16 Junho 2011
Uma grande catástrofe humanitária está se desdobrando no Estado produtor de petróleo do sul Sudão, Kordofan do Sul. Segundo as autoridades eclesiais e humanitárias, cerca de 300.000 pessoas estão nessa armadilha, sem acesso à ajuda humanitária e incapazes de fugir dos combates entre as forças do governo sudanês e os membros do Exército Popular de Libertação do Sudão - EPLS, o ex-grupo rebelde baseado no sul do Sudão.
A reportagem é de Chris Herlinger, publicada no sítio National Catholic Reporter, 13-06-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nos últimos dias, houve crescentes relatos de civis que fogem para as montanhas de Nuba, no Kordofan do Sul, onde as autoridades do Conselho de Igrejas do Sudão dizem que os civis estão sendo, de acordo com uma fonte, "caçados como animais por helicópteros armados".
Entre os visados, estão o clero e os trabalhadores humanitários, incluindo católicos romanos, que têm sido proeminentes nos trabalhos junto à sociedade civil, na educação dos eleitores e na prestação de ajuda de emergência e de desenvolvimento.
Um trabalhador humanitário com longa experiência no Sudão foi informado sobre "dois assassinatos verificadamente extrajudiciais, deliberados e dirigidos" de membros da Igreja da região de Nuba, no Kordofan do Sul.
Na sexta-feira, 10 de junho, a Casa Branca emitiu uma declaração condenando os "atos de violência no Kordofan do Sul que têm como alvo indivíduos com base em sua etnia e filiação política".
"O governo do Sudão deve evitar uma maior escalada dessa crise, cessando imediatamente a sua busca de uma solução militar para desarmar o Exército Popular de Libertação do Sudão no Kordofan do Sul e dissolvendo as Unidades Integradas Conjuntas estabelecidas no âmbito do Acordo de Paz Global", disse o porta-voz da Casa Branca, Jay Carney.
"Relatos de serviços de segurança e de forças militares que detêm e executam sumariamente autoridades locais, rivais políticos, equipes médicas e outros são condenáveis e podem constituir crimes de guerra ou crimes contra a humanidade".
O Sudão do Sul deve se tornar uma nação independente em no dia 9 de julho, após o referendo do dia 9 de janeiro em que os sudaneses do sul votaram em grande maioria pela independência do norte do Sudão. Um pacto de paz de 2005, conhecido como o Acordo de Paz Global, declarou que o Kordofan do Sul não se pode juntar ao Sudão do Sul e permanecerá sob o controle do norte administrado por Khartoum.
Um funcionário humanitário descreveu a atual crise como uma tentativa de Khartoum de "mudar os fatos em campo" antes da esperada declaração de independência do dia 9 de julho.
As forças de segurança do governo estão supostamente usando civis como alvos, incluindo mulheres e crianças, devido à sua etnia, disse John Ashworth, conselheiro do Fórum Ecumênico do Sudão, uma aliança de Igrejas que promove a construção da paz no Sudão desde 1994.
Ashworth, com sede em Juba, no Sudão do Sul, disse ao NCR que as pessoas estão fugindo para a cidade governamental de El Obeid, fora da zona de combate, mas estão ainda sendo alvo se forem Nuba, um grupo étnico sudanês de vários povos. "Muitos outros fugiram para as montanhas, onde se sentem seguros entre as tropas do EPLS, mesmo sendo bombardeados e enfrentando grandes dificuldades", disse ele.
As autoridades da Igreja estão pedindo esforços internacionais para deter o que eles temem ser a repetição de atrocidades prévias, na década de 1990, em Nuba, e mais recentemente na região ocidental de Darfur.
"Uma crise humanitária em uma enorme escala está se desdobrando no Estado do Kordofan do Sul. Apelamos aos líderes mundiais e aos governos que prestem atenção a essa situação e protejam as pessoas urgentemente", disse o Rev. Hitzler Eberhard, copresidente do Fórum Ecumênico do Sudão, em uma declaração do dia 10 de junho.
A menos que um cessar-fogo imediato seja pedido e que os trabalhadores humanitários sejam autorizados a prestar ajuda nas áreas afetadas e a Missão das Nações Unidas no Sudão seja autorizada a cumprir sua missão de proteger civis, as mortes irão continuar, prevê Hitzler. Tanto as forças governamentais e não governamentais têm a responsabilidade de proteger civis, disse.
Alguns estão chamando o fato de tornar os civis como alvos de um possível prelúdio para "o próximo Darfur". No entanto, a repressão na região de Nuba pelas forças militares sudanesas no início dos anos 1990 foi às vezes chamada de precursora da violência promovida pelo governo no Darfur, tendo começado há quase uma década. Em ambas as localidades, os aviões de guerra Antonov realizaram bombardeios em áreas com um grande número de civis.
Nos incidentes mais recentes, fontes da Igreja dizem que os bombardeios aconteceram nas cidades do Kordofan do Sul de Heiban e Um Dorain; que outro bombardeio ocorreu na área em torno da cidade de Kauda; e que rasantes de caças MIG tentaram dispersar desalojados que tentam procurar abrigo em torno do complexo da Missão das Nações Unidas no Sudão, no norte de Kadugli, a capital do Kordofan do Sul.
Ao todo, mais de 50.000 pessoas teriam fugido dos combates entre as tropas do governo, as chamadas Forças Armadas do Sudão, conhecidas como SAF, e o Exército Popular de Libertação do Sudão, conhecido como o SPLA, em Kadugli.
A luta não conseguiu deter os esforços humanitários na cidade de Kadugli e arredores. Fontes da Igreja dizem ter sido informadas por testemunhas independentes que as forças do governo estão vasculhando "casa a casa" em busca de opositores ao governo, que estão sendo retirados das casas e, em alguns casos, mortos no local. Ao mesmo tempo, testemunhas contaram às fontes da Igreja que o EPLS também está cometendo atrocidades, assim como deixando de proteger os civis.
O reforço da conscientização e do apoio às pessoas é necessário, disseram as fontes da Igreja, porque os grupos de ajuda humanitária e as Nações Unidas não podem se pronunciar muito publicamente agora, por medo da segurança das equipes do Sudão.
Hitzler disse que a violência constitui uma séria ameaça durante as próximas semanas de transição entre o norte e o sul do Sudão e disse que poderia se tornar uma repetição das atrocidades em massa, dos crimes de guerra e das prolongadas crises humanitárias que ocorreram em Nuba e no Darfur e que também estão ocorrendo supostamente agora em Abyei, uma zona-chave de fronteira.
"A comunidade internacional, liderada pelo Conselho de Segurança da ONU, com o apoio explícito e firme particularmente da China, dos Estados Unidos, da União Africana, da Liga Árabe e da União Europeia, deve urgentemente tomar todas as medidas para deter as hostilidades, proteger os civis e permitir o acesso humanitário a todas as partes do Kordofan do Sul, como um primeiro passo para retomar a oposição aos partidos de oposição política e militar na busca de uma solução negociada", disse Hitzler.
Ao explicar o contexto da atual crise, Ashworth disse que o Kordofan do Sul faz parte do Sudão do Norte, mas o povo Nuba, que vive no Kordofan do Sul, étnica e culturalmente se identifica com o sul e lutou ao lado do sul durante a guerra civil.
"É importante notar que eles não são sulistas – são Nuba indígenas", disse ele. "Eles contra-atacaram, e continuam atacando, o EPLS, defendendo as áreas montanhosas e o governo das cidades e das terras baixas".
O acordo de paz entre o norte e o sul do Sudão não deu aos Nuba "um referendo nem a oportunidade de se unirem no sul, apenas uma `consulta popular` sobre a sua forma exata de governo no norte (que ainda não aconteceu)", afirmou Ashworth. Outras pessoas que vivem no Kordofan do Sul são chamados de grupos "arabizados" que se identificam mais com Khartoum.
Perguntado pelo NCR se a situação do Darfur é o melhor prisma através do qual se pode compreender a crise atual, Ashworth lembrou que a crise atual está diretamente relacionada com as antigas tensões entre o Sudão do Norte e do Sul. "Ela está relacionada com a guerra do sul em que os Nuba apoiaram o sul durante a guerra", disse. "Mas tem semelhanças com o Darfur no sentido de que esta é uma guerra que ocorre dentro do norte, e o regime de Khartoum está alvejando seus próprios cidadãos".
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A dura guerra no Sudão ameaça civis - Instituto Humanitas Unisinos - IHU