Por: Jonas | 07 Março 2012
"Ler será possuir uma cópia ilegal no cérebro” , afirma Christopher Kelty, professor da Universidade da Califórnia, em uma reflexão sobre o encerramento da incrível livraria virtual que havia revolucionado o acesso ao conhecimento acadêmico.
A reportagem é de Mariano Blejman e publicada pelo jornal Página/12, 06-03-2012. A tradução é do Cepat.
A história da Library.nu e do recente encerramento do sítio que possuía milhares de livros “on-line”, no dia15 de fevereiro, poderia muito bem ser um romance. Certamente haverá algum sítio que o substitua. Desta vez, a coalizão das editoras ganhou a competição na onda de encerramentos dos sítios de compartilhamento de arquivos, já sofrido pela Megaupload e que pressionou a The Pirate Bay, entre outros. No entanto, diante da ausência de uma substituição considerável, em relação à oferta que havia conquistado a Library.nu, instituições e organizações que lutam pelos direitos dos usuários, professores e intelectuais se perguntam se o dano sobre o acesso à cultura não é maior que o dano ao “direito do autor”. A Library.nu era um problema e também uma grande solução.
Dezessete companhias editoriais se uniram nos Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha para barrar o sítio que tinha uma oferta inabarcável da literatura universal - cerca de 400.000 exemplares - e alguns dizem que poderia chegar a um milhão. Entre as editoras estão a Harper Collins, Oxford University Press e Macmillan. Aconteceu com a Library.nu algo parecido com o que ocorreu com os sítios que indexavam arquivos no Megaupload. Na Library.nu se acumulavam “links para download” de livros, que na verdade estavam armazenados na iFile.it, um serviço de “backup”de arquivos. Conforme informado, o Tribunal alemão recebeu dezessete demandas, em que foram mencionados dez livros de cada editora. As sansões esperadas poderiam chegar aos 250.000 euros e no máximo seis meses de prisão. Embora, em geral, as editoras lidam com o famoso “takedown notice” (algo como “avisamos que você tem que encerrar o sítio ou vamos pegá-lo”), desta vez decidiram juntarem-se diante da impossibilidade de chegarem diretamente ao sítio que comandava os índices dos livros. Os encarregados da tarefa de encontrá-los foram os alemães de Lausen Retchsanwalte, especializados na procura por violações da propriedade intelectual, uma árdua tarefa nos tempos de Internet.
A conexão entre os dois sítios veio após encontrarem uma coincidência entre a Library.nu, aparentemente hospedada na Ucrânia, com endereço legal na ilha Niue do Pacífico, mas em que o endereço de registro de ambos estava na Irlanda. Então, os advogados trabalharam com a Irish National Federation Against Copyright Theft (Federação Nacional Irlandesa contra Roubo de Direitos Autorais) para encontrar conexões até que conseguiram observar que o botão das “Doações” da Library.nu que confirmava a recepção pelo correio eletrônico e o recibo da PayPal chegavam com o nome dos verdadeiros donos da conta: Fidel Núñez e Irina Ivanova, os mesmos donos e diretores da Library.nu eram os da iFile.it.
Para além do desajuste dos criadores, o que questiona Christopher Kelty, professor da Universidade da Califórnia e autor do livro Two Bits: the cultural significance of the Free Software (Dois Bits: o significado cultural do Software livre), é que o sítio tinha principalmente livros escolares, monografias, análises biográficas, manuais técnicos, pesquisas em engenharia, matemática, biologia e ciência, textos com copyright, mas fora do mercado, mal e bem digitalizados, em inglês, francês, espanhol ou russo. Como conta Kelty em seu artigo: “The Disapearing virtual library”, publicado em Al Jazeera, esses “bárbaros que colocaram a indústria editorial de joelhos não eram ninguém menos que estudantes de cada canto do planeta”, desejosos em aprender. Isso é o que milhares de jovens e adultos com ansiedade em aprender fizeram com a Library.nu. Em apenas alguns anos “criaram um mundo de leitura e apostaram no compartilhamento de conteúdos”. Os editores pensam – disse Kelty – que se tratou de uma grande vitória na “guerra contra a pirataria”, que irá melhorar a renda da indústria e lhes oferecerão maior controle, e os “piratas” pensam que simplesmente o conteúdo irá para outro sítio.
Porém, para Kelty a questão está em compreender que a demanda global pela aprendizagem e escolarização não estão sendo levados em conta pela indústria editorial e “não pode ser levada em conta com este modelo de negócio e com estes preços”. A grande classe média global, desejosa em aprender e compartilhar conhecimento, repartida por todos os cantos do planeta, “clama pelo conhecimento” e, desta vez, o argumento contra a Library.nu está ainda mais difícil de se defender: não se trata de entretenimento sonoro ou audiovisual, de jovens fazendo travessuras e copiando discos para que sejam baixados por seus amigos, mas de um extraordinário acesso ao conhecimento.
O que ironicamente disse Kelty, é que o centro da discussão deverá vagar entre a ideia de criminalizar o acesso aos livros “ilegais” em contraposição ao “compartilhamento do conhecimento”. A fúria pela interrupção do acesso ao conhecimento se apoderou das redes sociais, dos blogs, dos “posts” e de milhares de universidades de todo o mundo que haviam encontrado na Library.nu um espaço para terminar com a escassez do acesso ao saber, num mundo em que a indústria editorial segue pensando que o saber ocupa lugar e que é preciso pagar por ele. Como disse magistralmente Kelty, em uma parte de seu artigo, “em breve, ler será possuir uma cópia ilegal de um livro no cérebro”.
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“Ler será possuir uma cópia ilegal no cérebro” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU