Por: Cesar Sanson | 17 Abril 2012
"Hoje, novos escravocratas, com voracidade incomum, atentam contra as comunidades indígenas e quilombolas, com ações diretas ou utilizando de trincheiras, assim chamadas legais, para impedir o reconhecimento dos territórios historicamente por elas ocupados''. O texto integra nota da Comissão Pastoral da Terra, 16-04-2012.
Eis a nota.
A Diretoria e Coordenação Nacional da Comissão Past oral da Terra, CPT, às vésperas do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, STF, da Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADI, 3239, proposta pelo partido dos Democratas, contra o Decreto Federal 4887/2003, vem expressar sua profunda preocupação com o que está acontecendo neste país.
Está em curso uma nova caça aos povos indígenas, comunidades quilombolas, e outras comunidades tradicionais, por um contingente expressivo de escravocratas, que lançam seus tentáculos em diferentes espaços do Estado Brasileiro e tem apoio de diferentes órgãos da imprensa nacional.
Como à época do Brasil Colônia, povos indígenas inteiros foram devastados por não quererem se submeter aos ditames dos invasores; à época da escravidão, os senhores de escravos contavam com toda a estrutura do poder público para perseguir e destruir os espaços de liberdade construídos pelos negros, chamados de quilombos, hoje, novos escravocratas, com voracidade incomum, atentam contra as comunidades indígenas e quilombolas, com ações diretas ou utilizando de trincheiras, assim chamadas legais, para impedir o reconhecimento dos territórios historicamente por elas ocupados.
Sucedem-se os ataques diretos às comunidades indígenas e quilombolas. Os dados coligidos pela CPT nos dão conta que em 2011, foram assassinados 4 indígenas e 4 quilombolas, nas disputas territoriais. 82 conflitos por terra envolveram os índios e 100 os quilombolas. 77 quilombolas e 18 indígenas foram ameaçados de morte e 8 indígenas e 3 quilombolas, sofreram tentativas de assassinato.
No plano dito “legal” são muitas as ações que os novos colonizadores e escravocratas movem contra a continuidade dos processos de identificação e titulação das terras indígenas, e dos territórios quilombolas e de outras comunidades tradicionais. Estas encontram fácil acolhida em diversas instâncias do poder Judiciário.
Mas, possivelmente, é na trincheira do Congresso Nacional que os novos colonizadores e escravocratas têm seus mais firmes tentáculos. Há poucos dias a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou a proposta de emenda Constitucional, PEC 215, pela qual os parlamentares querem ter exclusividade na demarcação de terras indígenas, de quilombolas e de unidades de conservação ambiental, retirando esta competência do Executivo. Com isso praticamente fica inviabilizado qualquer reconhecimento de novas áreas. E são inúmeros os projetos de lei que buscam restringir os parcos direitos territoriais dos povos indígenas e das comunidades quilombolas.
O Decreto Federal 4887/2003, assinado pelo ex-presidente Lula que regulamentou o processo de titulação das terras dos remanescentes das comunidades de quilombos criando mecanismos que facilitam o processo de identificação e posterior titulação de comunidades, encontrou no partido dos Democratas (um dos últimos resquícios da sustentação parlamentar da ditadura militar) ferrenha oposição. O Decreto que ratificou o estabelecido no Artigo 68 das Disposições Transitórias da Constituição Federal: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”, foi considerado pelos “democratas” (triste contradição), inconstitucional.
Os novos escravocratas se espalham pelo Congresso Nacional, nos mais diversos partidos, tendo constituído a assim chamada Bancada Ruralista. Esta bancada, segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), é formada por 159 parlamentares, sendo 141 deputados e 18 senadores. Ela lidera as desastrosas mudanças no Código Florestal e em toda a legislação ambiental; desde 2004, praticamente, impede a última votação da PEC 438 que determina o confisco das áreas onde for constatada a exploração de trabalho escravo; e se opõe a qualquer tentativa de reconhecimento dos direitos territoriais dos povos indígenas e das comunidades quilombolas e outras.
A ADI 3239, proposta pelos “democratas” vai a julgamento no STF, nos próximos dias. As comunidades quilombolas que saudaram os pequenos avanços no reconhecimento de sua cidadania e de seus direitos expressos no Decreto Federal 4887/2003, não podem ser defraudadas.
A Comissão Pastoral da Terra espera que os ministros do STF julguem esta ação a partir dos direitos fundamentais da pessoa humana e não se enredem em questões minúsculas de formalidades jurídicas. Está em jogo o direito de populações que historicamente foram discriminadas, massacradas, jogadas à margem da sociedade. É mais que necessário que se garantam os poucos direitos tão duramente conquistados. A CPT quer acreditar que sob a toga dos ministros do STF não se esconde nenhum dos escravocratas atuais.
Goiânia, 16 de abril de 2012.
Dom Enemésio Lazzaris
Presidente da CPT
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Que sob a toga dos ministros do STF não se esconda nenhum escravocrata - Instituto Humanitas Unisinos - IHU