08 Março 2012
A morte do jornalista Vladimir Herzog numa cela do DOI-Codi em São Paulo, em 25 de outubro de 1975, alimentou uma disputa interna de poder na ditadura militar. Documento divulgado anteontem pelo deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) é uma nova peça importante no quebra-cabeça desse caso e serve como mais uma prova de que a famosa foto do jornalista enforcado dentro da cela, divulgada pelos militares, foi manipulada pela ditadura.
A informação é do jornal O Estado de S. Paulo, 08-03-2012.
Uma carta enviada em 23 de janeiro do ano seguinte pelo general Newton Cruz ao general João Figueiredo, chefe dele no Serviço Nacional de Informações (SNI), dá mais detalhes dessa disputa e destaca que um panfleto com uma foto do corpo de Herzog, não divulgada à época pela imprensa, tinha a mesma rubrica usada em manifestos anônimos produzidos contra ele dentro do regime de exceção.
Divulgada na íntegra pelo deputado no site www.leidoshomens.com.br, a carta cita uma foto pouco conhecida do corpo de Herzog com elementos que escancaram a farsa do suicídio. Essa imagem citada por Newton Cruz mostra as barras de ferro da janela da cela em que o corpo de Herzog foi colocado. A extremidade de uma cinta que envolveu o pescoço do jornalista foi amarrada na parte inferior de uma das barras de ferro, a 1,63 metro do piso da cela.
Já na época se questionou que o corpo não estava suspenso: os joelhos estavam dobrados no chão, um dos argumentos que derrubaram em 1975 a versão do suicídio. Mas a foto divulgada naquele ano pelo Instituto de Criminalística não exibia a parte superior das barras, para dificultar a compreensão de que Herzog foi amarrado e não se amarrou.
Um dos casos mais emblemáticos da distensão da ditadura militar, o assassinato de Herzog marcou também o acirramento da disputa de poder entre comandantes da ditadura. Na carta, Newton Cruz aponta que seus "detratores" eram do Centro de Informações do Exército, o antigo CIE, atual CIEX.
Aparentemente, Cruz teria feito comparações entre o panfleto com a foto do jornalista e outros que o difamavam e o chamavam de "traidor e cachaceiro". "Alguns dados interessantes: a fotografia não foi publicada nos jornais", escreveu Newton Cruz a Figueiredo. "Até onde sei, foi difundida pelo CIE, em cópia xérox, para outros centros de informações." "A carta de Newton Cruz para Figueiredo não mostra preocupação com o episódio Herzog. A preocupação é com a luta interna", destaca o deputado Miro Teixeira.
Jornalista
Autor da reportagem, Miro diz estar matando saudade do tempo em que atuou como jornalista. "Temos uma equipe no site que está disposta a fazer muitas reportagens."
Quatro dias antes de a carta ser enviada, o então presidente Ernesto Geisel demitiu o general Ednardo D´Ávila Mello, do comando do 2.º Exército de São Paulo (posteriormente extinto), que respondia pelas dependências do DOI-Codi onde Herzog e um metalúrgico, Manuel Fiel Filho, foram mortos pela repressão.
A carta de Newton Cruz e a fotografia menos conhecida do corpo de Herzog ajudam a reconstituir a cronologia de uma disputa que não parou com a tentativa de golpe dentro das Forças Armadas de um grupo "linha dura" contra Geisel, em 1977, e a indicação de Figueiredo, da turma mais "moderada", para a Presidência, em 1979.
Atentados
A guerra interna ainda produziu uma centena de atentados a bomba por parte de militares radicais contrários à redemocratização.
O caso mais emblemático ocorreu na noite de 30 de abril de 1981 no pavilhão do Riocentro, no Rio de Janeiro, durante um show de MPB em comemoração ao Dia do Trabalho.
Dois militares estavam no estacionamento do pavilhão para instalar bombas, mas uma delas explodiu no colo do sargento Guilherme Ferreira do Rosário, morto dentro do carro em que estava, acompanhado do capitão Wilson Luís Chaves Machado, que sobreviveu.
Jornalista tinha apenas 38 anos
O assassinato do jornalista Vladimir Herzog, à época com 38 anos, no Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna, o DOI-Codi, um centro de tortura em São Paulo, marcou o início do fim da ditadura militar no País.
Diretor de Jornalismo da TV Cultura, e acusado de subversão, ele foi convocado no dia 24 de outubro de 1975 para prestar esclarecimentos na sede do DOI-Codi, na Rua Tutoia, zona sul de São Paulo. Compareceu na manhã do dia seguinte e, no final da tarde, estava morto.
A partir de então, uma campanha internacional foi deflagrada contra o regime militar, que tentou emplacar a versão de que Herzog tinha se suicidado em sua cela. Essa versão foi contestada logo que se divulgou a foto que tentava simular o suicídio.
Uma celebração ecumênica em memória de Herzog, na Catedral da Sé, em São Paulo, reuniu milhares de pessoas. Em outubro de 1978, a Justiça responsabilizou a União pela morte do jornalista. Até hoje não foram divulgados os nomes dos agentes que o torturaram e mataram.
Casado com a publicitária Clarice Herzog, ele teve dois filhos. Trabalhou em veículos como o Estado, a BBC de Londres. a revista Visão e a TV Cultura. Em 2009 foi criado em São Paulo o Instituto Vladimir Herzog, para difundir o trabalho do jornalista e promover ações na área de direitos humanos.
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Foto de Herzog alimentou luta interna - Instituto Humanitas Unisinos - IHU