Veterano analista e fundador do centro de pesquisa Diálogo Interamericano, de Washington,
Abraham Lowenthal defende que o governo
Barack Obama foi capaz de mudar as bases da relação entre Washington e a ilha dos irmãos
Castro, aproximando EUA e Cuba "de forma inédita nos últimos 45 anos". No todo, porém, a diplomacia de Obama para a América Latina foi "desapontadora". Esse balanço está no livro Obama e as Américas (Editora FGV), coletânea de textos organizada por
Lowenthal que acaba de sair no Brasil.
A entrevista é de
Roberto Simon e publicada pelo jornal
O Estado de S. Paulo, 16-10-2011.
Eis a entrevista.
A mensagem do livro que o sr. acaba de publicar parece ser a de que, após um início promissor, a diplomacia de Obama para América Latina estagnou. É isso?
O livro é formado por artigos de várias pessoas que não pensam da mesma forma em tudo. Mas elas têm uma mensagem comum: apesar de muitos terem previsto que
Obama não teria tempo para estabelecer uma relação construtiva com a América Latina, em meio a duas guerras e recessão econômica, o começo de seu governo foi muito promissor. O bom início, porém, não teve continuidade. Mostramos como isso foi desapontador e fazemos recomendações para reverter a situação.
Como foi esse "início promissor"?
A
Cúpula das Américas de Trinidad e Tobago, em 2009, foi o grande momento desse bom começo e alguns passos concretos deram continuidade às políticas anunciadas. Obama, por exemplo, permitiu viagens e envio de dinheiro de cubano-americanos a Cuba e enterrou a linguagem da guerra às drogas empregada pelo governo
George W. Bush. Ele foi logo ao México e assumiu a responsabilidade dos americanos no narcotráfico - a questão do consumo de drogas e do tráfico de armas. Esses passos foram muito promissores. Mas, após 18 meses, a política deixou de ter continuidade.
O sr. acredita que Obama tenha sido capaz de realmente aproximar mais EUA e Cuba?
Sem fazer muito barulho, as coisas já estão começando a mudar na relação entre EUA e Cuba. Muito mais tarde do que deveriam, é verdade, mas estão mudando. Por exemplo, diariamente diversos voos diretos saem dos EUA rumo a Cuba - cerca de dez de Miami, mas também de Los Angeles, Nova York e de outras cinco cidades. Os EUA tornaram-se o quinto parceiro comercial da ilha - mesmo com o embargo. As exceções do bloqueio, produtos agrícolas e medicamentos, representam um volume significativo de comércio. Escutei de um comandante militar americano que atuou no socorro ao Haiti sobre como soldados cubanos não tiveram problemas em cooperar com as forças dos EUA. A experiência fez com que ele propusesse a seus superiores exercícios de ação humanitária conjuntos. Sem falar no intercâmbio acadêmico, inédito nos últimos 45 anos. Aqui em Harvard, onde trabalho, divido meu escritório com três colegas - dois deles de Havana.
Por que o silêncio na aproximação?
Porque alguns republicanos no Congresso fariam um escarcéu. Mas a maioria, incluindo o Partido Republicano, reconhece que a relação entre Cuba e os EUA é uma anomalia maluca, anacrônica, e chegou a hora de construir pontes para o futuro.
Vozes republicanas no Congresso têm sido um ruído importante para a diplomacia de Obama na América Latina. Foi esse o caso, por exemplo, na crise hondurenha. Agora que a maioria da Câmara está com a oposição, o que podemos esperar?
Ainda não está claro. Os pré-candidatos republicanos à presidência praticamente não têm discutido política externa. As questões são economia e valores da sociedade. Mas, para os interesses latino-americanos, os republicanos não são necessariamente má notícia. Eles apoiam - mais do que o núcleo do Partido Democrata - as propostas de tratados de livre-comércio com Colômbia e Panamá (aprovados esta semana). E os ataques contra uma nova política de imigração são parte da campanha dos presidenciáveis.
Nos anos 70 o sr. escreveu que os EUA tinham uma "presunção hegemônica" em relação a América Latina. O controle de Washington sobre a região era visto como algo "natural" entre americanos. Com Obama, isso mudou?
Por duas ou três gerações, os formuladores da diplomacia americana e a opinião pública nos EUA viam a América Latina e o Caribe como parte de uma esfera de influência natural. Latino-americanos deveriam ter a mesma visão que Washington. Se outra potência - a Alemanha nazista ou a URSS - criasse uma relação especial com um país da região, os EUA tinham o direito de intervir. Em 1976, defendi que essa "presunção hegemônica" já dava sinais de ser uma posição insustentável. Acho que a retórica e a ação prática de Obama vão na mesma direção daquilo que defendi. Mas há resíduos dessa presunção nos EUA - e isso é parte do problema com Cuba.
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"Em silêncio, EUA e Cuba estão se aproximando" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU