Por: Cesar Sanson | 04 Mai 2012
O convênio entre poder público e a CAP/SA – empresa que pertence ao Atlético Paranaense – para a reforma da Arena da Baixada, o estádio do clube que receberá jogos da Copa de 2014 em Curitiba, está sendo contestado pelos movimentos populares. Por esse acordo, parte dos R$ 185 milhões previsto para as obras seria emprestada pelo Estado do Paraná e parte doada pela prefeitura, que concedeu à empresa ligada ao clube 90 milhões de reais em títulos de potencial construtivo.
Através desse instrumento, a CAP/SA pode vender a empreiteiras, imobiliárias, construtoras e quem mais tiver dinheiro para comprar, o direito de construir além dos limites previstos nas leis federais e municipais. Por exemplo: se em determinado bairro, o limite para a construção de um prédio é de três andares, com o uso dos títulos da Outorga ele poderá ter cinco.
Em entrevista ao Pública, 03-05-2012, Julia Franzoni, assessora jurídica da Organização Terra de direitos, e membro do Comitê Popular da Copa de Curitiba, explica os pormenores do acordo, as consequencias que pode trazer para a população e para a cidade, e os motivos que provocaram a nota de repúdio do Comitê Popular da Copa de Curitiba, lançada recentemente.
Eis a entrevista.
Por que o Comitê soltou esta nota de repúdio?
Porque saiu uma matéria no jornal Gazeta do Povo dizendo que a CAP/SA, que é a empresa que está administrando a reforma da Arena da Baixada, solicitou mais 30 milhões de reais do fundo estadual para as obras, além da verba prevista no convênio. E a notícia dizia que o Mário Celso, que é o secretário especial do Estado para assuntos da Copa e que também é do conselho do Atlético Paranaense, da diretoria do clube, manifestou a impossibilidade de pagar estes empréstimos. Inclusive o Tribunal de Contas do Estado suspendeu o repasse de verbas estaduais. Na verdade toda a engenharia prevista neste convênio já vem sendo criticada pelo comitê há algum tempo.
O que há de errado neste convênio? O que é o potencial construtivo que está sendo utilizado como moeda para arrecadar dinheiro para as obras?
Existe no Estatuto da Cidade, que é a lei federal que regulamenta a política urbana, um instrumento que se chama Outorga Onerosa do Direito de Construir, popularmente conhecido como solo criado. Isto também está previsto no plano diretor de Curitiba. É um mecanismo que permite construir acima dos índices previstos na lei de uso e ocupação. Por exemplo: segundo a lei, você pode construir três andares. Se você compra o solo criado junto à prefeitura, você pode construir mais dois. Toda esta operação é regulamentada pela legislação. O Plano Diretor de Curitiba prevê este instrumento e cada operação de compra tem que ser acordada junto ao município. Isso tem que ser visto caso a caso porque depende da infraestrutura que tem cada bairro, cada região. Quando você constrói a mais do que o permitido, você aumenta a demanda por transporte público, água, luz, etc. O que aconteceu no estádio do Atlético foi que a prefeitura doou até 90 milhões em potencial construtivo para ser usado em parte como garantia ao próprio Estado pelo repasse de fundos públicos e também para vender para construtoras, imobiliárias, empreiteiras, etc. fazerem seus empreendimentos.
Então o título é vendido pela CAP/SA a qualquer um?
Sim. A prefeitura fez um convênio junto ao Estado do Paraná e a CAP/SA dizendo que a reforma seria financiada parte por um empréstimo que sairia do fundo estadual e da prefeitura, que cederia até 90 milhões em potencial construtivo. A prefeitura está dando um direito da CAP/SA usar esta ferramenta como forma de ganhar dinheiro, vender no mercado imobiliário. Isso constitui uma espécie de banco do direito de construir. Quem quer construir a mais não vai mais procurar a prefeitura e comprar o direito como está previsto no plano diretor de Curitiba. Pior: ao que tudo indica, o potencial construtivo está sendo negociado sem levar em conta contrapartidas sociais exigidas por lei. Toda operação deve ser seguida desta contrapartida porque quando você cria solo a mais, você aumenta a demanda por infraestrutura urbana. A lei de Curitiba prevê exatamente essa contrapartida que é, por exemplo, investimentos em unidades habitacionais, preservação de patrimônio histórico etc. Essa doação não foi seguida de um estudo de impacto. Onde estes títulos vão ser utilizados? Quais serão os impactos? As contrapartidas que foram previstas no convênio nem podem ser consideradas sociais! Elas vão desde a concessão de camarotes para o governo do Estado do Paraná e para a prefeitura, até intensificar as atividades da escolinha do Atlético Paranaense. Não houve qualquer preocupação com os impactos sociais. Estes estudos já deveriam ter sido feitos no contrato e até hoje nada. Um pouco antes do convênio ser firmado, houve uma audiência pública na qual a sociedade exigia este estudo. E até agora não foi feito.
Vocês já sabem de alguma concessão que já tenha sido vendida?
Não, o que a gente sabe é que parte delas foi usada como garantia para o empréstimo feito pelo Estado. É muito bizarro: O estado do Paraná faz um empréstimo para a empreiteira. A empreiteira dá como garantia o potencial construtivo da prefeitura! O Estado está dando como garantia bens do próprio Estado! Não tem lógica. E você concorda que ceder camarotes no estádio não tem nada a ver com minimizar impactos de obras na cidade? Os riscos graves que nós estamos correndo são: que a CAP/SA constitua um verdadeiro banco de direitos de construir e que a população arque sozinha com as consquências destas construções.
Isto está acontecendo em outras cidades sede da Copa?
Sim. Porque parece que o potencial construtivo é uma fórmula mágica para ganhar dinheiro sem gastar nada. No Rio isto está acontecendo para a revitalização do Porto Maravilha e em Porto Alegre na construção do Estádio do Grêmio. O que a gente está pedindo é que exista este estudo de impacto, que a gente saiba onde este potencial vai ser aplicado, como vai ser utilizado. Já deveria estar estabelecido, está previsto no convênio e não foi feito.
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Os novos donos de Curitiba? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU