28 Setembro 2011
Após a renúncia da ministra da Defesa, e com um cenário marcado por bloqueios, vigílias e greve de fome, o governo suspendeu a construção de uma estrada que provocou a reação dos povos originários.
A reportagem é de Sebastián Ochoa e está publicada no jornal argentino Página/12, 27-09-2011. A tradução é do Cepat.
Após a repressão policial que desarticulou a Oitava Marcha Indígena no domingo passado, o presidente Evo Morales anunciou a suspensão da construção da estrada que atravessaria um território indígena – que está na origem desta mobilização – enquanto a população não decidir se quer ou não a estrada. Disse que "lamenta e repudia os excessos cometidos na marcha" pelos militares.
A segunda-feira foi um dos dias mais complicados para o aymara desde que assumiu, em 2006, porque depois da intervenção das forças da ordem, dezenas de populações de todo o país reagiram com cortes de estradas, greves por tempo indeterminado, greves de fome e vigílias para apoiar os marchantes e exigir a renúncia de Morales. O conflito provocou uma crise dentro do seu partido, o Movimento Ao Socialismo (MAS). Na segunda-feira, a ministra de Defesa, Cecilia Chacón, e cinco deputados da situação declararam que abandonariam o partido.
Pela manhã, 285 marchantes que haviam sido presos no domingo e que estavam para ser mandados a La Paz em um avião Hércules foram libertados pela população de Rurrenabaque, no departamento de Beni. Na localidade beniana de San Borja, a 40 quilômetros de onde foram "evacuados" – na gíria do Ministério do Governo –, os indígenas se reagrupavam para continuar a marcha rumo a esta cidade para reclamar ao presidente respeito pelos seus direitos e à Constituição. Mas o anúncio de Morales os faria repensar os passos a seguir.
Embora o trabalho da imprensa tenha sido restringido pela polícia, algumas câmaras puderam captar no domingo imagens de indígenas no chão, espancados pelos oficiais antimotins, de outros com as mãos amarradas e até com a boca fechada com fita de empacotamento. Muitos marchantes fugiram para a selva e ainda estão escondidos. Há dezenas de indígenas feridos, com as cabeças machucadas pelos uniformizados. Até a manhã desta segunda-feira, os indígenas tentavam encontrar várias crianças perdidas, que foram separadas de suas famílias no auge da violência estatal, cujos efetivos usaram balas de borracha, além de paus.
"Houve violência e abusos contra os irmãos indígenas que estavam na marcha", reconheceu o presidente à noite em uma coletiva de imprensa.
Na segunda-feira pela manhã, o discurso era outro. "Fez-se a evacuação dos manifestantes para garantir sua segurança física", foram as palavras escolhidas pelo ministro do Governo (Interior), Sacha Llorenti. Garantiu que não houve nenhum morto, enquanto os indígenas e a Igreja boliviana afirmavam que tinha morrido um bebê de três meses em decorrência da inalação de gases. "Vendo alguns relatórios, disseram que morreu um bebê na violência. Até agora, com as informações obtidas na investigação, não se soube desse fato. Espero que não tenha havido esse excesso", disse à noite o presidente aymara.
Há semanas, 500 policiais se encontram na estrada La Paz-Trinidad, na altura de Yucumo, para evitar que os indígenas continuem sua caminhada. Foram enviados ali porque em Yucumo (a cinco quilômetros do local onde a marcha se encontrava) havia um bloqueio de 20 camponeses filiados à Confederação Sindical de Comunidades Interculturais da Bolívia (Cscib), que asseguravam – também – que não iriam permitir a passagem da marcha, porque na relação de 16 demandas dos indígenas havia cinco pontos que os afetavam diretamente, diziam. Segundo os uniformizados, estavam aí para evitar enfrentamentos. No domingo, a polícia levantou o bloqueio dos camponeses, embora com menos violência que aquela utilizada contra os indígenas.
No domingo, após 40 minutos de violência, os policiais embarcaram 285 indígenas em quatro micro-ônibus para deslocá-los a San Borja e dali a La Paz. Mas a população de San Borja, que apóia os marchantes, cortou-lhes a passagem. Então, os ônibus e camionetas retornaram para Yucumo e seguiram até Rurrenabaque. Ali, indígenas do povo Tacana e pessoas do lugar ocuparam a pista de aterrissagem e forçaram os policiais a libertarem os indígenas, muitos dos quais estavam feridos, como Fernando Bargas Mosúa, porta-voz da marcha e presidente da Subcentral de Comunidades do Território Indígena Parque Nacional Isiboro Sécure (Tipnis). Entre os presos estavam os deputados indígenas Pedro Nuni e Bienvenido Zacu. Na segunda-feira, os presos que foram soltos avaliavam como retornariam a San Borja (a 250 quilômetros de La Paz) para juntar-se ao resto da marcha, mas havia o temor de que quisessem prendê-los novamente.
"Assumo esta decisão porque não compartilho da medida de intervenção na marcha que o governo assumiu e não posso defender ou justificar a mesma, enquanto existirem outras alternativas no marco do diálogo, do respeito aos direitos humanos, da não violência e da defesa da Mãe Terra", disse a ex-ministra Chacón em sua carta de despedida.
A oitava marcha começou no dia 15 de agosto passado em Trinidad (capital do Beni) rumo a La Paz. Seriam 600 quilômetros de caminhada para pedir ao governo a não construção de uma estrada que atravessaria o Tipnis, propriedade dos povos Chimán, Mojeño e Yuracaré, além de outras 15 demandas. A marcha é encabeçada pela Confederação de Povos Indígenas da Bolívia (Cidob) e pelo Conamaq. "Enquanto se realiza este debate nacional, e para dar tempo para que os departamentos decidam, fica suspenso o projeto da estrada do Tipnis e seja o próprio povo quem decide e, especialmente, estes dois departamentos", afirmou o presidente. Há meses, garantia que a estrada atravessaria o território indígena "sim ou sim".
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Evo suspendeu a construção da estrada da discórdia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU