte da LCWR): a visitação apostólica havia concluído no fim de 2011 com um relatório apresentado à Santa Sé, que não havia evidenciado problemas urgentes [2].
O documento de abril de 2012, ao contrário, refere-se a uma "investigação doutrinal" e recorda que a decisão da Congregação para a Doutrina da Fé de realizar essa investigação sobre a LCWR também havia iniciado em 2008 e havia sido comunicada pelo cardeal Levada às investigadas em abril de 2008. A investigação da Congregação durou três anos, e os resultados do relatório doutrinal haviam sido apresentados ao papa ainda em janeiro de 2011: por isso, faz mais de um ano que as religiosas norte-americanas estão nos arquivos da Congregação para uma ação de "reforma da LCWR" a qual a Santa Sé quer proceder recorrendo "às várias formas de intervenção canônica disponíveis".
A decisão anunciada no dia 18 de abril de 2012 prefigura uma ação em mais pontos: rever os estatutos da LCWR, rever os programas da LCWR, criar novos programas de formação para levar a uma compreensão mais profunda da doutrina da Igreja, oferecer apoio na aplicação dos textos e das normas em matéria litúrgica, rever os laços da LCWR com organizações filiadas.
A Congregação, liderada pelo cardeal norte-americano Levada, nomeou uma comissão de três bispos dos Estados Unidos, liderada pelo arcebispo de Seattle, Sartain, e composta pelo bispo de Toledo, Blair, e pelo bispo Paprocki, de Springfield (Illinois).
Se os canonistas norte-americanos reagiram à notícia observando que a iniciativa prefigura, do ponto de vista jurídico, a alternativa entre se adequar às diretrizes vaticanas ou enfrentar a perda do caráter de organização de religiosas reconhecida pelo Vaticano, por sua parte, a LCWR se disse "estupefata" diante das conclusões do relatório. A notícia teve grande impacto na Igreja norte-americana e instou um posicionamento em favor das irmãs por parte de toda a imprensa católica liberal, mas também de figuras de "teólogos públicos" conhecidos pela sua moderação (de James Martin SJ, da revista America, a R. Scott Appleby, da Universidade de Notre Dame) [3]. A questão também chegou à grande imprensa secular, incluindo a revista New York Review of Books, com a assinatura do renomado intelectual católico Garry Wills [4].
Do ponto de vista eclesial, não está claro que tipo de apoio a última iniciativa da Congregação para a Doutrina da Fé irá encontrar, se levarmos em conta a frieza que a visitação apostólica de 2009-2010 havia encontrado junto aos bispos norte-americanos. Mas, nos últimos três anos, o clima mudou: a liderança dos bispos passou para o enérgico cardeal de Nova York, Dolan, aumentou o ativismo dos bispos no plano eclesial interno, assim como no plano do confronto com a política (e com o governo democrata de Obama, especialmente), e cresceu a consonância com Roma (graças também a uma série de recentes nomeações episcopais de grande relevo eclesial e político, incluindo Nova York, Los Angeles, Filadélfia, Baltimore).
Devemos nos perguntar sobre quais papeis desempenham, nesse julgamento doutrinal sobre a LCWR, a luta interna da Igreja Católica sobre a aprovação da reforma da saúde de Obama, publicamente apoiada pelas irmãs norte-americanas e ferozmente combatida pelos bispos por não ser suficientemente pró-vida. Mas não há dúvida de que, aos olhos da grande parte do laicato católico (especialmente daquele que teve a sorte de frequentar as escolas católicas geridas pelas irmãs), essa ação da Congregação para a Doutrina da Fé nada mais é do que o último capítulo de uma série de iniciativas para disciplinar as mulheres na Igreja: o caso da teóloga Elizabeth Johnson em 2011 [5], a batalha contra a contracepção, a posição do magistério sobre o sacerdócio feminino.
O que mais chamou a atenção da opinião pública em geral, ao contrário, foi a acusação dirigida à LCWR de dirigir muita atenção às questões de justiça social e de não se envolver adequadamente na defesa do magistério sobre as questões de ordem de moral sexual e de defesa da vida. Essa é uma acusação dura, que, à sua maneira, representa de modo verídico a escolha de um campo de ação realizada pelas religiosas norte-americanas desde o Concílio Vaticano II até hoje e que torna as irmãs norte-americanas queridas e valiosas aos olhos de muitos católicos, e não só.
Mas, nos EUA, o catolicismo se tornou parte integrante (senão o motor principal) da "cultural war" [guerra cultural] em torno dos "valores", e essa ação disciplinar proveniente de Roma nada mais fez do que reforçar os dois frontes, eclesiais e políticos: em um ano em que a chamada "war on women" [guerra contra as mulheres] é um dos temas da campanha e da matemática eleitoral para as eleições presidenciais de novembro próximo.
Notas:
[1] Para o texto desse discurso de Laurie Brink e duas acuradas análises de M. Wilson O'Reilly e de F. X. Clooney, vejam-se respectivamente os blogs da Commonweal e da revista America.
[2] Cf. Il Regno, 16/2009, p.534, e 20/2009, pp.667-669. Para o relatório final da visitação apostólica, publicado em janeiro de 2012, clique aqui.
[3] Entre as exceções de destaque, o National Catholic Register, que não por acaso remeteu o caso ao confronto de 2010 entre os bispos norte-americanos e a irmã Carol Keehan, presidente da Catholic Health Association of the United States por ocasião da reforma da saúde do governo Obama.
[4] G. Wills, Bullying the nuns.
[5] Ver Il Regno, 8/2011, p.238.
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Religiosas norte-americanas: da investigação à intervenção - Instituto Humanitas Unisinos - IHU