12 Dezembro 2011
Edilberto Sena, coordenador da Rádio Rural de Santarém, Pará, comenta duas notas publicadas ontem, 11 de dezembro, nas Notícias do Dia, publicadas no sítio do IHU.
Eis o comentário.
Sou leitor habitual deste noticiário que me ajuda a refletir sobre vários assuntos da atualidade. Sou santareno. Aqui nasci, vivi, andei estudando por várias partes do Nordeste brasileiro e exterior. Há 41 anos sou padre, maior parte vividos aqui na região; há 10 anos sou coordenador da Rádio Rural de Santarém, Pará, onde produzo programas radiofônicos, entre outras atividades, como animação de comunidades cristãs e moviemntos sociais.
Todo este currículo não pretende ser esnobação, mas para dizer que o que comento a seguir não é opinião emocional de um ansioso eleitor que deseja dois novos estados, dividindo o atual Pará. Li duas ou três matérias que IHU publicou nesta manhã (11-12-2011), justamente sobre o plebiscito que está ocorrendo no Pará. São precisamente 14:42 horas, portanto o resultado só começará a ser conferio e publicado daqui a 2 horas e 18 minutos.
Comento duas matérias, uma chamada "Sim e não num ponto cego do Brasil" e a outra cujo título é: "Plebiscito no Pará revela dois tipos de separatismo". Ambos apresentam interpretações visíveis de quem pode ser intelectual e estudioso, mas desconhece detalhes importantes de nossa realidade.
Vamos lá:
a) Daniel Bramatt afirma o seguinte: " ...Enquanto Carajás vislumbra um boom de invetimentos em mineração. siderurgia e agronegócio, Tapajós tem como principal aposta de viabilidade econômica repasses de recursos federais".
Tal afirmação é desinformada e desinformadora ao extremo. É como se nossa região fosse sem perspectiva, sem potencial e mesmo sem geração de rendas à nação e ao atual Estado do Pará. Ignora que, apesar de abandonada pelos governantes federais e estaduais, esta região é rica em minérios, produtos da pesca, madeira, produtos da floresta e da agricultura. Só em lavra de minérios há na região grandes empresas estrangeiras explorando bauxita (MRN em Oriximiná e ALCOA em Juruti), ouro no rio Tapajós (Golden e Serabi explorando com equipamentos tecnológicos o ouro abaixo do leito do rio), calcário (fábrica de cimento em Itaituba), fosfato, nióbio, gipsita, manganês, e até urânio. Exploração de madeira (o porto de Santarém por exemplo, tem dois grandes serviços de exportação, madeira e soja; verdade que 90% da soja que passa pelo porto da Cargill vem do Mato Grosso, mesmo assim, na região Oeste do Pará mais de 25.000 hectares de plantação de soja continuam ativos; o rebanho bovino desta região chega a mais de 500.000 cabeças de gado. Como é que se afirma que vamos depender só dos repasses de recursos federais. Se nossa região rende pouco, com tanta riqueza é por causa de uma perversa Lei Kandir, criada por políticos irresponsáveis do sul, com conivência de políticos irresponsáveis do norte e em especial do atual Pará. Com o novo Estado vamos ter que batalhar para mudar essa desigualdade socio econômica. Não somos pobres, somos explorados.
b) A doutora Bertha, que passou alguns momentos na cidade de Santarém, é um estudiosa respeitada no Brasil, mas falou demais sem conhecer detalhes importantes sobre os anseios de emancipação do Oeste do Pará.
Algumas afirmações são corretas, porém chega a afirmações contestáveis. Por exemplo: "...é um sentimento justo, cultural, histórico (de Santarém) que não existe em Carajás. Mas é uma visão muito localizada em Santarém. Não têm noção do que se passa no sul, nas florestas que estão querendo".
Não é verdade que seja um sentimento localizado em Santarém. São 26 municípios, com cerca de 1.2 milhões de habitantes. Nosso sentimento geral nos municípios daqui não é separatismo por despeita, mas por abandono do governo central de Belém e mesmo de Brasília. Somos periferia ignorada, basta ver quanto da arrecadação estadual fica em Belém e arredores e quanto vem para o Sul e Oeste do Estado. Se Santarém não tem sistema de esgotamento sanitário e não tem distribuição de água em toda a cidade (220.000 hatitantes), sendo administrada por uma companhia estadual, (a COSANPA), imagine municípios como Itaituba, Novo Progresso, Faro e outros.
A doutora diz que a solução não é emancipação, mas governança. Nosso problema é que nem antes, nem hoje temos uma governança séria neste Estado. Já passaram partidos diversos pela adminsitração estadual, cada qual o mais desastroso para os e as paraenses e mais ainda para a periferia do Estado. Ela argumenta que criar novos estados não vai mudar. Pode ser, mas queremos ter a oportunidade de construir um novo caminho, criar uma constituição realmente nova, cidadã, lutar por acabar com a famigerada Lei Kandir e politizar igrejas, sindicatos, associações de moradores e comunidades rurais. Isto estamos propondo aos formadores de opinião e por isso vamos lutar, caso o SIM saia positivo. O que precisamos é criar uma nova geração de políticos ficha limpa e competentes nesta região, mesmo sabendo que alguns ficha estão na liderança do plebiscito. Até que o novo Estado do Tapajós seja efetivado sabemos que levará mais 5 ou 10 anos, enfrentando o egoismo dos estados do sul e sudeste.
Uma outra ideia da doutora Bertha, que é também dos contra emancipação, é que os novos estados serão inviáveis e irão consumir enormes recursos do tesouro nacional. Ela chega a dizer que "terá um custo nacional brutal - em vez de um Estado, três. O Ipea já fez esses cáculos".
Olha só doutora Bertha, a senhora se impressiona com os cálculos do Ipea. Chegarão a cerca de 7 bilhões de reais em alguns anos, para instalação das estruturas e até que os novos estados andem com suas pernas. A senhora já perguntou ao pessoal do Ipea se eles já analisaram o brutal custo do tesouro nacional e do BNDES para construção de 12 estádios de futebol, que servirão para a copa de 2014? Sabe a senhora que o cálculo é de 10 bilhões de reais e que depois da copa, alguns deles estarão sem uso? Manaus destruiu um estádio,o Vivaldo Lima, para construir um novinho em folha. Segundo cálculos de estudiosos (não creio que foi do Ipea, mas também sérios) o de Manaus vai levar 198 anos para ter retorno dos gastos atuais. Para estruturar dois novos estados que podem dar um futuro melhor para suas populações e gerar recursos para a nação, ninguém dos contra acha viável, mas construir obras apenas para satisfazer as ordens da Fifa para um campeonato passageiro, ninguém critica, nem acha inviável.
Por isso, registro esses contrapontos a quem faz críticas a nossos anseios, sem levar em conta nossas razões objetivas da necessidade de construirmos nosso destino aqui mais próximo, que Belém e que os políticos atuais não nos oferecem. Se amanhã o SIM vencer, podemos debater mais ideias que ajudem o sonho de vida melhor para 1.2 milhão de moradores do Oeste do Pará. Se vencer o NÃO, nosso atual sofrimento só aumentará, pois do Pará esperamos só mais discriminação.
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"A vitória do 'não' significa mais sofrimento", diz padre - Instituto Humanitas Unisinos - IHU