08 Mai 2012
A nova tempestade que investe contra a Igreja irlandesa não dá sinais de se acalmar. Os últimos desdobramentos imprevisíveis referentes a Seán Brady (foto), arcebispo de Armagh e primaz da Irlanda, acusado pela BBC de não ter feito nada – quando era simples sacerdote – para proteger as vítimas de um padre pedófilo serial, correm o risco de criar novos problemas nas relações entre o governo de Dublin e a Santa Sé, mas também, paradoxalmente, de retardar a eventual substituição da liderança católica do país.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no sítio Vatican Insider, 04-05-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Seán Brady irá completar 73 anos em agosto próximo: sacerdote desde 1964, em 1994, quando tinha 55 anos, foi nomeado coadjutor do arcebispo de Armagh, o cardeal Brendan Daly, sucedendo-lhe dois anos depois. Foi criado cardeal por Bento XVI em 2007. Em 2010, no meio do escândalo da pedofilia que abalou a Igreja irlandesa, Brady foi acusado de ter participado no encobrimento das acusações contra um padre pedófilo, Pe. Brendan Smyth, ocorrido em 1975. Smyth continuaria abusando de crianças por mais 13 anos. Os seus superiores não fizeram nada para detê-lo nem para proteger as suas vítimas. O papel de Brady à época foi o de notário: assistiu ao interrogatório da vítima e pôs por escrito o depoimento verbal.
No último dia 1º de maio, a BBC, em um episódio do programa This World intitulado "A vergonha da Igreja Católica", divulgou os apontamentos feitos naquela ocasião pelo futuro cardeal irlandês, revelando que Brady estava ciente dos nomes e dos endereços de outras vítimas do mesmo padre pedófilo, sem tomar quaisquer medidas para protegê-las. O programa da BBC se centrou inteiramente no episódio de 1975 e não citou nenhum caso de comportamento inadequado ou negligente por parte de Brady depois de se tornar bispo e, portanto, assumir uma posição de responsabilidade direta na gestão desses problemas.
O primaz, que ainda em 2010 havia levado em consideração a possibilidade de renunciar, decidindo depois permanecer em seu posto, respondeu afirmando que a BBC exagerou o seu papel no caso, mas também disse estar "profundamente entristecido pelo fato de que pessoas que tinham a autoridade e a responsabilidade para enfrentar de modo adequado o caso de Brendan Smyth não o fizeram, com consequências trágicas e dolorosas para essas crianças que, depois, ele abusou tão cruelmente. Assim como outros – escreveu ainda o arcebispo –, eu me sinto traído por quem tinha a autoridade na Igreja para deter Smyth e não agiu com base nas provas que eu lhes dei. No entanto, aceito o fato de ter feito parte de uma cultura não benéfica de deferência e de silêncio na sociedade e na Igreja, que, felizmente, já é uma lembrança do passado".
O cardeal foi defendido corajosamente, durante um programa de rádio, pelo promotor de Justiça da Congregação para a Doutrina da Fé, Mons. Charles J. Scicluna, o homem que, em nome do Papa Ratzinger, trava a difícil batalha contra a pedofilia clerical. Scicluna reafirmou que Brady desempenhou um papel totalmente secundário e que a responsabilidade pelo que aconteceu recaía sobre aqueles que, à época, eram os superiores do futuro primaz.
Onda de polêmicas
Como era previsível, a onda das polêmicas não tardou em aparecer, e na última quinta-feira, 3, com o envolvimento do mundo político no pedido de demissão do primaz da Irlanda, o caso se tornou internacional: o primeiro-ministro Enda Kenny, falando aos jornalistas, convidou o cardeal Brady a refletir sobre o programa da BBC.
O vice-primeiro-ministro e ministro das Relações Exteriores, Eamon Gilmore, falando na Câmara Baixa do Parlamento irlandês, disse acreditar na separação entre Igreja e Estado, mas acrescentou que as revelações da BBC representaram outro "episódio horrível do fracasso dos responsáveis da Igreja Católica em proteger as crianças". Acrescentando, embora "em título pessoal", que qualquer pessoa que tenha agido dessa forma perante esse tipo de abusos "não deveria ocupar outros cargos". De fato, uma sugestão para que o cardeal peça a sua demissão.
Mensagem semelhante veio do líder do Fianna Fail, o principal partido da oposição, Michael Martin ("Eu acredito que a sua autoridade foi seriamente posta em discussão pelo que aconteceu"); pelo ministro da Educação, Ruairi Quinn, e até mesmo pelo primeiro-ministro da Irlanda do Norte, Martin McGuinness, que declarou – ele também em "título pessoal" – que o cardeal já deveria ter renunciado há dois anos.
Além das decisões que o cardeal Brady irá tomar, e além das intenções daqueles que falaram nas últimas horas, a enxurrada de declarações dos homens do governo, evidentemente com a intenção de se sintonizarem com a opinião pública, poderiam, paradoxalmente, retardar agora a eventual substituição das lideranças católicas do país.
É sabido, de fato, que o Vaticano dificilmente toma decisões na sequência das pressões políticas e daquelas que, nos Sagrados Palácios, são consideradas como "ingerências" na vida da Igreja.
A situação do primaz Brady, homem humilde e estimado pelos outros bispos do país, já era há muito tempo levada em consideração pelas autoridades romanas, depois das alegações feitas contra ele em 2010 e, mais em geral, os sucessivos desdobramentos devidos aos resultados da visita apostólica às dioceses irlandesas.
No Vaticano, estava se começando a avaliar a possibilidade de colocar ao seu lado um bispo coadjutor, que o ajudasse a levar adiante a renovação. E, no pano de fundo, há também o perene problema da reorganização das inúmeras dioceses do país, algumas das quais muito pequenas, e a eventualidade de fundir algumas. Passos que devem ser dados com o tempo necessário, depois da chegada do novo núncio apostólico, Dom Charles Brown.
Clima superaquecido
As demandas dos políticos intervém, portanto, nesse delicado processo, introduzindo um elemento de política internacional. As tensões entre o Vaticano e o governo irlandês haviam atingido o seu ápice no ano passado, com a decisão de Dublin de fechar a sua embaixada junto à Santa Sé. Decisão contestada por muitos na Irlanda, mas com relação a qual o governo não parece intencionado a retroceder.
É preciso também ter em conta esse cenário na hora de enquadrar as declarações dos políticos sobre o caso Brady, até porque, por enquanto, não parece que as autoridades irlandesas estejam intencionadas a abrir novas frentes diplomáticas com a Santa Sé.
A tudo isso se acrescenta o clima já superaquecido das últimas semanas na opinião pública, por causa dos procedimentos tomados pela Congregação para a Doutrina da Fé com relação a alguns sacerdotes irlandeses protagonistas no mundo da mídia, convidados ao silêncio ou a submeter os seus textos e as suas intervenções a um controle preventivo, porque haviam expressado opiniões que não estavam alinhadas ao ensinamento da Igreja sobre ética sexual e sacerdócio feminino.
Os outros bispos, até agora, permaneceram em silêncio, incluindo o arcebispo de Dublin, Diarmuid Martin: ainda falta um mês para o início do 50º Congresso Eucarístico Internacional, que será realizado na capital irlandesa entre os dias 10 e 17 de junho. O tema do Congresso será "A Eucaristia: Comunhão com Cristo e entre nós".
Mas o evento e o tema proposto certamente não estão em primeiro plano nestes dias de polêmica na longa Quaresma da Igreja irlandesa.
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Irlanda é novamente sacudida pelo caso Brady - Instituto Humanitas Unisinos - IHU