29 Julho 2011
“A cúpula global sobre desenvolvimento sustentável convocada pela ONU não dará conta do recado, mesmo que ultrapasse o estigma de mera "Rio+20". Até poderá catalisar o incipiente processo de ruptura com o crescimento econômico marrom, mas não desencadeará aquilo que boa parte do establishment já começa a chamar de crescimento verde, em vez de usar o eufemismo ‘economia verde’”. A afirmação é de José Eli da Veiga, professor da pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP) e do mestrado profissional em sustentabilidade do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 30-07-2011.
Eis o artigo.
A cúpula global sobre desenvolvimento sustentável convocada pela ONU não dará conta do recado, mesmo que ultrapasse o estigma de mera "Rio+20". Até poderá catalisar o incipiente processo de ruptura com o crescimento econômico marrom, mas não desencadeará aquilo que boa parte do establishment já começa a chamar de crescimento verde, em vez de usar o eufemismo "economia verde".
Bastam duas razões umbilicalmente ligadas para justificar tal ceticismo. A conferência não terá mandato para mexer no arcabouço institucional que enquadra o enfrentamento da questão climática.
Pior: a comunidade internacional está muito longe de assumir que só haverá sustentabilidade socioambiental com drástica redução das desigualdades.
As mudanças que um dia poderão libertar as matrizes energéticas da predominância fóssil não foram impulsionadas pela Convenção do Clima (1992) e seu Protocolo de Kyoto (de 1997, em vigor desde 2005, com dezesseis conferências das partes). Ao contrário, nas últimas décadas houve desaceleração da transição tecnológica inaugurada pelas crises do petróleo dos anos 1970, como mostra o recente "World Economic and Social Survey 2011".
Essa publicação anual do departamento de assuntos econômicos e sociais da ONU -desta vez intitulada "The Great Green Technological Transformation" (GGTT) - alerta que será impossível atingir nos próximos 40 anos o grau de descarbonização sonhado pelos compromissos de Cancún.
O GGTT também revelou que o desenvolvimento humano de qualquer país deixa de avançar a partir de um patamar de consumo energético equivalente a 2 toneladas de petróleo per capita (110 gigajoules).
Em decorrência, chega mesmo a discutir a proposta de adoção de tetos ("caps") para o uso de energia nos países mais ricos, o que seria extremamente benéfico para o mundo inteiro.
Reduzir ou contigenciar o setor energético das nações mais avançadas não levaria necessariamente a uma menor expansão ou estabilidade de seus sistemas econômicos.
Mas está justamente nesse tipo de "decrescimento seletivo" o cerne da tese de que a vanguarda do Primeiro Mundo já deve dar início às mudanças que a conduzirão à "prosperidade sem crescimento".
Claro, nessa questão o GGTT opta pela mais realista das prudências.
Lembra apenas que não se percebe qualquer propensão a encarar as necessárias "grandes transformações estruturais das economias e das sociedades".
Isto é, as transformações globais e nacionais de caráter redistributivo que nenhum setor da ONU, da OCDE, do FMI ou do Bird ousaria sugerir ou aconselhar.
Afinal, esse é o maior tabu nas relações internacionais, apesar das evidências de que as desigualdades atrofiam o bem-estar. Não apenas dos mais pobres, mas de todos, os ricos inclusive, como tão bem ressaltou André Lara Resende no "Valor" de 28/1/2011.
Em suma, o mundo está num duplo impasse. O fatalismo de que as desigualdades são ossos demasiadamente duros para que possam ser roídos se combina à angústia de não se conseguir avançar na mitigação do efeito estufa.
Como a Rio+20 não serve para desentravar a imprescindível transição energética, dela só se pode esperar uma linda resolução sobre a tão ilusória quanto cômoda bandeira da "economia verde".
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Rio+20. Duplo impasse - Instituto Humanitas Unisinos - IHU