04 Setembro 2011
O governo e parlamento irlandeses acusaram o Vaticano de ter "contribuído para o enfraquecimento das estruturas de proteção das crianças por parte do Estado e dos bispos irlandeses", intervindo na diocese de Cloyne, no sul do país, e mais em geral em todo o país.
A reportagem é de Gerard O"Connell, publicada no sítio Vatican Insider, 02-09-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A resposta longa e articulada – mais de 15 páginas – foi preparada por mais de um mês e recebeu contribuições de vários escritórios da Cúria Romana, incluindo a Congregação para a Doutrina da Fé e a Secretaria de Estado.
O arcebispo Giuseppe Leanza, núncio na Irlanda, que havia sido chamado a Roma "para consultas" imediatamente depois do ataque do primeiro-ministro contra o Vaticano, também ofereceu a sua contribuição.
Agora ele está novamente em Dublin para entregar a resposta oficial da Santa Sé ao governo irlandês. Provavelmente, será a sua última tarefa como núncio. Ele será transferido em breve para Praga, como núncio da República Tcheca.
O relatório não será divulgado até que tenha sido entregue ao governo. Seu conteúdo ainda não é conhecido, mas algumas fontes relatam que ele especifica e explica com riqueza de detalhes as intervenções do Vaticano na Irlanda nos últimos anos e, mais especificamente, junto à diocese de Cloyne.
As fontes afirmam que, no documento, o Vaticano busca evitar qualquer tipo de polêmica com o governo irlandês e se esforça para criar uma atmosfera positiva em que a Igreja Católica possa atuar em plena cooperação com o Estado para a proteção das crianças em toda a ilha e com os seus 5 milhões de habitantes.
O governo de Dublin pediu uma resposta à Santa Sé depois de um debate no dia 20 de julho no Parlamento irlandês e da publicação, uma semana depois, de um Relatório sobre a Investigação da Comissão do Governo sobre o abuso de menores cometido por padres da diocese de Cloyne.
Nas 421 páginas do Relatório de Cloyne, é revelado que 19 padres abusaram gravemente de 40 crianças entre 1996 e 2009 na diocese liderada pelo bispo John Magee, ex-secretário de três papas: Paulo VI, João Paulo I e João Paulo II. O relatório acusa o bispo de grave negligência por não ter prestado a adequada atenção ao problema dos abusos em sua diocese.
As revelações do relatório criaram consternação e enfureceram os católicos não só na diocese do Sul, mas em todo o país. Católicos que já haviam ficado chocados com as horríveis revelações de outros relatórios semelhantes: Ferns (2005), Ryan (2009) e Murphy (2009). Muitos começaram a acreditar que a própria Igreja estivesse tentando resolver sinceramente esse problema sob a liderança de Bento XVI. O Relatório de Cloyne, ao contrário, destruiu essa confiança e enfureceu muitas pessoas que se sentiram traídas.
Falando durante o debate parlamentar, o primeiro-ministro católico da Irlanda, Enda Kenny, seguindo esse sentimento de raiva e de traição, havia atacado duramente o Vaticano.
O relatório, declarou Kenny, revela "a tentativa da Santa Sé de obstaculizar a investigação em uma república democrática soberana" três anos antes.
O primeiro-ministro irlandês acusou o Vaticano de colocar a reputação da Igreja e dos seus sacerdotes acima do bem estar das crianças, declarando que ela "minimizou o estupro e a tortura de crianças", a fim de "manter elevado o primado da instituição, o seu poder, o seu status e a sua reputação".
Na sua resposta, a Santa Sé deve responder às sérias acusações e também responder ao Parlamento irlandês que, por votação unânime, deplorou "a intervenção do Vaticano, que contribuiu para o enfraquecimento das estruturas de proteção das crianças por parte do Estado e dos bispos irlandeses".
Em relação a essa intervenção, o Relatório de Cloyne acusou o Vaticano de não ter apoiado os bispos irlandeses em 1996, quando eles haviam concordado em seguir as diretrizes e os procedimentos estabelecidos em um documento-quadro para a gestão de casos de abuso e haviam pedido a aprovação de Roma.
A Congregação para o Clero do Vaticano manifestou sérias reservas sobre alguns aspectos do texto e, em particular, sobre algumas cláusulas chave que exigiam a obrigação de denunciar às autoridades civis "todos os casos em que fosse conhecido ou suspeito que um padre ou um membro do clero havia abusado sexualmente de crianças". A objeção se referia à obrigação da denúncia, já que isso "dava lugar a reservas tanto morais, quanto canônicas".
O arcebispo Luciano Storero, núncio na Irlanda nessa época, tinha expressado as suas reservas aos bispos irlandeses no dia 31 de janeiro de 1997. No início desse ano, a televisão irlandesa publicou a sua carta. Aos olhos dos irlandeses, essa a carta lançou sérias dúvidas sobre a boa vontade exibida pelo Vaticano com relação às ações postas em campo para prevenir o abuso de menores no país.
O Relatório de Cloyne julgou essas reações da Congregação do Vaticano como "inúteis" e declarou que "elas deram efetivamente aos bispos irlandeses a liberdade de ignorar os procedimentos que haviam sido acordados".
Espera-se que o Vaticano explique e esclareça essa intervenção em resposta ao governo e que também dê garantias, a pedido do primeiro-ministro, de que a Igreja na Irlanda seguirá a lei do país em todos os aspectos referentes à segurança e ao bem-estar das crianças, incluindo, conforme pediu Kenny, "as obrigações de denunciar às autoridades de Estado todos os casos de abuso suspeitos, sejam eles atuais ou passados".
Espera-se também que o Vaticano, seguindo as suas melhores tradições diplomáticas, forneça uma resposta positiva, respeitosa e significativa para as demandas e as acusações do governo. No entanto, ele certamente se encontra diante de uma subida íngreme para conseguir transmitir a sua mensagem e fazer com que ela seja aceita pela opinião pública irlandesa, especialmente em uma atmosfera em que, hoje, a confiança na Igreja Católica é mínima por causa do escândalo dos abusos perpetrados por padres.
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Confronto Vaticano-Irlanda: a resposta da Santa Sé - Instituto Humanitas Unisinos - IHU