Por: André | 21 Dezembro 2011
“Se o projeto Opera, dos neutrinos que são mais rápidos que a luz, estiver correto, direi à natureza: ‘valeu, me rendo’, isto é, me retiro”. A afirmação é de um cientista que dedicou toda a sua vida exatamente a extrair da natureza os segredos, e com enorme sucesso à vista de suas fundamentais contribuições para o conhecimento de como funciona o universo na sua escala mais básica, a das partículas elementares. É Sheldon Lee Glashow, 79 anos, norte-americano, Prêmio Nobel de Física em 1979 (compartilhado com Steven Weinberg e Abdus Salam). No congresso de inauguração do Instituto de Física Teórica (UAM-CSIC) e na sua fala na Fundação BBVA se ocupou precisamente dos neutrinos.
A entrevista é de Alicia Rivera e está publicada no jornal espanhol El País, 18-12-2011. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
O que lhe parece o projeto Opera?
Se estivesse correto e os neutrinos fossem 25 partes por milhão mais rápidos que a luz, significaria que quase tudo o que sabemos estaria equivocado, iria pelos ares um século de física. Partimos da base de que a Teoria da Relatividade Especial de Einstein é, ao menos, aproximadamente correta, e se tem alguma lacuna deve ser pequena, porque fizemos muitas provas, em muitas direções e sempre se mostrou correta.
Apenas aproximadamente correta?
Sabemos como se podem administrar pequenas anomalias, pequenos efeitos novos. Há 50 anos, com meu colega Sidney Coleman, em Harvard, jogamos com a ideia de que outra partícula, o próton, pudesse ser mais rápida que o fóton, mais rápida que a luz. Descobrimos que nesse caso não funcionaria um fenômeno bem conhecido da física, o efeito Cherenkov... Os prótons não poderiam ultrapassar a velocidade da luz mais que uma fração mínima, e agora acontece que no Opera dizem que mediram um efeito enorme.
Qual foi sua primeira reação?
Tomei conhecimento na Itália e quando cheguei em casa, em Boston, veio meu colega Andy Cohen e recordamos aquele trabalho de há 50 anos. Ao refazer os cálculos aplicados aos neutrinos comprovamos que, sendo supralumínicos, não poderiam emitir luz como os prótons, mas emitiriam pares de partículas elétron-pósitron, perderiam sua energia e não teriam chegado ao detector Opera. Mais, outros diferentes experimentos observaram milhões de interações de neutrinos nos quais deveria ter aparecido essa emissão de pares elétron-pósitron, mas não aparecem.
Então, para você deve haver um erro no Opera?
Creio que sim. A equipe do Opera é muito competente, muito boa, mas é um projeto muito complicado. Eliminaram uma potencial fonte de erro, com o novo feixe dos neutrinos que parte do Cern, mas ainda tem que revisar questões sobre a medida da distância percorrida e do tempo empregado. Enquanto isso, vai se repetir o experimento nos Estados Unidos, no detector Minos, e os dados estão sendo repassados em um experimento no Japão.
Lembra de alguma situação parecida no passado?
Pode ter havido muitas, mas uma me vem à memória: nos anos 80 o físico espanhol Blas Cabrera, trabalhando em Stanford, anunciou ter detectado um monopolo magnético [uma partícula teórica]. Não houve outro, apesar de que o experimento tenha sido feito com muitíssimo mais precisão, e o erro não encontrado.
Falou-se muito sobre o desafio para a teoria de Einstein caso os resultados do Opera forem corretos.
Mais ainda com a Relatividade... porque indicaria uma falha ainda mais profunda na física que conhecemos. Como lhe digo, caso for assim, me retiro. Não estou preparado para renunciar à conservação de energia e momento. [Glashow para aí, por óbvio que lhe parece, mas talvez convenha esclarecer que está falando dos fundamentos da física: a energia, em qualquer interação, se conserva, isto é, se transforma, mas não se cria nem desaparece; e a conservação do momento é a responsável, por exemplo, pelo retrocesso quando se dispara um canhão.]
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“Se este experimento estiver correto direi à natureza: valeu, me rendo” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU