01 Julho 2011
Uma conversa com o monsenhor Mark Langham, do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, sobre as questões em aberto entre as duas Igrejas.
A reportagem é de Alessandro Speciale, publicada no sítio Vatican Insider, 29-06-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
São duas horas da manhã do dia 19 de outubro de 2009, quando o telefone do cardeal Walter Kasper, então presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos – o "ministro" vaticano para o diálogo com as outras Igrejas cristãs – começa a tocar. Do outro lado da linha está o arcebispo de Canterbury, Rowan Williams, primaz da Igreja Anglicana da Inglaterra e primus inter pares no variado mundo do anglicanismo mundial.
Williams pediu explicações sobre a Constituição Apostólica Anglicanorum coetibus, um documento vaticano preparado em grande segredo e anunciado a surpresa no dia seguinte: permite que os anglicanos passem "para Roma" em bloco, como comunidade, e não com conversões individuais. Eles poderão manter suas tradições e identidade, por meio da criação de "Ordinariatos", uma espécie de diocese sem um território definido, que reúnem os ex-anglicanos.
Um ano e meio depois da publicação da Anglicanorum coetibus e a poucos meses do nascimento dos primeiro Ordinariato, na Inglaterra, o Vatican Insider examinou as relações entre católicos e anglicanos com o monsenhor Mark Langham, que acompanha o dossiê junto ao Pontifício Conselho para a Unidade dos Cristãos.
Acima de tudo, esclarece monsenhor Langham, "os Ordinariatos não são uma tarefa deste escritório. Nós nos ocupamos do ecumenismo. E, como disse o Vaticano II, o caminho do ecumenismo é diferente do da conversão". "Mas obviamente – acrescenta – a mensagem ecumênica mudou muito com a `Anglicanorum coetibus`.
A medida vaticana, fortemente desejada pelo Papa Bento XVI, deixou uma marca profunda no interior do mundo anglicano: "Há um problema de confiança para conosco", diz ele. Para muitos, a Constituição Apostólica é "uma forma de colonização, de imperialismo" por parte de Roma.
A Comunhão Anglicana, em nível mundial, está há anos dividida entre aquelas Igrejas – como a norte-americana – que permite a ordenação de homens abertamente gays e aquelas Igrejas que, ao contrário, com relação à homossexualidade, têm posições muito mais semelhantes às católicas. Além disso, algumas Igrejas locais, como a inglesa liderada pelo primaz Williams, estão divididas sobre a possibilidade de permitir que as mulheres – as quais há décadas já está aberto o caminho para a ordenação sacerdotal – se tornem bispas.
Quando foi anunciada a medida vaticana, muitos "daqueles que saíram trabalhavam para encontrar um modo de ficar na Igreja Anglicana", apesar da sua discordância, e a busca de uma solução havia avançado muito. "O Ordinariato – diz Langham – veio como uma bomba e estragou todo esse projeto. Foi difícil para eles, uma grande tristeza".
O próprio diálogo anglicano paga hoje as consequências por isso: os anglicanos, "para quem são importantes as relações com Roma e a proximidade com Roma, passaram para a Igreja Católica" e hoje, "dentro do anglicanismo, não existe mais esse impulso ao diálogo" .
"Antes do Concílio Vaticano II – diz Langham com uma pitada de ironia –, o ecumenismo era dizer aos anglicanos que se convertessem, e há quem diga que esse também é o `novo` ecumenismo. Mas o papa disse claramente que (a Anglicanorum Coetibus) não é uma forma de ecumenismo, mas sim uma resposta pastoral a uma situação muito particular".
Um outro obstáculo, confessa o ecumenista vaticano, é a beatificação do convertido do anglicanismo John Henry Newman, celebrada pelo Papa Ratzinger durante a sua viagem à Inglaterra em setembro passado: "É um pouco problemática. Para os anglicanos, esse não é o melhor exemplo possível das relações entre as duas Igrejas".
Para monsenhor Langham, à luz dessas dificuldades, é importante continuar o diálogo teológico estável com os anglicanos, iniciado há décadas. A Arcic – esse é o nome do processo – recém começou a sua terceira fase: "É um discurso muito importante, alternativo ao dos Ordinariatos". Neste campo, depois da "Anglicanorum coetibus", "demos um passo atrás, mas de aprofundamento", para "entender melhor o que temos em comum".
Os Ordinariatos, acrescenta, são portanto "muito importantes": o inglês já conta com cerca de 100 padres e 1.000 fiéis, e os pedidos são muito mais. Muitos, explica Langham, estão esperando para ver como se resolverá o debate dentro da Igreja Anglicana inglesa. Nos Estados Unidos, o nascimento está previsto para antes do final do ano e são esperados cerca de 200 clérigos e 2.000 leigos.
Mas mesmo entre os católicos não faltam os "problemas", e provavelmente só será possível resolvê-los com o tempo. "Entre os católicos, há muitas perguntas", conta monsenhor Langham. "Quem são esses sacerdotes? São católicos ou anglicanos? Onde vivem?".
Celibato
E, naturalmente, há a questão do celibato. Muitos padres anglicanos que entraram no Ordinariato são casados e têm filhos. A autoridade vaticana recorre a um exemplo pessoal: "No meu nono ano de ordenação, éramos em nove: quatro renunciaram ao sacerdócio para se casar. Vendo isso e vendo que existe a possibilidade para outros de se casarem e serem padres católicos, o que eles pensarão? É uma coisa muito difícil".
Certamente, esclarece, essa situação dos padres casados do Ordinariato é "uma exceção, uma resposta a uma situação muito particular, não é um novo modo de ser católico, mas ainda há muitas questões em aberto. Talvez, devêssemos esperar e ver como as coisas continuam. Será interessante".
Para monsenhor Langham, o nascimento dos Ordinariatos também estimulou uma reflexão nova sobre o que significa verdadeiramente ser "anglicano", especialmente na Inglaterra. Ali, ao contrário dos EUA, a maioria dos anglicanos que passaram para Roma já são muito semelhantes aos católicos romanos em termos de teologia, liturgia e sacramentos.
"Se depois da primeira geração, não puderem se casar – questiona-se o Pe. Langham –, em que consistirá o Ordinariato? Não se sabe". A Congregação para a Doutrina da Fé já disse que o Ordinário poderia "durar ou ser um modo temporário para entrar no corpo da Igreja Católica". "Isso também – conclui – não se sabe".
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O difícil diálogo entre católicos e anglicanos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU