04 Agosto 2011
Centenas de indignados marcham pelo centro da capital após o bloqueio policial da praça. A expulsão foi uma decisão conjunta entre o Ministério do Interior e o Ajuntamento de Madri.
A reportagem é de F. J. Barroso e M. Hervás D. Nelson e está publicada no jornal espanhol El País, 03-08-2011. A tradução é do Cepat.
Ao amanhecer, com a cidade meio parada – mas cheia de turistas – devido ao início das férias de agosto e a duas semanas da visita do Papa, um batalhão de policiais do Ministério do Interior e do Ajuntamento de Madri desalojou, na quarta-feira, em ação conjunta os últimos 20 acampados da Puerta del Sol, que diziam manter o testemunho do Movimento 15M, embora o grosso desse grupo tenha deixado o acampamento em junho. Horas depois, para evitar novas concentrações, a Delegação do Governo ordenou o fechamento total do acesso à praça madrilense, fechou a estação de metrô e proximidades – uma decisão, esta última, insólita desde que nasceu o 15M – e proibiu a entrada de jornalistas e pedestres, indignados ou não.
Mas, mal recuperada a praça pelos agentes, as redes sociais começaram a se encher de mensagens que convidavam para dar um "passeio" pela Puerta del Sol para protestar contra o desalojamento. Os policiais permaneceram na praça e nos arredores durante todo o dia.
As medidas de controle reavivaram o movimento e deram novo fôlego aos manifestantes, que decidiram diversificar os protestos. Enquanto alguns se mantinham diante do cordão de isolamento, milhares de pessoas marchavam pelo centro de Madri para retornar novamente às imediações do quilômetro zero ao grito de "É isso que acontece por nos expulsar da praça". Alguns gritavam aos antidistúrbios entrincheirados na Puerta del Sol: "Larguem as armas, vocês estão cercados!".
O incidente mais relevante aconteceu na rua Montera, depois que a Puerta del Sol foi isolada. A polícia desalojou um grupo de 30 pessoas que estava sentado e os tirou do interior do cordão de isolamento. As medidas de pressão foram aumentando e os agentes ativaram uma dupla barreira em toda a praça. As Forças de Segurança não deixavam ninguém entrar e era possível contar 50 furgões espalhados nos acessos e na zona central da praça central de Madri.
Pelas 23h, houve novamente alguns momentos de grande tensão, coincidindo com a volta dos manifestantes ao quilômetro zero. A polícia foi para cima de alguns manifestantes que queriam acessar a praça por uma das ruas.
Enquanto isso, os indignados de Barcelona não ficaram de braços cruzados. Após os desalojamentos de Madri, decidiram concentrar-se na Praça Catalunha, onde pretendiam passar a noite, em protesto pela ação das Forças de Segurança. Também em Valência, outro grupo, se reuniu na praça do Ajuntamento com o mesmo propósito.
O desalojamento e isolamento da Puerta del Sol pôs fim a 79 dias de acampamento no coração de Madri, um protesto cidadão pacífico que surgiu em 15 de maio passado em plena campanha eleitoral municipal e que se estendeu por toda a Espanha. Segundo a polícia, os últimos de Puerta del Sol eram em sua maioria indigentes e os protestos haviam degenerado em uma ocupação da via pública sem mais sentido.
Esta situação era vivida desde o dia 12 de junho, quando o núcleo do coletivo – na Puerta del Sol chegaram a se concentrar 25.000 pessoas nos dias mais vibrantes de maio – decidiu terminar com o acampamento e continuar os protestos com iniciativas novas em bairros e cidades, desligando-se dos que optaram por permanecer.
Governo e Ajuntamento esperaram até o dia 2 de agosto para desalojá-los. Com eles se vai também o ponto de informação que o 15M havia deixado na praça. Na mesma operação foram expulsas as 50 pessoas que acamparam uma semana atrás no passeio do Prado.
"Acordem. Vocês têm cinco segundos para recolher tudo". Às 6h15, um dispositivo de 300 agentes – 200 do Corpo Nacional da Polícia e 100 da Polícia Municipal – entrou na Puerta del Sol e no passeio do Prado. A decisão de intervir foi tomada na véspera "em comum acordo" pela equipe do ministro do Ministério do Interior, Antonio Camacho, e a do prefeito da capital, Alberto Ruiz-Gallardón, segundo fontes de ambos os Governos. As duas Administrações (federal e municipal) têm competências para desalojar, e podiam tê-lo feito desde o primeiro momento: a Polícia Nacional, porque se tratava de uma concentração não autorizada de mais de 19 pessoas (o mínimo exigido pela lei); a Polícia Municipal, porque os acampados estavam ocupando uma via pública sem as devidas autorizações. Ao final, decidiram fazer a operação de forma conjunta.
"Fizemo-lo de forma muito prudente e proporcional, não queríamos gerar um mal maior. A operação foi muito boa e não houve tumultos, que era o que procurávamos", destacaram fontes da Delegação do Governo. "A verdade é que os rapazes não ofereceram nenhuma resistência. Estavam muito cansados e alguns quase davam graças pelo fato de serem desalojados. É muito duro passar tanto tempo nestas condições", assinalou uma liderança da polícia.
Alguns concentrados não viveram o momento tão tranquilamente: garantem que nem deixaram pegar seus apetrechos e que na operação foi destruída uma exposição com cerca de cem fotos e seis faixas que seriam transladadas em breve a um centro okupado. "Nós estávamos decididos a levar a enfermaria e a cozinha hoje mesmo, mas não nos deram tempo. Entraram com as máquinas e tiraram tudo o que tínhamos", protestava Juan.
Os policiais tomaram os dados de todos os desalojados para enviá-los ao juiz, em caso de este os solicitar, ou à Delegacia do Governo, em caso de denúncia. Depois, trabalhadores do Serviço de Limpeza Urgente do Ajuntamento deixaram a zona impoluta em questão de três horas (recolheram mais de 25 toneladas de resíduos). A Puerta del Sol retomava assim, depois de três meses, o seu aspecto original, que um forte dispersão policial tratou de manter durante todo o dia.
Os lemas e os protestos
– "Eles não nos representam!". Os indignados reclamam o controle do absenteísmo dos políticos, a supressão de seus privilégios nas pensões, a eliminação de sua imunidade, a não prescrição dos crimes de corrupção, a publicação obrigatória de seu patrimônio e a redução dos cargos de confiança.
– "Estas são as chaves da casa de meu pai!". O Movimento 15M reclama a expropriação das moradias não ocupadas e locá-las em um regime protegido. Exige ajudas à locação para jovens e pessoas sem recursos e que se permita a doação em pagamento das habitações para liquidar as hipotecas.
– "Os banqueiros, usurários!". Pedem a proibição do resgate dos bancos. Que quebrem ou que sejam nacionalizados aqueles que estiverem em dificuldades. Elevação de impostos aos bancos por sua má gestão da crise. Sanções à especulação. Devolução de todo o capital público aportado.
– "Chamam-na de democracia, mas não é". Reforma da Lei Eleitoral para adotar um sistema mais proporcional. Referendos para questões de grande importância. Mecanismos que garantam a democracia interna nos partidos políticos.
Primavera no quilômetro zero
Foi uma viagem de 79 dias com origem e final na Puerta del Sol de Madri. Cenário de concentrações multitudinárias, assembleias e debates. Berço de um movimento cidadão, o chamado 15M, que se estendeu em maio por toda a Espanha e hoje continua vivo nos bairros. O quilômetro zero trocou de pele há quase três meses e recuperou na quarta-feira, com o desalojamento policial, seu rosto. Nas redes sociais prometem voltar.
– 15 de maio. Nasce o Movimento 15M. O coletivo Democracia Real Já! reúne milhares de pessoas em várias praças da Espanha, irrompendo em plena campanha das eleições municipais. Em Madri, os protestos acabam em tumulto e 24 presos. Nessa mesma noite, cerca de trinta pessoas acampam em Puerta del Sol. E assim nasceu o movimento 15M.
– 16 de maio. Primeira assembleia. Os acampados fazem sua primeira assembleia. Não pedem o voto para ninguém. No dia seguinte, 18 dos presos prestam declaração; ao sair dos julgamentos agridem a imprensa. Na noite do dia 17, os acampados já são mais de 200. De madrugada, a polícia os desaloja sem incidentes.
– 18 de maio. Os acampados permanecem. O acampamento se instala novamente em Puerta del Sol sem que ninguém o impeça. É o ponto de não retorno. A Comissão Eleitoral de Madri proíbe as concentrações, mas milhares de pessoas desafiam a decisão e abarrotam a praça. Os improvisados grupos de trabalho dos primeiros dias se transformam em oito comissões.
– 19 de maio. A Comissão Eleitoral intervém. A Comissão Eleitoral da Espanha proíbe a manifestação de 21 de maio, jornada de reflexão. O movimento segue com suas assembleias alheio ao debate. No dia 20 de maio, a mecha pega fogo em Barcelona, Bilbao, Valência e Sevilha, e em outros países, onde se montam acampamentos similares.
– 21 de maio. Jornada de reflexão. Milhares de pessoas participam da "reflexão coletiva" antes das eleições do dia seguinte. À meia-noite, Puerta del Sol está absolutamente tomada: mais de 25.000 pessoas abarrotam a praça, coração da capital.
– 22 de maio. "Eles não nos representam". A assembleia aprova prolongar o acampamento para "no mínimo mais uma semana". O acampamento parece viver alheio à jornada eleitoral. Muitos concentrados anunciam que exercerão seu direito ao voto apesar de suas críticas aos partidos. O lema fundacional do movimento é: "Eles não nos representam". Não há menção à vitória do PP ou à derrota socialista nessa jornada.
– 24 de maio. A queixa dos comerciantes. O acampamento completa 10 dias. Os comerciantes da zona se queixam da queda nas vendas e pedem o fim da ocupação.
– 27 de maio. Carga policial em Barcelona. Os Mossos entram no Acampamento de Barcelona. Os enfrentamentos causam 121 feridos. A Comunidade de Madri pede ao Ministério do Interior que desaloje Puerta del Sol.
– 28 de maio. A dispersão pelos bairros. As assembleias se deslocam pela primeira vez para 41 bairros da capital e 80 municípios da região. Convocam reuniões semanais e publicam as atas em um blog (madrid.tomalosbarrios.net).
– 7 de junho. Acabou a unanimidade. A assembleia de Puerta del Sol decide levantar acampamento no dia 12 de junho. A unanimidade, que se havia defendido até esse momento como um dos principais valores do movimento, se rompe: uma minoria se empenha em permanecer em Puerta del Sol contra a vontade da maioria.
– 8 de junho. Em frente ao Congresso. Aos gritos de "ou passamos ou acampamos", cerca de mil indignados se concentram em frente à Câmara dos Deputados. No dia 11, protestos em frente aos Ajuntamentos na posse dos prefeitos.
– 12 de junho. Operação Patena. Sob este lema os acampados de Puerta del Sol arrumam a praça, apoiados pelos serviços de limpeza do Ajuntamento. Permanecem no local um ponto permanente de informação e cerca de 20 pessoas que não acatam a decisão majoritária.
– 15 de junho. Violência em Barcelona. Centenas de pessoas impedem o acesso dos deputados do Parlamento catalão. Artur Mas e vários deputados chegam de helicóptero.
– 19 de junho. As manifestações. Milhares de pessoas tomam as ruas em 98 manifestações convocadas em todo o mundo. Em Madri, protestos contra o Pacto do Euro.
– 29 de junho. O outro debate. Enquanto no Congresso acontece o debate do Estado do país, os concentrados convocam uma assembleia popular paralela: "O debate do povo".
– 23 de julho. Marchas em toda a Espanha. Chegam a Madri mais de 500 pessoas que durante um mês percorreram a pé toda a Espanha. Puerta del Sol volta a se encher com uma multitudinária assembleia. Monta-se um novo acampamento no passeio do Prado.
– 24 de julho. "Já não te quero". Mais de 35.000 pessoas participam de uma manifestação "contra o sistema", animados pelo lema: "Não é uma crise, já não te quero".
– 25 de julho. Um Nobel no Retiro. O Prêmio Nobel Joseph Stiglitz vai, para surpresa de todos, a uma das assembleias do 15M em Madri no Parque do Retiro e os encoraja a continuar.
– 27 de julho. Desalojamento fracassado. A polícia tenta, em vão, desalojar os acampados do passeio do Prado. Os indignados conseguem burlar a barreira policial e entregam no Congresso dos Deputados um documento com as reivindicações recolhidas durante as marchas em sua passagem por mais de 300 povoados.
– 02 de agosto. A polícia desaloja os últimos acampados do passeio do Prado e de Puerta del Sol.
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O desalojamento de Sol reaviva os protestos do 15M - Instituto Humanitas Unisinos - IHU