04 Setembro 2011
Publicamos aqui a nota do arcebispo Diarmuid Martin sobre a resposta da Santa Sé ao governo da Irlanda, referente aos relatórios de abusos sexuais no país.
A nota foi publicada por National Catholic Reporter, 03-09-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A resposta do Vaticano ao governo irlandês é detalhada e abrangente. É séria, sóbria no tom e aborda questões mais amplas da política da Igreja na salvaguarda da criança.
Minha esperança é que ela seja entendida e recebida como tal e não seja uma ocasião apenas para aumentar as polêmicas. As polêmicas realmente fazem muito pouco pela proteção das crianças e pelo apoio aos sobreviventes.
A cooperação honesta entre a Igreja e o Estado nas questões relativas à proteção à criança é particularmente importante neste país onde a Igreja ainda desempenha um importante papel nas comunidades. O papel e responsabilidade principais do Estado em garantir a proteção das crianças devem ser, no entanto, inequivocamente reconhecidos por todos.
Fiquei bastante impressionado, no entanto, lendo a seção da resposta da Santa Sé que aborda a evolução das políticas da Congregação para a Doutrina da Fé nos últimos 10 anos, que em mais de 20 ocasiões esses documentos mencionam a cooperação entre a Igreja e o Estado, e a necessidade de que a Igreja respeite as leis nacionais referentes à denúncia dos casos de abuso.
Gostaria de comentar algumas questões específicas.
Coloca-se muita ênfase sobre uma intervenção do cardeal Darío Castrillón Hoyos em 1997. Gostaria de dizer duas coisas sobre esse documento de 1997:
Efetivamente, se olharmos para ele, a intervenção não impediu, de fato, que os bispos irlandeses, por unanimidade, aprovassem o Documento-Quadro, aplicassem-no e consistentemente desenvolvessem esse quadro dentro das posições atuais da Igreja da Irlanda. Os atuais documentos de Padrões de Orientação têm o total apoio do Papa Bento XVI como foi afirmando em sua Carta aos Católicos Irlandeses e estão descritos no Relatório Cloyne como "padrões elevados que, se aplicados integralmente, assegurariam uma proteção adequada às crianças".
Disse-se que a intervenção do cardeal Castrillón deu a algumas pessoas a oportunidade de deixar de lado o Documento-Quadro. Mas o fato é que essas mesmas pessoas que estavam preparadas para deixar de lado o Documento-Quadro continuaram rejeitando as claras normas aprovadas pelo Papa Bento XVI quando foram publicadas. Eram pessoas que levavam em consideração apenas os seus próprios pontos de vista e não prestariam nenhuma atenção aos documentos de estudo, ao Documento-Quadro ou até mesmo às normas papais aprovadas. Essas pessoas podem ser poucas, mas os danos que causaram foi enorme.
Isso nos leva de volta a um ponto central que está implícito nesta frase do Relatório Cloyne: "Se forem plenamente aplicadas". Mesmo as melhores normas do mundo devem ser acompanhadas por um processo contínuo de monitoramento e revisão independente da prática do dia a dia. Dentro da Igreja Católica, isso está sendo feito pelo Conselho Nacional para a Proteção às Crianças. Suas revisões estão em andamento e serão publicadas. A principal responsabilidade pelo monitoramento das medidas de salvaguarda da criança em qualquer dimensão da sociedade irlandesa pertence – repito – ao Estado.
Um dos pontos-chave da intervenção do Taoiseach [primeiro-ministro] foi a afirmação de que "a Santa Sé tentou frustrar uma investigação em uma república democrática soberana há apenas três anos, e não há três décadas". Não há nenhuma evidência apresentada no Relatório Murphy que comprove isso; a Santa Sé não poderia encontrar nenhuma evidência; e o Departamento do gabinete do Taoiseach disse que o Taoiseach não estava se referindo a nenhum evento específico. Isso merece uma explicação.
Da mesma forma, a Santa Sé rejeita com razão o uso de um texto do cardeal Ratzinger que foi feito em um contexto totalmente diferente e não tinha nenhuma relevância para a questão das políticas públicas.
O documento abordava uma questão que foi discutida ao longo dos últimos anos referente à suposta recusa da Santa Sé de conceder uma "recognitio" ao Documento-Quadro de 1996. A resposta do Vaticano mostra que os bispos irlandeses preferiram não ter tal "recognitio" e nunca iniciaram os procedimentos canônicos que tal "recognitio" exigia.
Para onde vamos a partir daqui? Estamos em um momento crucial com relação ao futuro da proteção à criança na Irlanda. Lendo o relatório do Vaticano sobre a discussão da denúncia obrigatória que ocorreu ao longo de 15 anos atrás, um dos meus medos é que os mesmos elementos que tinham reservas naquele momento, e não apenas na Igreja, podem muito bem reaparecer hoje.
Esse governo é o primeiro governo da história irlandesa que dedicou um ministério inteiro às questões da infância. Isso é um bom presságio para o futuro. Precisamos que esse futuro seja enquadrado dentro de um clima de cooperação em todos os lados.
Já passou o tempo de falar sobre as questões da proteção à criança apenas no tempo futuro. A Irlanda deve aos sobreviventes e às crianças que se faça desta nova conjuntura um verdadeiro ponto de mudança.
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Arcebispo irlandês comenta resposta do Vaticano ao governo da Irlanda - Instituto Humanitas Unisinos - IHU