16 Junho 2011
A situação da ordem Maryknoll hoje é a seguinte: um missionário, padre Roy Bourgeois, compelido pela consciência, um superior geral limitado pela lei canônica, e uma comunidade tentando encontrar alguma forma de mostrar a compaixão de Cristo ao seu irmão.
A análise é do padre maryknoll Joe Veneroso, publicada no sítio National Catholic Reporter, 13-06-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Fiquei surpreso ao ver o nome do padre Roy Bourgeois na lista dos padres e religiosos maryknoll que participariam da assembleia regional anual dos EUA entre os dias 23 e 27 de maio.
Mais de um mês havia se passado desde que o superior geral dos Padres e Irmãos Maryknoll, Pe. Ed Dougherty, havia emitido o primeiro aviso canônico para que Roy se retratasse da sua posição sobre a ordenação de mulheres ou enfrentaria a dispensa da nossa congregação e a laicização por parte de Roma. Ninguém esperava que Roy, que havia sido condenado a ficar em silêncio sobre essa questão pelos seus ex-superiores, consentisse agora, apesar de ter sido excomungado em 2009 por participar de uma tentativa de ordenação de uma mulher no ano anterior.
Todos os membros da região dos EUA têm o direito de participar da assembleia. Por isso, a presença de Roy significava que ele ainda era um membro da região. O "MM" depois do seu nome significava que ele ainda era um maryknoll, e o título "Padre" significava que ele ainda era um padre católico romano, embora excomungado.
Eu fiquei pensando se a situação de Roy obscureceria a assembleia e a distrairia de outras questões cruciais. Tínhamos uma agenda repleta: vocações, engajamento da Igreja dos EUA na missão, a missão de Jesus no século XXI, diminuição e envelhecimento dos membros, atualização do nosso curso por um ambiente seguro Praesidium e as celebrações do centenário da Maryknoll.
Um grupo de maryknolls combinou uma conversa informal com Roy antes da sessão do primeiro dia. Trinta e oito dos 62 membros presentes na assembleia participaram.
Roy deu uma nova versão sobre a sua jornada vocacional. Ele disse que considerava hipócrita denunciar a injustiça em outras instituições e fechar os olhos para o que ele vê como uma injustiça na Igreja.
Quando Roy foi além e se pronunciou em favor da ordenação de mulheres e participou ativamente de uma cerimônia em 2008, ele cruzou uma linha que Roma não podia ignorar. "O martelo desceu rapidamente", disse ele, sob a forma de uma carta de Roma, exigindo que ele se retratasse publicamente no prazo de 30 dias ou enfrentaria a excomunhão.
Sua principal preocupação, segundo ele, era como isso afetaria a sua família, especialmente o seu idoso pai. Ele ficou aliviado ao receber a sua bênção.
Não foi mencionado, mas, para entender como Roy e a ordem Maryknoll entraram nessa situação, é preciso falar sobre a participação de Roy, em fevereiro passado, em um fórum público em Nova York sobre o documentário Pink Smoke Over the Vatican [Fumaça rosa sobre o Vaticano], que, como o título indica, promovia a ordenação de mulheres. Um padre excomungado, que ignora as ordens superiores de não falar sobre esse assunto, e que, publicamente, faz isso debaixo do nariz do arcebispo de Nova York, Timothy Dolan, em cuja arquidiocese reside a sede Maryknoll, foi a última gota.
A primeira advertência canônica de dispensa da congregação, disse Roy, foi mais devastadora do que a excomunhão. O segundo alerta ainda não foi recebido, afirmou, mas pode vir a qualquer momento. "Estou com um grande problema", admitiu.
Um dos nossos sacerdotes mais jovens questionou se Roy havia pensado como suas ações poderiam impactar a ordem Maryknoll. Roy respondeu com uma defesa articulada, embora não relacionada, da supremacia da consciência, especialmente quando se denunciam os males do sexismo no mundo e na Igreja. Eu não fui o único a concluir que essa foi a forma de Roy dizer: "Não".
Um sacerdote mais idoso disse que não queria ver Roy demitido da congregação e não via nada mais a ser ganho com o fato de ele continuar se pronunciando a respeito. "Você já disse o que tinha que dizer", disse. "Roma sabe quem você é e o que você representa".
Outro padre perguntou como Roy conciliou a sua consciência com a comunidade Maryknoll, ou com os muitos jovens que não têm um problema com a Igreja institucional. Roy disse que os jovens com quem ele se encontrou apoiam-no com entusiasmo. Entretanto, novamente, nenhuma menção à conexão ou desconexão com a ordem Maryknoll.
Minha discordância com Roy não é sobre a ordenação de mulheres, mas sim sobre o juramento de obediência que todos nós fizemos, no qual nos comprometemos a "obedecer nossos superiores legítimos". Quatro palavras simples, embora profundas e poderosas. Perguntei a Roy, meu amigo, irmão e camarada de luta contra a injustiça no mundo: "Como você concilia as suas ações com o nosso juramento de obediência?". Roy comentou novamente a primazia da consciência, os males do sexismo e do racismo, a condição das mulheres e o movimento dos direitos civis.
Um religioso sugeriu que todos os nossos membros poderiam se beneficiar com essa discussão. O padre Michael Duggan, superior regional dos maryknolls, encontrou um espaço para incluí-la durante o discurso sobre o "Estado da Congregação" do superior geral.
No dia 26 de maio, depois de uma lista de muitos desdobramentos, Dougherty abordou o "elefante branco na sala" que estava sentado ao meu lado. "Doc" admitiu se sentir desconfortável. Roy ficou em silêncio.
Eu perguntei: "O que eu, como indivíduo, nós, como assembleia, ou a sociedade Maryknoll podem fazer para ajudar o senhor e Roy a sairem da beira do abismo?".
Eu podia sentir a frustração de Doc quando ele reconheceu que não havia muita coisa que alguém pudesse fazer. Uma "Comissão de Conciliação" ad hoc de maryknolls e de ex-superiores não tinha conseguido chegar a uma solução equitativa.
Um mês atrás, eu havia questionado Doc sobre o subsídio mensal e o plano de saúde de Roy. Ele me garantiu que a Maryknoll continuaria a cuidar dele. Roy poderia fazer seu trabalho de ativismo, mas não poderia mais se identificar como sacerdote e maryknoll.
Esta é a realidade Maryknoll: um missionário compelido pela consciência, um superior geral limitado pela lei canônica, e uma comunidade tentando encontrar alguma forma de mostrar a compaixão de Cristo ao seu irmão, assim como ela faz com os pobres.
A nossa comunidade se reuniu no dia 26 de maio para celebrar a Eucaristia e rezar para que Deus nos guie neste momento de ambiguidade. Lemos nos Atos dos Apóstolos como a Igreja primitiva enfrentou e resolveu questões muito controversas com alegria e confiança no Espírito Santo. Depois, dois jovens se aproximaram, colocaram suas mãos sobre o Livro dos Evangelhos segurado pelo nosso superior geral e, na presença da comunidade, fizeram seu juramento como maryknolls.