05 Dezembro 2011
Não é verdade que, no mundo, as relações entre cristãos e muçulmanos estão se deteriorando. mas é preciso redobrar os esforços de diálogo, mesmo com os grupos que consideramos "fanáticos" ou mesmo violentos. Assim é que Rowan Douglas William, 104º arcebispo de Canterbury e primaz anglicano, faz o balanço do diálogo inter-religioso a um mês desde a Jornada de Assis.
A reportagem é de Edward Pentin, publicada no jornal Avvenire, publicação dos bispos italianos, 03-12-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Rowan Williams, diz-se que a ideia da primeira Jornada de Oração pela Paz em Assis (em 1986) veio de um de seus antecessores, Robert Runcie, que a sugeriu ao Papa João Paulo II em uma visita sua a Canterbury, em 1982.
Para ser honesto, eu não sabia que a iniciativa teve origem a partir dessas conversas, mas é muito significativo que os anglicanos tenham tomado parte desde o início.
Que importância devemos reconhecer ao encontro no 25° da primeira Jornada de Assis?
Acredito que ninguém esperava qualquer mudança como resultado direto desse tipo de encontros e penso que isso também vale neste caso. No entanto, não propor iniciativas semelhantes no clima atual seria muito negativo. O importante é a mensagem que passa: "Estamos prontos para nos encontrar, estamos dispostos a trabalhar juntos". É uma daquelas assembleias em que, justamente porque cristãos, judeus e muçulmanos se reúnem, colocam em ato declarações sobre o que eles pensam que pode contribuir com a paz e a reconciliação. Isso terá um impacto sobre a situação, embora não tenha sido diretamente colocado em questão.
O exemplo de São Francisco que encontra o sultão é importante como modelo para ir ao encontro dos muçulmanos?
Esse episódio foi citado por várias pessoas. O secretário-geral do Conselho Ecumênico das Igrejas [o reverendo Olav Fykse Tveit] mencionou isso no seu discurso, por exemplo. E não foi o único. Diversos franciscanos também fizeram referência a isso. É um episódio emblemático, eu diria, de assumir riscos por amor à paz e à reconciliação à qual Francisco e os franciscanos sempre se dedicaram e que deveria estar no coração de todos os cristãos.
O que pode ser feito para garantir que esse tipo de encontros dê frutos? Qual é a melhor forma para que eles tenham um seguimento adequado?
É preciso agir em escala local. Eu acho que é de extrema importância sublinhar o imperativo do agir localmente. Também há documentos publicados recentemente pelo Vaticano, dentre os quais o texto do Conselho Pontifício Justiça e Paz sobre os desafios financeiros do mundo, que salientam a importância de trabalhar juntos e a necessidade de dar um testemunho comum. Mas a ação em nível local continua sendo primordial em todos os casos.
Durante a Jornada de Assis, nasceu alguma nova amizade entre a Comunhão Anglicana e as outras religiões, mas também entre judeus e muçulmanos?
É difícil falar pelos outros. Eu observei as conversas que ocorriam durante as refeições e vi personalidades de perspectivas muito diferentes falando entre si. Foi muito importante que o rabino David Rosen, de Jerusalém, estivesse presente, que, como sempre, foi muito expansivo nas relações interpessoais. No que se refere a mim, acredito ter consolidado um certo número de amizades verdadeiras. Foi um grande privilégio para mim viajar – de trem – até Assis com o patriarca ecumênico Bartolomeu I e alguns outros líderes e poder conversar longamente com eles, falar com o papa no almoço e também trazer à mente todos aqueles vínculos que temos com um bom número de organizações como a Comunidade de Bose e a de Taizé, Santo Egídio e os focolarinos. São todos grupos com os quais tenho boas relações e com os quais me sinto à vontade.
O Santo Padre, em seu discurso em Assis, mencionou o terrorismo e o extremismo. Alguns observaram que deveriam ter participado do encontro aqueles que instrumentalizam a religião para seus próprios interesses políticos. Como podemos ir ao encontro dessas pessoas e trazer a paz?
É preciso encontrar pessoas aos quais eles ouviriam, não digo pessoas que se situem nos dois campos, mas que gozem de credibilidade suficiente para tornar possível algum tipo de comunicação. Existem personalidades desse tipo, e provavelmente a melhor forma de ir ao encontro delas não são os grandes eventos internacionais sobre os quais estão voltados todos os olhares da mídia. Mas penso que a pergunta que todos nós devemos responder é como nós usamos os nossos contatos – cristãos, muçulmanos, hindus e qualquer outro – para criar relações com aqueles que não deveriam ou não seriam convidados e garantir que eles não sejam completamente cortados de outros quadros de referência, sejam eles liberais ou iluminados, fanáticos ou violentos – ou como queiramos defini-los.
Afirmou-se que, desta vez, na Jornada de Assis, os muçulmanos estavam sub-representadas por causa das tensões com o Vaticano sobre a questão dos coptas no Egito e da disputa levantada por al-Azhar no início deste ano.
Eu não tenho certeza de que esse fato tenha a ver com a situação egípcia. Um certo número de importantes muçulmanos deveria ter estado presente e, ao contrário, cancelaram a sua participação no último minuto. Foi uma pena.
Existe a preocupação de que as relações entre cristãos e muçulmanos possam se deteriorar?
Eu não acho que, em nível global, corramos esse risco. Falei com personalidades do dicastério para as relações inter-religiosas para recolher as suas opiniões acerca da passagem em que nos encontramos. Honestamente, eu acredito que estamos no mesmo ponto onde estávamos tempos atrás. Talvez criou-se um pouco de barulho, mas acho que o empenho para construir relações continua muito forte.
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Assis, ponto sem volta. Entrevista com Rowan Williams - Instituto Humanitas Unisinos - IHU