27 Julho 2011
O gelo já é absoluto entre a Irlanda e o Vaticano. Depois do ataque sem precedentes do primeiro-ministro Enda Kenny às mais altas instâncias da Igreja Católica, pronunciado na semana passada no Parlamento, a Santa Sé decidiu chamar urgentemente o núncio apostólico (embaixador do Vaticano), o arcebispo Giuseppe Leanza, para consultas.
A reportagem é de Alessandro Oppes, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 26-07-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Mas o escândalo dos abusos sexuais de menores – que voltou à cena poderosamente com as clamorosas revelações da última investigação detalhada, o Relatório Cloyne – é um tema muito delicado para poder induzir Dublin a recuar. Tanto que, ontem, o governo reagiu rápida e duramente à ameaça de uma crise diplomática: "Ainda estamos aguardando uma resposta do Vaticano às conclusões do relatório. O chamado do núncio é um problema interno seu: esperamos que queiram se consultar profundamente com ele antes de responder", declarou Eamon Gilmore, vice-primeiro-ministro e ministro das Relações Exteriores, em um seco comunicado.
Basta percorrer as 400 páginas do documento, repletas de reconstruções minuciosas dos casos de pedofilia, pelos quais foram responsabilizados 19 sacerdotes da diocese de Cloyne, no condado de Cork, no sul da Irlanda, para se dar conta de que a autodefesa das autoridades eclesiásticas não será fácil nem indolor.
Até porque o relatório, realizado por uma comissão independente desejada pelo governo e presidida pela juíza Yvonne Murphy, denuncia como a Igreja ocultou ou suprimiu sistematicamente qualquer informação sobre os abusos sexuais cometidos pelos padres, dez dos quais já morreram nesse meio tempo, alguns são muito idosos, um só foi condenado, enquanto um outro está atualmente submetido a um julgamento criminal.
Fato ainda mais grave porque, neste último documento, datado de 23 de dezembro de 2010, ao contrário das três investigações anteriores, ordenadas pelo governo de Dublin, faz-se referência a um período – o dos casos denunciados entre 1996 e 2009 – em que existiam, pelo menos em teoria, diretrizes precisas das autoridades eclesiásticas (seja em nível local, quanto por parte da Santa Sé) para que os suspeitos de pedofilia fossem denunciados à polícia. O que, com exceção de um caso isolado, jamais aconteceu na diocese de Cloyne.
E isso provocou, já nos últimos dias, a reação imediata do ministro da Justiça, Alan Shatter, com a promessa de aprovar muito em breve uma nova lei que prevê a detenção para quem esconder as informações de sua posse sobre casos de abusos sexuais de crianças.
No foco da comissão, como não podia deixar de ser, está aquele que, até o ano passado, era o bispo da diocese incriminada. E não se trata de um prelado do interior qualquer: Dom John Magee, antes de retornar em 1987 à sua Irlanda natal, foi secretário pessoal de três pontífices, de Paulo VI a João Paulo II, quando foi posto de lado porque ele não agradava a Dom Stanislaw Dziwisz, desde sempre o colaborador mais próximo do Papa Wojtyla.
O Relatório Cloyne afirma sem meios termos que Magee e os seus colaboradores mais próximos – incluindo o número dois da diocese, Mons. Denis O`Callaghan – não informaram à polícia sobre os abusos dos quais estavam cientes e "bloqueavam" as denúncias que chegavam à sede episcopal. Ao pedido de colaboração da comissão, o núncio apostólico respondeu com um seco "Não posso ajudar nesse assunto".
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A Irlanda investiga, o Vaticano retira o embaixador - Instituto Humanitas Unisinos - IHU