05 Outubro 2011
De um lado, a percepção da complexidade do universo. De outro, o conhecimento de que as práticas humanas estão esgotando rapidamente os sistemas planetários e levando outras espécies ao sofrimento extremo ou à extinção. Esse é o paradoxo da "maravilha do mundo em face do desperdício do mundo", segundo a teóloga norte-americana Elizabeth A. Johnson, CSJ.
A afirmação faz parte do artigo Perdendo e encontrando a criação na tradição cristã, publicado na edição 57 dos Cadernos Teologia Pública, publicação do Instituto Humanitas Unisinos - IHU que visa a contribuir para a relevância pública da teologia na universidade e na sociedade, em diálogo com as ciências, culturas e religiões de modo interdisciplinar e transdisciplinar.
Professora da Fordham University, de Nova York, Johnson é doutora em teologia pela Catholic University of America. É também religiosa da Congregação de São José. Foi também presidente da Catholic Theological Society of America, a maior e mais antiga associação de teólogos do mundo, e da ecumênica American Theological Society. Além disso, faz parte dos conselhos editoriais de diversas revistas acadêmicas, dentre elas a Theological Studies. Em português, é autora de Aquela que É: O Mistério de Deus no Trabalho Teológico Feminino (Ed. Vozes, 1995), assim como de Nossa Verdadeira Irmã: Teologia de Maria na Comunhão dos Santos (Ed. Loyola, 2003). Também é autora da edição nº 51 dos Cadernos Teologia Pública, intitulado O Deus vivo em perspectiva cósmica.
Em março deste ano, a Comissão de Doutrina da Conferência dos Bispos dos EUA criticou severamente um de seus livros, Quest for the Living God, por supostamente estar marcado por uma série de "equívocos, ambiguidades e erros" e, por isso, não estar "de acordo com o autêntico ensino católico sobre pontos essenciais".
O encontro com a Criação
Em seu artigo para o Cadernos Teologia Pública, Johnson parte da ideia de que, "durante os últimos 500 anos, o valor religioso da Terra não foi um assunto de teologia, pregação ou educação religiosa". Segundo ela, "o mundo natural foi amplamente ignorado como um assunto de formação e educação religiosa, seja catequética ou escolar". Mas nos outros três quartos da história cristã, "a criação esteve ativamente presente como uma parte intrínseca da reflexão teológica".
Nos primeiros 1.500 anos da história cristã, afirma a teóloga, "nas escrituras da tradição judaica, das quais o cristianismo obteve suas primeiras orientações, o mundo natural está intensa e confortavelmente presente". Por outro lado, as escrituras cristãs, centradas na vida em Cristo, trazem à luz temas ricos sobre a relação com a Terra: por exemplo, a encarnação ("onde a Palavra tornou-se carne e, assim, entra na matéria viva deste mundo"); a ressurreição do corpo, ("significando um valor eterno para a carne"); a partilha eucarística ("em que pão e vinho feitos do grão e da uva conduzem o povo reunido em comunhão com o divino")", explica Johnson.
A partir dos primeiros cristãos e dos teólogos medievais – continua Johnson –, a teologia passou a lidar com três grandes áreas: humanidade e o mundo natural, ambos como Criação em relação a Deus. "Deus/mundo/humanidade: formam uma trindade metafísica, por assim dizer. Tire uma e a compreensão das outras duas tornar-se-á incompleta". E essa apreciação do mundo natural no pensamento cristão, afirma Johnson, alcançou seu ápice nos séculos XII e XIII, especialmente com as obras de Hildegarda de Bingen, Boaventura e Tomás de Aquino.
A reviravolta da Reforma
Porém, apesar de toda essa herança, depois da Reforma, "nem os católicos nem a teologia protestante continuaram a incluir a Terra como assunto de interesse", diz a teóloga. "Em vez disso, eles focaram em Deus e no ser humano, deixando o mundo natural de lado", explica. Assim, "o avanço da modernidade viu a criação escapar do ponto de vista de um assunto de reflexão vigorosa e criativa", afirma.
Embora o porquê disso não tenha sido "suficientemente estudado", Johnson apresenta um fator-chave no âmbito político: "a censura do século XVII a Galileu, cuja investigação dos céus desafiou a imagem medieval do universo como geocêntrico, estático e perfeita e hierarquicamente organizado", que levou os teólogos católicos, em sua maioria, a ignorar as questões emergentes de uma visão de mundo heliocêntrica e evolutiva.
No entanto, com o passar do tempo, a partir de algumas aproximações – como a do jesuíta francês Teilhard de Chardin e do Concílio Vaticano II –, Johnson afirma que, tanto na tradição católica quanto na protestante, as pessoas estão cada vez mais conscientes de que a "criação perdida foi um fator contribuinte para um meio de vida social que é violentamente ruinosa para a vida e não pode ser sustentada: o sinal gritante de nossos tempos é um planeta em perigo em nossas mãos".
A partir desse reconhecimento, os teólogos/as "começaram a incorporar o mundo natural como parte ou, mesmo, como o centro de seu trabalho". Esse esforço, afirma a teóloga, é fortalecido pelas teologias da libertação e feminista, que "reforçam os vínculos existentes entre a exploração da Terra e a injustiça entre os próprios seres humanos".
Encontrando a Criação
Hoje, portanto, a teologia se sente novamente desafiada a se aproximar da ciência contemporânea, que "está descobrindo um mundo natural que é surpreendentemente dinâmico, orgânico, auto-organizado, indeterminado, arriscado, sem limites e aberto para o desconhecido". Nesse sentido, Johnson lista e detalha algumas descobertas sobre o mundo em que vivemos: um mundo, em síntese, "inimaginavelmente velho", "incompreensivelmente amplo", "entorpecentemente dinâmico" e "incomensuravelmente orgânico".
Por isso, afirma, "se a natureza for o novo pobre, então a justiça e a compaixão são postas para agir. A solidariedade com as vítimas, a opção pelo pobre e a ação em nome da justiça ampliam-se para adotar os sistemas de vida e as outras espécies para garantir a comunhão vibrante da vida para todos".
A natureza como o novo pobre, para Johnson, não é apenas um slogan, já que "a pobreza econômica coincide com a pobreza ecológica, pois, como as teologias da libertação têm argumentado, o pobre sofre desproporcionalmente a destruição do meio ambiente", e, por outro lado, "em uma perspectiva global, todas essas condições [de degradação e pobreza] resultam de um sistema econômico internacional impulsionado pelo lucro".
Em suma, diz a teóloga, "a injustiça social tem uma face ecológica", que também coincide com a subordinação das mulheres: e, assim, "o sexismo também tem uma face ecológica, e as consequências devastadoras da destruição da Terra não podem ser completamente tratadas até que o sistema patriarcal seja encarado como um todo".
Segundo Johnson, "precisamos entender que a destruição desse vibrante e complexo mundo natural é equivalente a um sacrilégio". E convoca: "Vamos soar os tambores e buscar encontrar a Criação, essa grande aventura religiosa intelectual desta geração, porque é absolutamente uma questão de vida ou morte".
A edição impressa do Cadernos Teologia Pública nº 57 está disponível no IHU e na Livraria Cultural, na Unisinos. Sua versão online, no formato PDF, está disponível gratuitamente aqui.
(Por Moisés Sbardelotto)
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Natureza: o novo pobre? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU