30 Novembro 2011
Os cardeais e bispos da Cúria Romana que presidem os dicastérios romanos receberam uma circular que os lembra da prática referente à publicação dos textos pontifícios: nada pode ser divulgado com a assinatura do papa se, antes, não passar pelo exame da Secretaria de Estado de Bento XVI.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no jornal Vatican Insider, 28-11-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O documento reservado foi publicado pelo sítio www.chiesa.espressoonline.it, o site mantido por Sandro Magister, que, há alguns dias, já havia revelado a sua existência, relacionando-o com a decepção que teria provocado dentro do Vaticano o documento do Conselho Pontifício Justiça e Paz dedicado à crise financeira: nesse texto, pedia-se a instituição de uma autoridade mundial capaz de regular as transações financeiras. A hipótese de que a medida se referia ao documento do Conselho Pontifício – que era assinado pelo cardeal presidente, Peter Kodwo Appiah Turkson e pelo bispo secretário, Mario Bispo Toso – tinha sido posta fortemente em dúvida pelo vaticanista do Catholic News Service John Thavis.
Como Magister também reconhece corretamente, a circular não se refere a esse documento (que, entretanto, provocou discussões dentro da Santa Sé), mas apenas aos textos, mensagens e documentos que são publicados com a assinatura papal. A circular foi enviada pelo arcebispo Angelo Maria Becciu, substituto da Secretaria de Estado, e afirma que, "em caso de publicação de um documento assinado pelo Santo Padre", ele "deve ser enviado, com razoável antecipação com relação à data prevista de divulgação, no original e nas suas eventuais traduções, em formato impresso e em suporte eletrônico, à Secretaria de Estado, a qual, depois de atenta revisão do conteúdo, se ocupará de realizar a sua distribuição aos meios de comunicação social da Santa Sé".
Um procedimento – lê-se ainda na circular – que "tem como fim primário a defesa da integridade do magistério petrino, que poderia ser lesado pela circulação de textos ainda não revisados ou indevidamente divulgados antes da expiração do embargo sobre a sua publicação". A obrigação de submeter à Secretaria de Estado (um órgão que, na reforma desejada por Paulo VI, deveria desenvolver a função de "sala de controle" da cúria e que, ao longo dos anos, assumiu cada vez mais poderes e competências com relação às congregações) não se refere, portanto, aos textos assinados pelos responsáveis pelos dicastérios curiais. Refere-se apenas aos textos de mensagens preparadas em nome do papa pelos vários órgãos do Vaticano.
O que provocou, portanto, a iniciativa de Dom Becciu, que atuou em nome do cardeal secretário de Estado, Tarcisio Bertone, depois de uma reunião de cúpula realizada no dia 4 de novembro? Por que lembrar as "normas vigentes" a toda Cúria Romana? Na origem da circular, como revelado pelo Catholic News Service nos últimos dias, está um mal-entendido que ocorreu no dia 20 de outubro, quando a agência online da Santa Sé, Vatican Information Service (VIS), publicou o texto da mensagem Bento XVI por ocasião do 98º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, com cinco dias de antecedência com relação à data de publicação e de apresentação na Sala de Imprensa do Vaticano.
Incidentes de percurso na era da informação global e da web estão na ordem do dia. Mas não há dúvida de que, mais uma vez, a publicação antecipada em um site ligado à Santa Sé e os resmungos internos por causa de um documento de um Conselho Pontifício, evidenciam do outro lado do Tibre a persistência de problemas de governo ou, pelo menos, de coordenação.
Certamente, a necessidade de um reforço no controle dos textos papais é um dos sintomas do crescimento exponencial de produção de documentos, discursos, mensagens, intervenções que ocorreu nos últimos 40 anos. Cresceram muito os discursos do papa, mas também os discursos, os textos e as instruções dos dicastérios individualmente.
"O Verbo se fez papel" e "Papelorum progressio" são as duas expressões com as quais se ironiza esse crescimento. Uma quantidade de palavras que dificilmente conseguem chegar aos fiéis ou mesmo apenas ao clero e que podem parecer, às vezes, motivadas pela vontade de certificar a utilidade da existência de certos órgão vaticanos: para mostrar que existem, devem produzir textos.
Várias vezes se falou da necessidade de uma reforma da Cúria Romana que esvazie as suas fileiras e a simplifique, deixando talvez somente a preeminência às mensagens papais. Além disso, de muitos lados se ouviram vozes que convidavam a uma maior moderação na produção de textos. Em 1995, o escritor Vittorio Messori tinha chegado a pedir um "ano sabático do silêncio" contra o rio de textos clericais (ou seja, vaticanos e da Conferência Episcopal.
"Se alguém tivesse a paciência de ler tudo o que é publicado – dissera Messori – 24 horas por dia não seriam suficientes. Essa `documentite` provoca efeitos negativos porque aumenta a confusão: o que falta em matéria de fé é justamente a clareza. E os sobreviventes católicos têm a impressão de que a fé católica é algo muito complicado".
E foi o próprio Bento XVI, no voo que o levou de Roma a Benin, que reafirmou que a fé é uma "mensagem simples, profunda, compreensível", e é "importante que o cristianismo não pareça ser um sistema difícil". Os colaboradores do papa na Cúria Romana, se levassem a sério essas palavras de Ratzinger, talvez escreveriam um pouco menos.
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"Mais controle sobre os textos assinados pelo papa" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU