09 Fevereiro 2012
A ferida mais profunda foi a infligida pela cúpula da Igreja que não quis ouvi-la, que durante décadas encobriu o padre culpado que havia abusado dela adolescente, que não só violentou o seu corpo, mas, ainda mais, lhe arrancou a vida, a dignidade de pessoa, o gosto pelos afetos e por uma vida normal.
A reportagem é de Roberto Monteforte, publicada no jornal L'Unità, 08-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Marie Collins agora é uma senhora irlandesa de 62 anos. Aos 13 anos, ela foi abusada sexualmente diversas vezes por um sacerdote, o capelão do hospital onde ela estava hospitalizada. Ela foi a primeira a falar no simpósio organizado pela Pontifícia Universidade Gregoriana sobre os abusos cometidos por religiosos contra menores.
Diante dos bispos delegados de 110 conferências episcopais e dos superiores das ordens religiosas que foram a Roma de todo o mundo, ela contou o seu longo calvário de vítima do abuso sofrido e da hierarquia eclesiástica que, durante décadas, se recusou a ouvi-la e a acolher a sua denúncia, a deter o culpado, impedindo-o de fazer mais males.
Ela contou a sua vida com coragem, feita de sofrimentos psicológicos devastadores, de internações no hospital e de terapias para sair do pesadelo do sentimento de culpa. Porque tinham feito com que ela se sentisse culpada.
Ela está tensa enquanto conta a sua história. Ao seu lado, ela tem a psiquiatra e psicoterapeuta Shella Hollins, especialista com uma longa experiência clínica em casos de vítimas de abuso. Em 2011, ela foi "assistente" do cardeal Cormac Murphy-O'Connor, enviado por Bento XVI em sua visita apostólica à Igreja da Irlanda atingida pelos escândalos sexuais.
O seu testemunho é um testemunho entrelaçado. Com a psiquiatra que defende a vítima enquanto relata a sua história e ajuda o auditório a enquadrar o problema. A história de Marie é a dramática história de muitas vítimas. Os bispos ouvem em silêncio e, depois, a portas fechadas, farão perguntas.
Marie esclarece: "Não é suficiente pedir desculpas pelas ações dos padres abusadores". É preciso fazer muito mais. Ter a coragem de reconhecer as suas próprias culpas. Ela, que perdoou seu violentador e que saiu do seu pesadelo quando este confessou as suas culpas, denuncia a responsabilidade de quem se recusou a ouvi-la e preferiu encobrir o padre pedófilo, apesar das indicações da Santa Sé.
Durante anos, eles fizeram com que ela se sentisse responsável e culpada, inimiga da Igreja. Aos 47 anos, quanto encontrou forças para denunciar a violência sofrida, ouviu do arcebispo de Dublin, o cardeal Connell, que esse abuso era "histórico", coisa do passado, que não deveria ser atingida a honra do padre culpado, que assim pôde continuar cometendo outros abusos. Só depois de dez anos ela teve justiça.
"É difícil perdoar"
"Como posso retomar o respeito pelos líderes da minha Igreja? Pedir desculpas pelas ações dos padres abusadores não é suficiente. Deve haver o reconhecimento e a admissão da responsabilidade pelo mal e pela destruição que foi feita na vida das vítimas e das suas famílias por causa eu encobrimento deliberado e por causa da má gestão dos casos por parte dos seus superiores. E antes que eu ou outras vítimas possamos encontrar uma verdadeira paz e cura".
"A tentativa de salvar a instituição do escândalo – conclui Marie – produziu o maior de todos os escândalos, perpetuou o mal dos abusos e destruiu a fé de muitas vítimas". Ela agradece ao Papa Bento XVI, por ter sido o primeiro a ouvir as vítimas.
Se o objetivo da cúpula em curso na Gregoriana é contribuir para a definição das "linhas diretrizes" da Igreja Católica para enfrentar os casos de abuso sexual do clero, as palavras corajosas de Collins e as conferências de especialistas que se seguiram podem ter esclarecido aos bispos o que realmente significa "curar e renovar".
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Pedofilia, a vítima e a Igreja: ''Pedir desculpas não basta'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU