Em mais um fim de tarde quente e seco em Brasília, anoitecia quando
Wagner Rossi entrou no gabinete do vice-presidente
Michel Temer e saiu pouco mais de uma hora depois, na companhia do vice, para entregar a carta de demissão do Ministério da Agricultura. O ambiente era tenso no prédio anexo, mas no Palácio do Planalto nem os assessores mais próximos da presidente
Dilma Rousseff sabiam que
Rossi estava demissionário. Ainda trabalhavam com a informação de que o ministro permaneceria no cargo e já cuidavam do que chamam de "outra fase" do governo, com "o foco" mais centrado na política.
A reportagem é de
Raymundo Costa e
Rosângela Bittar e publicada pelo jornal
Valor, 19-08-2011.
Sem descuidar da questão econômica, o que, no primeiro semestre, impediu que
Dilma desse maior atenção à política. Organizada e disciplinada, a presidente decidiu dedicar-se, de saída, integralmente, a combater a ameaça de retomada da inflação. Esse foi o "foco", para usar a expressão empregada à exaustão entre os assessores mais próximos de
Dilma.
"A presidenta e o governo tiveram um foco muito grande, nesses primeiros meses, para a questão econômica, que era o que estava incomodado", contou ao Valor um integrante do grupo de coordenação do governo. "Como é que você vai deixar o país perder uma conquista? Não dava, né?", concluiu o raciocínio, referindo-se ao fim da superinflação, em 1994, e a consequente estabilidade econômica que se seguiu nos últimos 17 anos, oito dos quais sob a gerência do PT, sem contar os sete meses e meio de Dilma.
Nos corredores do terceiro e quarto andares do Palácio do Planalto, onde se situam os gabinetes de Dilma e dos "ministros da casa", há uma convicção: isso teve um preço: a insatisfação da chamada base parlamentar do governo no Congresso, faminta por cargos e pela liberação de emendas ao
Orçamento da União. Uma boa notícia aos congressistas: nesta "outra fase" o volume de liberação da verba destinada às emendas vai no mínimo dobrar do que está prometido: R$ 1 bilhão. Mas certamente não alcançará a média histórica de R$ 5 bilhões a R$ 6 bilhões.
A avaliação do núcleo de poder palaciano é que a "presidenta" e o governo fizeram a aposta certa. Os cortes orçamentário de mais de R$ 50 bilhões alimentaram e podem mesmo ser considerados origem da insatisfação da base de sustentação do governo no Congresso. Mas o superávit primário que o governo conseguiu fazer "é que segurou a peteca", segundo um auxiliar que despacha diariamente com
Dilma, num dos primeiros compromissos matinais da presidente da República.
Foram medidas muito duras tomadas na economia. A política fiscal como instrumento de combate à inflação teve consequência na vida de todos. "Na vida do governo e nas nossas políticas, e teve consequência também no Congresso, que tem emendas e pleitos interferindo nas questões orçamentárias e de recursos", avalia-se entre ministros de
Dilma. Prefeitos também ficaram com menos recursos.
Interlocutor diário da presidente faz o balanço: "Nós ficamos, nos primeiros seis meses, numa dificuldade muito grande de fazer pagamentos (muitos já compromissados, como os chamados restos a pagar do Orçamento), justos e legítimos, como as emendas parlamentares, as liberações para os municípios. Mas não havia outro jeito".
Na ótica palaciana foram os cortes no Orçamento que geraram o descontentamento no Congresso, que passou o semestre em clima de crise mas aprovou o que realmente interessava ao governo. O risco inflacionário está sob controle, no entendimento do governo, mas a presidente continua atenta à crise nos EUA e Europa. Lê tudo o que lhe cai nas mãos e acompanha com atenção jornais especializados como o "
Financial Times". "Mas de maneira mais tranquila porque a gente passou o período mais difícil - claro que tem a crise internacional, portanto o governo também não relaxa, mas agora é uma outra fase", testemunha um assessor da presidente.
A interlocução política, em consequência, foi menor porque a energia da presidente e do governo estava "focada" na economia. Mas no governo não se admite que Dilma está inaugurando "uma nova fase", de maneira alguma se trata de "uma nova Dilma" como afirmam políticos e jornalistas. Trata-se apenas de "um novo foco do governo". Nos gabinetes dilmistas, argumenta-se que as pessoas "fazem conceitos e querem que o conceituado se molde ao conceito feito" e isso não é possível. Dilma foi candidata a presidente da República, quando se dizia que ela era um poste e não tinha cintura política, e se elegeu. "Tem muita disciplina, tem muita responsabilidade", avalia uma amiga da presidente.
Agora, portanto, tem apenas uma "outra fase". Algo que deve ser encarado naturalmente vindo de uma pessoa "extremamente organizada e de uma clareza muito grande na análise das coisas, o que precisa ser conduzido", como disse um ministro em conversa com o Valor. "Uma fase que é de aproximação, da discussão, da interlocução com a política, sem descuidar da questão econômica".
Na verdade,
Dilma entrou nessa "outra fase" unindo as duas pontas: nas conversas que teve com os partidos e sindicalistas, nos últimos dias, a presidente fez advertências recorrentes à crise mundial e exigiu de todos responsabilidade nos gastos. A presidente está particularmente agastada com a nova reivindicação de aumento salarial do Judiciário. É consenso no governo que esse é o tipo de aumento que leva a reajustes em cascata em todas as esferas de poder. É pouco provável que a presidente faça uma reunião com os chefes do Judiciário, como fez com os partidos e está fazendo com as centrais sindicais. Mas deve conversar com os juízes. Resumo da ópera feito por uma voz autorizada: a presidente quer fazer um "pacto republicano em favor do país".
É assim que ela deve também conduzir a interlocução com o Congresso. No Palácio do Planalto se considera uma avaliação pragmática que não há crise com a base aliada e que o
PMDB é governo, tem o vice-presidente da República. E que nem o
Partido da República (PR) quer sair do governo, como anunciam alguns de seus líderes. O ex-ministro
Alfredo Nascimento saiu do Ministério dos Transportes, mas as bancadas mantêm indicações na maquina governamental. O movimento para o desembarque do PR estaria assim reduzido a duas ou três pessoas, se tanto.
As crises que levaram a presidente a perder quatro ministros em menos de oito meses de governo seriam outra demonstração do modo Dilma de ser presidente. Todos tiveram o mesmo tratamento, inclusive o ex-ministro
Antonio Palocci, que tentava reconstruir sua carreira política na Casa Civil quando foi abatido pela revelação de que fizera consultorias milionárias quando era deputado federal e integrante da cúpula do comitê de campanha eleitoral da presidente.
Primeiro, a presidente encarrega o ministro enredado numa denúncia a tomar as atitudes necessárias. Isso foi feito com
Palocci quando a presidente pediu que ele explicasse publicamente como ganhou tanto dinheiro fazendo consultoria. Quando a revista "Veja" publicou que os contratos do Ministério dos Transportes estavam sendo usados para engordar o caixa do PR, a primeira declaração da presidente foi de apoio ao ministro. Mas no palácio recém reformado ninguém duvida do que houve: Alfredo Nascimento não aguentou o tranco.
O ministro ainda permaneceu uma semana no governo, não fez nada para sanear a Pasta e mandou uma carta de demissão, após esse período. O fato, segundo apurou o Valor no PR, é que o partido loteara o ministério por alas que já não se comunicavam.
Nascimento, por exemplo, não tinha como demitir o chefe do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) sem brigar com o senador
Blairo Maggi (MT), outro expoente da sigla.
O caso de
Wagner Rossi talvez tenha sido diferente porque o PMDB fechou e deu sustentação ao ministro da Agricultura. Do ponto de vista do Palácio do Planalto, ele também estava tomando providências com as quais
Dilma estava se declarando satisfeita. Tanto que lamentou o pedido de demissão do auxiliar, carta recebida no anoitecer da quarta-feira já referida, logo depois que ela voltou da Marcha das Margaridas, manifestação contra a violência a trabalhadoras rurais. É possível que a presidente não esperasse pela demissão do ministro, naquele entardecer, quase noite. Mas sem dúvida estava com a cabeça na crise do ministério: ao falar às "Margaridas", Dilma referiu-se ao governador de Brasília,
Agnelo Queiróz (PT), como "Agnelo Rossi".
O procedimento é o mesmo em relação ao ministro
Pedro Novais (Turismo), também do PMDB e sob o fogo cruzado de denúncias de corrupção em seu ministério. Além disso, no Palácio do Planalto costuma-se atenuar o que é dito sobre Novais com o argumento de que ele é "cristão novo", chegou agora e, a bem da verdade, nada tem a ver com as acusações feitas, até agora. Se pode ser acusado de alguma coisa é de "omissão", pois, de fato, teve conhecimento das denúncias. Coisa de um mês antes. Mas por outro lado estava tomando providências junto com a ministra
Gleisi Hoffmann (Casa Civil). Vários convênios foram cancelados e portarias editadas para melhorar a gestão.
Curioso: além de comentários e informações recebidas (mas não investigadas e comprovadas), o governo não tem um sistema de informação que o leve a se antecipar às denúncias como aquelas feitas aos ministros dos Transportes, da Agricultura e, agora, do Turismo. Mas no núcleo do governo acompanha-se muito de perto os trabalhos da Controladoria Geral da União. A Polícia Federal não antecipa suas operações. Dilma e seus auxiliares dizem que é melhor que seja assim, "porque nós passamos muito tempo nesse país com o poder de polícia acoplado à política. E nós sabemos o que aconteceu", explicou um auxiliar.
O que a presidente condena são os "excessos" da PF, como exibir presos algemados para as câmaras de TV. E há quem ache que, em situações politicamente sensíveis como a "Operação Voucher", que prendeu o secretário-executivo de um ministério, talvez o ministro da Justiça deva ser avisado 24 horas antes. O ministro
José Eduardo Cardozo (Justiça), a qual a PF está subordinada, só ficou sabendo da "Voucher" no momento em que ela estava sendo realizada e nada soube informar à presidente, àquela altura às voltas com a ira dos partidos e sem maiores informações. Essa é a verdade dos fatos, de acordo com a versão palaciana que os partidos têm dificuldade para engolir.
Após sete meses e meio, o governo Dilma tenta lidar com naturalidade com a palavra reeleição. Ninguém comenta uma declaração do ministro
Paulo Bernardo, segundo a qual o ex-presidente Lula e Dilma, em algum momento, discutirão quem será o candidato. O comentário retirou o caráter automático do pleito à reeleição para quem está no cargo. "A reeleição é absolutamente natural para nós, ponto", é o mantra já entoado, com outras palavras, pela própria
Dilma Rousseff.
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Foco de Dilma passa a ser a política - Instituto Humanitas Unisinos - IHU