30 Abril 2012
O deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) se notabilizou por encarar embates célebres na área da segurança pública. Após presidir a CPI das milícias, ganhou prestígio até no cinema ao inspirar o professor Fraga do "Tropa de Elite", de José Padilha. As brigas que compra lhe renderam o maior aparato de segurança da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. A da vez são as relações da construtora Delta, que está no epicentro da CPI do Cachoeira, no Congresso Nacional, com o poder público no Rio.
A entrevista é de Guilherme Serodio e publicada pelo jornal Valor, 30-04-2012.
Na entrevista, Freixo, que é pré-candidato à prefeitura da capital, revela o resultado de um levantamento que fez nos contratos entre a Delta e o governo estadual. Dos 58 contratos levantados com secretarias do Estado, 30 foram assinados em caráter emergencial. Somados, os contratos sem licitação totalizam R$ 206,8 milhões. A maioria é da Secretaria de Obras.
Eis a entrevista:
Quando a Delta começou a chamar sua atenção?
Fiz no ano passado um requerimento de informação [feito em 22 de junho de 2011 ao governo do Rio sobre os contratos da Delta e do grupo EBX com diversos órgãos do Poder Executivo do Estado]. E até hoje a Assembleia Legislativa não publicou o requerimento. Eu e vários deputados assinamos.
A Assembleia dificultou a investigação?
Vários deputados [sete] assinaram o pedido de esclarecimento sobre todos os contratos. Mas a Assembleia não quis nem publicar. Acho engraçado o governador vir a público dizer que acha ótimo que se investigue e que ele vai nomear um conselho, mas o conselho é feito só por funcionários dele. Por que não publica o nosso requerimento de informação e não responde a gente?
Quantos parlamentares da Assembleia estão na oposição nesse caso da Delta? Há a possibilidade de se instaurar uma CPI?
É muito difícil. O governo tem ampla maioria. Geralmente, dos 70 [deputados] a gente consegue 14 ou 15 votos contra o governo. Então, você tem ali no máximo 20% dos parlamentares contra o governo. Uma CPI sobre isso é muito difícil. Seria fundamental que o Ministério Público e o Poder Judiciário se mexessem na sua função fiscalizadora, mas quando você vê o prédio do Judiciário ser reformado pela Delta, é difícil acreditar. Contratos [da Delta] com as secretarias dão quase R$ 1 bilhão. São R$ 932 milhões. Só com a Cedae até o ano passado eram R$ 627 milhões. Só que a Cedae, como entrou no mercado de ações, foi tirada do Siafem, que é o instrumento de controle. Isso é um absurdo. Os números mostram que a Cedae é campeã de contratos com a Delta. E ainda há a Delta envolvida em consórcios que são o Novo Operação (R$ 377,8 milhões), Acqua-Rio (R$ 104 milhões) e Maracanã (R$ 784,8 milhões).
E na prefeitura?
Na prefeitura a Delta tem também a Transcarioca. Agora, olha quanto dá a Delta só no governo. Está chegando em R$ 3 bilhões. Isso são números de 2012 com os valores da Cedae desatualizados. E há uma quantidade enorme de contratos sem licitação [dos 58 contratos da Delta com as secretarias do governo, 30 foram assinados em caráter emergencial]. Desde a época do Garotinho há contratos. Tem contratos lá de 2001. Alguns são vergonhosos. Tem contrato no valor de R$ 24 milhões que teve R$ 185 milhões em aditivos [o contrato foi firmado com a Cedae]. E a lei diz que aditivos só podem ser de 25% do valor original dos contratos. No governo Garotinho era muito comum haver aditivos. No Cabral, isso muda. O problema na gestão Cabral não são os aditivos, é a dispensa de licitações. Há muitas com a Delta.
Se o Rio foi o Estado onde a Delta começou, por que nunca se investigou a empresa antes?
É curioso porque você vê aquele escândalo do hospital federal da UFRJ [Hospital Universitário Clementino Fraga Filho] que envolveu Locanty, Rufolo, Toesa, aquelas empresas lá. A reação do governo foi "vamos cancelar todos os contratos com eles". Em relação à Delta, o governo tenta dizer que não precisa ter CPI. O governador vai para Brasília, o vice-governador se empenha para tentar não deixar ter CPI. É estranho, muda bastante a postura diante da denúncia. Por quê? Por que o governador não age dizendo "eu vou pegar todos os contratos com a Delta e vou torná-los transparentes para todo mundo olhar"? Eu desafio o governador a fazer isso. Se fizer, não termina em liberdade. É o mínimo que ele tinha que fazer diante de denúncias tão graves de corrupção envolvendo essa empreiteira.
Qual o valor dos contratos com a Delta que estão vigentes?
No governo do Estado a Delta é a empresa que tem o maior número de contratos. Somam R$ 2,8 bilhões. Fora os da prefeitura. Aí o gabinete do [vereador do PSOL] Eliomar Coelho tem bastante informação. Porque é isso mesmo, é um projeto de governo que envolve o PMDB, então você pode ter diferenças de detalhes do governo para a prefeitura, mas a lógica é a mesma.
E há quanto tempo vocês estão em cima dessas relações do governo com a Delta?
Tem muito tempo. A gente tem representação no Ministério Público, tem pedido de investigação, tem milhões de iniciativas. Mas a gente é minoria na Assembleia. Nesses casos, quando mexe diretamente com a estrutura do governo e pode ameaçar o governo há uma blindagem muito forte porque eles são maioria.
Blindagem na própria casa?
Sim. Agora, o Ministério Público tem a função de fiscalizar. Não sei por que até agora não se pronunciou. Pelo contrário, quando se pronuncia é para dizer que arquivou. O Tribunal de Contas também tem funções claras de fiscalização. Nesse ponto acho que esses órgãos têm que se explicar.
O que o senhor sabe das relações do governador com o Fernando Cavendish, dono da Delta?
Se essa cachoeira desembocar no Rio, vai ser difícil o Cabral dizer terra à vista. Eu acho, honestamente, que se a gente tiver uma mínima investigação sobre isso, esse governo não escapa. Porque essas relações pessoais são o primeiro fruto de um governador que não tem a mínima ideia de seu papel republicano. Então, nós temos um problema aí que tem a ver com a figura do próprio governador. Não sabe o seu papel. Fica buscando dizer que não é ilegal quando evidentemente é imoral. Não tem a dimensão do que significa estar no governo do Rio, não tem o preparo para isso. Por outro lado, essa é uma estrutura de corrupção de difícil controle, quando você tem um Ministério Público e um Tribunal de Contas que não fiscalizam e um governador que não vê problema em ir no jatinho de um empresário na festa de outro. Aquele episódio da Bahia só vazou porque acabou lamentavelmente com a morte das pessoas. Ele tinha viajado no avião do Eike Batista, que dá uma declaração à imprensa dizendo emprestar o avião pra quem quiser. Isso é verdade. O problema é o governador aceitar [em 17 de junho um helicóptero que transportava convidados para a festa de aniversário de Fernando Cavendish caiu no sul da Bahia. Entre os sete mortos estava a namorada do filho do governador]. Essas relações são muito ruins para o interesse público.
Como o senhor tem tentado encaminhar uma CPI no Estado?
A gente pode até pedir CPI para marcar posição, mas o governo tem maioria ampla e a gente não consegue instaurá-la. Não é à toa que a Delta é a empresa que mais ganhou dispensa de licitações. Por quê? Eu não tenho a menor dúvida que a Delta faz fora do Rio o que ela aprendeu a fazer aqui. Não venha me dizer que a Delta tem determinadas práticas só fora do Rio, que no Rio ela sempre foi correta se a empresa começou aqui. Ela exportou o que aprendeu no Rio. É óbvio.
Que mudança houve entre os governos Garotinho e Cabral?
Não mudou. Os contratos da Delta são de 2001 e vários dos contratos que começam com o Garotinho continuam recebendo aditivos no governo Cabral. Nos contratos a partir de 2010 vários já aparecem sem licitação. Já é governo Cabral. A Delta se torna uma grande empreiteira nas relações com o governo. Aproximou-se do governo para crescer. Antes era pequena.
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"Delta faz no país o que aprendeu no Rio", diz Marcelo Freixo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU