27 Julho 2011
Nenhuma das soluções econômicas e financeiras propostas até agora por Estados Unidos e Europa seriam capazes de evitar uma nova crise, afirma o ex-ministro da Fazenda e ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Rubens Ricupero. Em entrevista a Dayanne Sousa do Terra Magazine, 27-07-2011, ele comenta as negociações pelo aumento do teto da dívida americana e a situação de países como a Grécia e a Espanha.
Eis a entrevista.
Barack Obama fez um discurso chamando a atenção dos americanos para a questão da dívida americana. Foi um alerta? Como o senhor avalia essa negociação?
Eu acho que ele está procurando, com muito cuidado, fazer com que a população responsabilize os republicanos por essa atitude de intransigência. E há um precedente. Na época do presidente Clinton, os republicanos conquistaram maioria no Congresso e o obrigaram a paralisar o governo. A discussão era sobre o orçamento, obrigaram Clinton a demitir funcionários públicos. Mas Clinton soube, politicamente, instrumentalizar o caso e isso se voltou contra os republicanos. Penso que Obama está tentando fazer o mesmo, mas os dias que ele tem pela frente são poucos.
Interessante o senhor falar em precedentes, porque a maior parte dos analistas econômicos considera que seria impossível que os republicanos não terminem concordando com o aumento do teto da dívida, uma vez que isso causaria uma crise profunda...
Mas isso se baseia na ideia de que o ser humano é sempre racional. Se isso fosse verdade, nunca teria havido a nem a primeira nem a segunda Guerra Mundial. A história está cheia de episódios que, pela racionalidade, não teriam acontecido. O que eu posso dizer é que não é provável. Mas não é impossível.
O Brasil, em sua história, já conheceu esse dilema de falar em corte de gastos. Agora, é o mundo desenvolvido que passa pelo mesmo?
O caso do Brasil é diferente. Aqui, mesmo a ideia de corte de gastos tem sido apresentada num momento em que esse corte é razoável. Se recomenda corte porque a economia está se aquecendo demais. Lá é ao contrário. É muito irracional. O país ainda não saiu da crise, tem mais de 9% de desempregados. Este não é o momento de falar em equilibrar o orçamento. A melhor maneira é com crescimento econômico. Querer cortar na hora em que a economia está caindo, está praticamente prostrada, é uma coisa irracional.
Mas fato de que agora são EUA e Europa que lidam com o risco de um calote não indica que há alguma coisa estranha no sistema financeiro?
É verdade que estes países estão no meio de uma crise, mas não chegaram nunca a mudar o sistema que provocou essa crise. Estão todos esperando voltar a situação como era antes. Acontece que a situação como era antes é que provocou isso. As reformas que foram feitas até agora foram muito pequenas. Nenhuma delas, a longo prazo, evitaria uma repetição desse fenômeno.
A crise econômica nos EUA e na Europa está alimentando discursos reacionários, como o do atirador que assumiu a responsabilidade pelos ataques na Noruega?
Não tem a ver com a situação econômica, porque a Noruega não foi tocada pela crise. Os noruegueses são conhecidos como "os árabes de olhos azuis", porque a Noruega é uma grande produtora de petróleo e tem uma renda altíssima. Se isso acontecesse na Grécia, você poderia dizer que é um exemplo da crise. Mas eu não acho que o problema econômico seja um fator fundamental, esse fenômeno já vinha se manifestando muito antes. Em alguns países, a crise alimenta esse fenômeno. Mas ele tem origem mesmo na reação de populações tradicionalmente homogêneas e que de repente passam a conviver com a imigração, com a diversidade de raça e religião.
O que ocorreu na Noruega é um caso excepcional ou revela uma tendência de radicalização na Europa?
É uma manifestação particularmente doentia de uma tendência que vem se generalizando no continente europeu, com expressões mais perigosas em alguns países. E é surpreendente que aconteça em alguns países que sempre foram reconhecidos pela tolerância. A Holanda, a Dinamarca, a Noruega e a Finlândia sempre foram países muito progressistas e isso mudou radicalmente. Essa premissa hoje vale para a Alemanha, a França, Itália e países do Leste Europeu. Há um certo denominador comum: todas essas tendências são xenófobas e têm uma conotação racista.
Os interlocutores desse discurso xenófobo não são apenas pessoas como esse atirador. Há partidos e movimentos organizados. Esses movimentos não estimulam a violência? Como coibí-la, então?
É complicado. Esses movimentos e partidos não são todos iguais. Alguns até tem representação nos parlamentos. A Liga Norte italiana, embora seja contra imigrantes, tem a bandeira do federalismo. Na Bélgica, o Bloco Flamenco é um partido separatista. Nestes países, o tema nacional é que predomina. Mas o que se encontra em todos os países, inclusive na Inglaterra, é a reação contra a imigração. Acho que a forma de lidar com isso é agir como fez o primeiro ministro da Noruega, Jens Stoltenberg, que declarou que esse tipo de reação não vai derrubar a democracia. É preciso usar as armas democráticas.
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EUA e Europa não mudam sistema que levou à crise, afirma Ricupero - Instituto Humanitas Unisinos - IHU