12 Outubro 2011
Surpreendentemente, países como Argentina, Espanha e África do Sul superam os EUA. Em termos de geopolítica e de casamentos gays, nas ex-ditaduras o "sim" é mais fácil.
A reportagem é de Angelo Aquaro, publicada no jornal La Repubblica, 10-10-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Há uma linha que une os mártires da Praça de Maio e os resistente gays de meio mundo? O que liga a África do Sul de Nelson Mandela ao Massachusetts daquele Mitt Romney que visa à Casa Branca? E Barack Obama realmente tem algo a aprender com o ex-primeiro-ministro português José Sócrates? Tudo o que você pensava saber até agora os casamentos gays é falso. Ou pelo menos discutível.
Não é verdade que o fatídico "sim" aos homossexuais é uma meta das nações reconhecidas como socialmente mais avançadas. Ao contrário. A geopolítica dos casamentos gays começa em Lisboa. O primeiro colunista abertamente gay do New York Times – Frank Bruni – foi até lá para descobrir por que esse pequeno país à beira do precipício (também econômico) da Europa conseguiu acertar um alvo até agora difícil para um gigante como os EUA. Onde Barack Obama brinca com os seus apoiadores gays ("Encontrei a líder de vocês: Lady Gaga!"), mas ainda não se pronunciou a favor dos casamentos. Fazendo, assim, com que o país escolha desordenadamente: de Massachusetts, em que se casa por decisão da Suprema Corte (e para a raiva do ex-governador mórmon Romney) até New York, que neste mês celebrou os primeiros 100 dias do "sim" aos gays.
Mas por que Portugal? Lisboa é a última capital a ter aprovado uma lei no ano passado. E, além do mais, é um país católico, que se poderia imaginar a anos luz daquela Holanda que escolheu a tolerância por princípio de Estado: das vitrines já turísticas aos cafés de maconha. E que, pela primeira vez no mundo, instituiu, há dez anos, o casamento gay. Desde então, só nove foram os Estados em que o casamento gay foi admitido. Mas aqui vêm as outras surpresas.
Os países que, como a Holanda, gozam de uma tradição de tolerância são um quarteto: Noruega, Suécia, Islândia e Canadá. Mas e os outros? África do Sul, Espanha, Portugal e Argentina. A explicação é esboçada pelo estudioso Evan Wolfson, do Freedom for Marry. "Trata-se de países onde a democracia e o respeito pela lei foram negados durante anos. E onde a sociedade civil lutou fortemente para reconquistá-los". Da Argentina da ditadura de Videla à Espanha do pós-Franco. Da África do Sul do apartheid ao Portugal livre da Revolução dos Cravos.
Mas não só. O ex-primeiro-ministro português Sócrates reconhece: "A escolha da Espanha foi muito importante para nós". A primavera (já murcha) de Zapatero teria servido como estímulo para o vizinho de península: mas também para a América Latina, que continua olhando com amor e rivalidade para a pátria-mãe. E não é por acaso que o próximo país na lista do reconhecimento ainda é de marca espanhola: o Uruguai.
A hipótese que cruza países saídos da ditadura e direitos gays é cativante. Mas há quem destaque os seus limites. Uma jurista gay e contracorrente, por exemplo, é Katherine M. Franke. A professora leciona na Universidade de Columbia e em seu livro The politics of same sex marriage politics já havia destacado alguns riscos. Além de conquistas civis. Inclinando-se sobre a instituição burguesa do casamento, os homossexuais não só venderiam a sua alma ao diabo do conformismo: mas também sancionaram a enésima desigualdade social. Ou seja, o reconhecimento dos direitos somente sob prévio contrato: eu respeito você como gay – mas se você se casar.
E pensar que as uniões que hoje dividem afundam suas raízes nos séculos. Alan Tullchin é professor da Universidade da Pensilvânia, que encontrou na França de 600 anos atrás aqueles contratos de "fraternização" (com a promessa de compartilhar "un pain, un vin et une bourse"), que serviam para repassar a propriedade em caso de morte do companheiro. Sem falar dos piratas da Ilha da Tartaruga: que se casavam entre si para permitir que os marinheiros – matelot – dividissem os tesouros.
A propósito: exatamente de matelot é que vem aquele mate, que, em inglês, designa o parceiro sexual. Masculino ou feminino: ou ambos.