09 Janeiro 2012
O momento crítico pode ser situado nos 12 anos. Cada criança é diferente, mas essa idade costuma marcar um ponto de inflexão. Estão maiores para compartilhar muitas atividades com seus pais e estes têm medo de lhes dar liberdade demais, porque ainda os veem muito crianças. É a entrada na adolescência, na qual acreditam que podem fazer qualquer coisa depois de anos em que quase tudo era proibido. A chave para os pais é encontrar o equilíbrio, mas deveriam ter começado antes de chegar a este momento. Porque muitas crianças de hoje são superprotegidas.
A reportagem é de Pablo Linde, publicada pelo jornal El País e reproduzida pelo Portal Uol, 09-01-2012.
Os pais percebem as ruas como perigosas, cada vez menos crianças brincam nelas sem a supervisão de um adulto, cada vez é mais raro que vão para o colégio sozinhos, algo que algumas décadas atrás era muito frequente. Os shoppings centers se transformaram no refúgio em que deixam seus filhos com tranquilidade, um universo fechado e vigiado que parece fora de riscos. Em parte isso se deve às cidades hostis, pensadas para os carros, pouco amáveis para a infância. Mas também há uma retroalimentação. Inclusive pais que considerariam natural dar mais liberdade aos filhos podem chegar a pensar que fazem algo errado quando os filhos dos outros estão tão protegidos. Sentem culpa por lhes dar uma autonomia que às vezes é muito recomendável, segundo os especialistas consultados. E entram nessa mesma dinâmica.
O pedagogo italiano Francesco Tonucci se empenhou em devolver a cidade às crianças com seu projeto La Città dei Bambini (A Cidade das Crianças). Ele traz alguns dados que marcam seus objetivos: na Inglaterra, por exemplo, 90% dos que tinham entre 6 e 11 anos iam sozinhos à escola nos anos 1960. Essa porcentagem foi se reduzindo paulatinamente e hoje fica ao redor de 5%. "Há uma perda de autonomia quase total", queixa-se. Ele afirma que é preciso reverter essa situação. "Estamos vivendo um paradoxo. Quando eu era pequeno, há 60 anos, não se sabia quase nada das crianças. Era uma temporada de espera. O importante era cuidar deles para que chegassem a ser adultos, que era a idade importante. Nessa situação lhes permitiam muitas coisas. Não se chamavam direitos, mas sim que tinham permissão para viver e usar espaços que os adultos não utilizavam e gozavam do tempo livre necessário para fazê-lo. Brincavam com amigos sem um controle direto.
Hoje a atitude dos adultos tem sido fazer muito mais coisas para as crianças, fechando-as em espaços dedicados a elas que as excluem da vida social. Têm lugares reservados como jardins, quase sempre fechados, com grades para protegê-las, com balanços e tobogãs todos iguais e sempre têm de estar vigiados. No momento em que sabemos quão importante é a infância, que os primeiros anos são fundamentais para o resto da vida, os estamos excluindo; é uma forma de medo em relação à infância porque nos interessa que não estejam no meio das coisas dos maiores", explica.
Outro paradoxo é o de que com mais tecnologia, mais capacidade de controle e de cuidado, com celulares que permitem até localizar os filhos através de GPS, lhes permitem menos capacidade de movimento. Isto pode ocorrer inclusive entre pais que não prestam especial atenção a seus filhos, que não lhes dão cuidado emocional suficiente e limitam sua atenção a controlar seus espaços.
Uma das iniciativas do projeto de Tonucci é fomentar que as crianças vão sozinhas para o colégio. Trata-se de conscientizar todos os moradores de uma área para que tomem partido no trajeto. Que os comerciantes e vizinhos estejam um pouco atentos ao percurso dos escolares para que possam ir à escola sem acompanhamento de um adulto desde os primeiros anos do primário. Que os deixem usar o telefone de seu estabelecimento se precisarem. Há experimentos em vários colégios e todos foram satisfatórios, segundo Tonucci.
Na cidade de Pesaro, na Itália, foi implementado em uma dezena de colégios. São centenas de crianças que durante oito anos não tiveram nenhum acidente. "Nas mesmas circunstâncias, quando eram acompanhadas pelos pais, foram registrados oito, que não são muitos, mas são mais. Alguns progenitores pensam que seus filhos são idiotas, que vão se atirar embaixo de um carro se se descuidarem. Mas eles sabem muito bem cuidar de si mesmos quando têm a oportunidade", afirma o pedagogo. Além disso, segundo sua teoria, devem assumir riscos para sua formação como pessoas. E devem fazer isso sem supervisão adulta.
"Quando estou com meus netos, não permito que façam certas coisas porque fico nervoso e creio que pode lhes acontecer algo, mas sei que têm de experimentar. Para isso é melhor que nem eu nem seus pais estejamos na frente", acrescenta.
O nível de uso da rua, do bairro, também depende do poder aquisitivo, segundo indica Waltraud Müllauer-Seichter, antropóloga social da Uned. "Os que têm níveis de renda mais altos costumam usar menos os espaços próximos. É mais frequente que levem seus filhos para colégios distantes e que desenvolvam seu lazer em lugares diferentes do próprio bairro", diz. Muitos deles, segundo seus estudos, crescem com uma imagem exagerada da hostilidade na cidade que é difícil de reverter. Isto, misturado com a proliferação dos videogames e o aumento do tempo que passam na Internet, dá lugar a costumes sedentários e de pouco contato social.
Um dos problemas que os pais encontram, inclusive os mais inclinados a dar a volta nessas situações, é a rejeição social. Há cinco anos Lenore Skenazy ficou famosa como "a pior mãe da América". Assim foi qualificada por alguns veículos de mídia por deixar que seu filho de 9 anos fosse à escola sozinho pegando o metrô de Nova York. Não era descuido. Foi uma atitude plenamente consciente da mãe, que se rebelou contra a superproteção na infância. Ela chegou a escrever um livro sobre o tema, "Free Range Kids" (Crianças de movimentos livres), no qual argumenta que os níveis de criminalidade na cidade não são maiores que nos anos 60 e que portanto não há motivos para sequestrar crianças em suas casas. "Estatisticamente, um menor deveria passar 750 anos na rua para que seja raptado", argumenta.
O filósofo José Antonio Marina, presidente da Universidade de Pais, tem um ponto de vista um pouco diferente. O lema da instituição é que para educar uma criança não é preciso uma família, mas uma tribo inteira. Por isso também considera muito importante integrar as cidades para que sejam um pouco mais amáveis. Entretanto, Marina considera muito complicado reverter a situação e que as ruas voltem a ser um lugar seguro para as crianças. Segundo ele, "houve um processo de deterioração das urbes, em algumas mais rapidamente que em outras, as maiores primeiro, mas com particularidades em cada caso". "Barcelona não é igual a Madri. Na primeira os bairros foram muito mais protegidos. Santander, que era um lugar excelente para as crianças brincarem, sofreu uma invasão do espaço público pelos carros. Tudo isso é agressivo para a infância", relata.
A solução que ele propõe é habilitar mais espaços para que possam se desenvolver. Um exemplo seria abrir os colégios durante os finais de semana para atividades não acadêmicas. Poderiam ser aproveitadas as quadras esportivas ou as lanchonetes dos colégios para realizar festas ou aniversários. "Precisamos de locais seguros", afirma.
Os grandes shoppings centers se transformaram para muitos pais no lugar ideal. Marina não os vê com maus olhos. "São feitos para que toda a família possa passar uma tarde, mas cada membro dedicado a suas atividades. Isto pode ter êxito porque resolveu o problema de que os pais não sabem o que fazer com os filhos a partir de uma idade, porque não podem estar constantemente a vigiá-los", resume.
Eva Marín Llimerá, diretora do Centro Comercial La Vaguada, em Madri, explica quais são, na sua opinião, as chaves desse fenômeno: "Substituíram a rua porque são um espaço seguro com muito mais oferta concentrada. Tanto crianças como adolescentes podem ir desde os locais de videogames até comer um sanduíche ou ficar sentados no jardim. E na parte infantil os pais podem ficar tranquilos enquanto as crianças ficam na brinquedoteca".
O centro comercial era a atividade preferida de Lidia, filha de Carlos Moreno, um pai divorciado que vê que sua filha está se tornando adolescente. Perto de completar 13 anos, ela pouco viveu na rua, em parte porque seus amigos não eram do mesmo bairro. É algo também cada vez mais frequente. Os colégios que frequentam ficam distantes e os pais têm de levá-los para a casa de amigos para brincar, quando antes a vida era mais concentrada no lugar da cidade onde viviam. Mas Lidia os considera infantis demais para ela. Há algumas semanas pediu a seu pai para dar uma volta pelo centro de sua cidade, Madri. A resposta de Carlos foi negativa. "Se você quisesse ir a algum lugar concreto eu a levaria sem problemas, mas me parece pequena para ficar andando sozinha por aí", justifica.
O salto de viver sob o teto de um shopping center ou da casa de amigos para a rua aconteceria neste caso de uma maneira brusca, sem fases intermediárias. Tonucci proclama o contrário: "A autonomia deve ser um trajeto contínuo que começa com o corte do cordão umbilical e que não pode parar nunca. Cada dia deveria crescer um pouco mais, desde os primeiros meses".
Nuria Thomas, professora e pedagoga de um colégio em Barcelona, há três décadas contempla a passagem de centenas de jovens à adolescência. Nesses anos observou alguns fenômenos: "Os jovens não conhecem a cidade. As famílias cada vez os levam menos para ver os lugares interessantes de onde vivem e descobrem os monumentos conosco, com as excursões do colégio". Com relação à superproteção, também aponta alguns paradoxos: "Eles precisam de autorização para qualquer coisa, inclusive para uma aula de educação física no entorno do colégio. Hoje também estão muito mais regulados o controle de ausências e atrasos. Mas é porque é muito mais frequente que cheguem tarde por ficar adormecidos, por exemplo. E isso é culpa dos pais", assume. Às vezes há uma espécie de esquizofrenia entre a hiper-regulação e o descuido das famílias.
Porque a chegada da adolescência sempre é conflituosa. É preciso estabelecer novas regras e pautas de comportamento que, na opinião do psicopedagogo Pedro Santamaría, têm de ser pactuadas entre filhos e pais. "É preciso tentar que o menor se encontre legitimado em sua nova autonomia, mas com linha de encontro, alguns limites", propõe. Embora queira deixar claro que cada caso específico é diferente de outro, dá alguns exemplos: o ideal seria combinar horários adequados. Um menor de 13 anos, por exemplo, nunca deveria chegar em casa depois de 10 da noite. Isso deveria ser muito meditado, muito falado." O que argumenta é que não se pode passar para um descontrole total na adolescência. Dá o exemplo da vida virtual dos videogames e da Internet: "Esse tipo de relação tão artificial que o adolescente tem com a máquina deve ser tutorado por um adulto". Mais uma vez se propõe ajustar a liberdade do menor para escolher com certa orientação. "Deve haver mecanismos adaptativos à mudança. Temos de nos perguntar como gerar uma consciência em que se possam desenvolver condutas que ajudem esses adolescentes a saber colocar-se em uma vida onde se exige cada vez mais autonomia. Esse é o novo desafio, que eles sejam capazes de dirigir sua própria formação. Mas deve haver alguém que lhes ensine", conclui.
Não há receita ideal, um pai não é melhor que outro por dar mais ou menos liberdade ao filho, mas o que os especialistas recomendam é tentar buscar um equilíbrio entre liberdade e proteção.
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Shoppings center se transformam em refúgio das crianças de hoje - Instituto Humanitas Unisinos - IHU