10 Setembro 2011
Eles incendiaram igrejas, mataram crianças e, a apenas uma estrada sinuosa de distância daqui, em 1982, os militares guatemaltecos também massacraram centenas de camponeses, após torturarem os velhos e estuprarem as mulheres jovens.
Mas agora, por todas estas terras antes devastadas por uma guerra civil que durou 36 anos, o mais sangrento conflito anticomunista da região, os guatemaltecos estão exigindo o impensável – a volta da força militar às suas comunidades.
A reportagem é de é de Damien Cave, publicada pelo jornal The New York Times e reproduzida pelo portal Uol, 10-09-2011.
Isso mostra o quão desesperado o país se tornou, à medida que gangues e cartéis de drogas mexicanos passaram a febrilmente conquistar territórios e corromper instituições, para que a Guatemala permaneça um paraíso para cocaína, armas, lavagem de dinheiro e novos recrutas.
"Está mais assustador agora do que durante a guerra", disse Josefina Molina, 52 anos, enquanto preparava pamonhas a poucos passos de onde um vizinho foi morto dois dias antes. "Antes, o perigo se limitava às montanhas – agora está em toda parte."
A eleição presidencial de domingo na Guatemala poderá representar um momento de virada. Os três principais candidatos pediram por forças armadas mais fortes, que combatam o crime, seguindo o modelo mexicano de atacar os cartéis das drogas de frente, apesar dessa estratégia ter resultado em mais de 40 mil mortos, sem trazer a paz.
O principal candidato é Otto Pérez Molina, um ex-general cujo símbolo de campanha é um punho de ferro. Reservado e intelectual, ele já comandou tropas durante as piores atrocidades da guerra e também já negociou os acordos de paz de 1996 que a encerraram.
"Ele conhece as estratégias de combate", disse Fabio Dagoberto Miza, um líder de campanha. Mas a principal dúvida é se o próximo governo endurecerá sem violar direitos humanos.
"Para muitos, há uma sensação de que as forças armadas colocarão as coisas em ordem", disse Raquel Zelaya, diretora executiva da Asi Es, um grupo de pesquisa.
Mas, ela e outros acrescentaram, e se esta fé for equivocada? "A noção de que os militares são o "deus ex machina’ que resolverá tudo" não reconhece a possibilidade de que os militares "também podem ser parte do problema", disse Cynthia Arnson, uma especialista do Centro Internacional Woodrow Wilson para Acadêmicos.
Aqui em Cobán, uma cidade produtora de café no verdejante e montanhoso meio do país, a preocupação pode ser ouvida, mas principalmente entre os líderes indígenas mais velhos, que ainda estremecem diante de guatemaltecos fardados e armados. Mas é mais difícil de encontrar nas ruas, onde há um aumento dos assassinatos, ou entre aqueles, como os filhos de Josefina Molina – Cindy, Ericka e Enrique – que não tiveram experiência pessoal com a guerra civil.
Como jovens frustrados da faixa dos 20 anos, eles agora representam a maioria do eleitorado. Mais de 60% dos 7,3 milhões de eleitores registrados da Guatemala têm entre 18 e 30 anos.
Para eles, a guerra que matou cerca de 200 mil civis é uma sombra vaga. A velha disputa ideológica sobre se os insurgentes esquerdistas – enfurecidos por um golpe apoiado pelos Estados Unidos em 1954 – levariam o país ao comunismo não significa nada para eles.
O próprio Exército é uma instituição diferente agora, bem menor, frequentemente responsável por distribuir a ajuda humanitária do governo, e é considerado menos corrupto do que a polícia ou do que os tribunais.
"Os mais velhos acham que com soldados, nós voltaremos ao passado, de volta à guerra", disse Cindy Molina, 29 anos. Mas os militares e Pérez Molina, ela disse, "sabem do que precisamos".
Alguns especialistas acreditam que o ex-general, que também está defendendo programas para combate à pobreza, está se beneficiando do fracasso da Guatemala em confrontar plenamente o seu passado. As escolas carentes de recursos do país não incluem aulas sobre a guerra. O papel de Pérez Molina nunca foi plenamente investigado (ele negou ligações com o massacre) e apesar dos esforços para revelar tanto as lembranças quanto as vítimas, a maioria dos jovens guatemaltecos não tem conhecimento da história de seu país.
Edgar Gutiérrez Girón, um ex-ministro das Relações Exteriores, diz que quando pergunta aos alunos sobre a guerra, "eles acham que estou falando sobre o Iraque".
A experiência deles – a guerra deles – é contra os criminosos. E por todas as classes e idades, o consenso é claro: a Guatemala está perdendo. Cidades próximas da fronteira mexicana e nas rotas das costas, onde costumam chegar a cocaína andina, agora são abertamente controladas pelos cartéis das drogas.
Os aviões usados para transporte de drogas são visíveis em Peten, uma região na fronteira norte onde os tenentes dos cartéis compraram grandes propriedades, que alegam usar para criação de gado, um negócio perfeito para lavagem de dinheiro – o que também explica, dizem os especialistas, o boom repentino na construção de prédios de apartamentos na Cidade da Guatemala.
O dinheiro das drogas também envenenou a política. Vários membros do comando da polícia nacional, incluindo o chefe e vice-chefe, foram afastados em 2009 por seu envolvimento no tráfico de drogas, enquanto o financiamento ilícito deverá tornar a campanha deste ano a mais cara já registrada. Ela deverá custar entre US$ 50 milhões e US$ 70 milhões para cada um dos três principais candidatos presidenciais, segundo a Acción Ciudadana, uma divisão guatemalteca da Transparência Internacional, que monitora os gastos políticos.
O dinheiro das drogas, ele argumentou, flui para quase todos os partidos e candidatos, de modo que aquele que ganhar terá uma dívida para com os criminosos: "É um círculo perverso".
A violência atribuída aos cartéis mexicanos, especialmente aos Zetas, também continua se espalhando: uma cabeça decapitada jogada em frente ao Congresso no ano passado; um massacre de 27 trabalhadores rurais perto da fronteira mexicana em maio, no qual um braço decepado foi usado para escrever uma mensagem em sangue; e então o assassinato e desmembramento do promotor do caso, dois meses depois.
Há soluções óbvias a longo prazo, propostas repetidamente pelos especialistas: reforma da polícia, um sistema judiciário mais forte, com juízes nomeados de modo vitalício e um imposto de segurança sobre os ricos, semelhante ao aprovado pela Colômbia há poucos anos. Já há algum progresso na frente da Justiça.
Mas a paciência está acabando. O principal adversário de Pérez Molina, Manuel Baldizon, um empresário rico concorrendo como populista, prometeu aplicar a pena de morte com mais frequência, possivelmente em público.
O principal desafio para aquele que vencer poderá ser desenvolver a confiança em um Estado descrito pelos guatemaltecos como uma caricatura, um fracasso, uma vergonha ou inexistente. Em Cobán, muitos moradores disseram que qualquer solução tentada pelo governo, incluindo forças armadas mais fortes, nunca aconteceria ou seria impedida pelos ricos ou criminosos.
De fato, a poucos passos da casa Josefina Molina, no velório de seu vizinho, a desconfiança se misturava com as lágrimas. Freddy Colonal de Osorio, 25 anos, disse que após encontrar seu pai morto na semana passada, ele deixou de se importar com que o governo faça – desde que faça algo.
"Há sempre promessas, promessas e promessas", ele disse. "Mas nunca as cumprem."
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Guatemaltecos temerosos se voltam para os militares e para as urnas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU