10 Junho 2011
Um ex-bispo católico, Gonzalo López Marañón, realiza um jejum voluntário desde o dia 24 de maio em um parque da capital do Equador, exigindo paz e reconciliação para Sucumbíos, uma província amazônica em conflito devido à imposição do Vaticano de uma ordem ultraconservadora em sua diocese.
A reportagem é de Gonzalo Ortiz, publicada no sítio Inter Press Service, 08-06-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Sempre sorridente, o agora bispo emérito de 77 anos permanece envolto em um poncho, com cachecol, luvas e gorro de lã, apesar do sol durante o dia no parque, porque perdeu oito quilos em 15 dias e sente frio. Mas conversa sentado na grama com os grupos que continuamente chegam para cumprimentá-lo, das paróquias de Quito e de outros lugares.
Além disso, durante vários dias, ele teve que suportar frio, chuva e até uma forte chuva de granizo.
Por trás do jejum, estão dois modelos de apostolado dentro da Igreja Católica: o dos Carmelitas Descalços, à qual López pertence, social e comunitária; e o da Sociedade dos Arautos do Evangelho, de um tradicionalismo integrista.
Em outubro, quando López deixou o bispado de Sucumbíos, no norte do país, na fronteira com a Colômbia, depois de 40 anos no cargo, o Vaticano entregou a diocese que ficou por 80 anos nas mãos dos Carmelitas aos Arautos, cuja presença e normas desencadearam um conflito social na complexa província amazônica.
Antecedentes
Na selva, foi morto em março de 2008 o comandante das guerrilheiras Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), Raúl Reyes, em uma invasão militar colombiana ao Equador, que gerou uma grave crise binacional. Ali também ocorreu o maior desastre mundial de contaminação por petróleo, pela transnacional Chevron.
"Não é uma greve de fome, mas sim um jejum", especificou a porta-voz do bispo emérito, Maria de los Ángeles Vaca, mas ele não ingere alimentos sólidos e só toma líquidos. "A diferença é que se trata de um ato religioso, acompanhado pela oração e pelo diálogo em busca da paz ", disse. "Mas ele está bem. O médico nos disse que os sinais vitais estão estáveis", complementou.
O presidente esquerdista Rafael Correa visitou duas vezes o acampamento, assim como outras autoridades civis e religiosas, e centenas de fiéis católicos das paróquias de Quito e delegações de jovens, mulheres, agricultores, artesãos e trabalhadores de Sucumbíos.
A Conferência Episcopal, presidida por Antonio Arregui, arcebispo da cidade de Guayaquil e membro da Opus Dei, outra ordem ultraconservadora, não se pronunciou oficialmente. "Mas os bispos, sim, têm vindo à minha tendinha", diz Lopez.
Com efeito, enquanto estivemos no parque, bispos da província de Esmeraldas e da província de Orellana lhe visitaram, enquanto pelo menos outros quatro prelados fizeram o mesmo no dia anterior. Por carta, bispos da Costa Rica, Guatemala, México e Panamá, dentre outros, se solidarizaram com López.
Além disso, a tenda em que o bispo começou o seu jejum voluntário, e na qual ele continua dormindo no chão, já não está sozinha. Ela está acompanhada por uma dezena de outras tendas, brancas e altas, incluindo algumas unidas para formar uma capela. "Já temos uma catedral", brincou López.
Tensão social e religiosa
O início da tensão social e religiosa de Sucumbíos foi marcado pela chegada do sacerdote dos Arautos, o argentino Rafael Ibarguren, como administrador apostólico da província.
O novo chefe da diocese chegou com a tarefa de "implementar" um trabalho pastoral conforme as recomendações do Vaticano, em oposição à pastoral social realizada pelo Carmelitas há oito décadas.
Os sacerdotes dos Arautos chegaram a essa região de floresta tropical úmida vestidos no estilo medieval, com botas de cano alto, estandartes, correntes na cintura e a cruz de Calatrava bordada em seu hábito de cor marrom.
Seu estilo e ainda mais sua atitude, perante as obras sociais, despertaram a resistência da população.
"Eles não tinham ideia da força e da capacidade da organização popular", disse Dolores de León, conhecedora da obra carmelita. Enquanto isso, os Arautos mobilizaram setores ricos de Nueva Loja, capital da província, com consequentes confrontos entre os moradores.
Após vários enfrentamentos, seis sacerdotes carmelitas que restavam em Sucumbíos foram expulsos por ordem do Vaticano no dia 2 de maio, ao considerar que estavam incitando a população.
Novos confrontos forçaram a retirada dos Arautos no dia 19 de maio, depois que o governo deu 24 horas para que a Igreja Católica resolvesse o estado de tensão em Sucumbíos. Antes, ameaçou não reconhecer a ordem, que não está registrada no Equador.
Atualmente, a diocese é atendida por sacerdotes seculares, e a administração apostólica é realizada pelo secretário da Conferência Episcopal, Ángel Políbio Sánchez, enquanto os membros das duas ordens em disputa não podem voltar para Sucumbíos.
"Trazer os Arautos foi um disparate. É uma congregação do sul do continente, sem experiência alguma no Equador e menos ainda em zonas de selva, e com uma posição de extrema direita, que prioriza os atos externos de culto", disse Andrés León.
Ele e sua esposa Dolores, fiéis de uma paróquia carmelita de Quito, explicam que a ordem criou a Igreja de San Miguel de Sucumbíos (Isamis), uma organização que geria uma rádio, creches, asilos e escolas.
Os confrontos dos grupos que trabalharam perto dos Carmelitas com grupos da Renovação Carismática, que apoiavam os Arautos, transbordaram no dia 16 de maio, quando estes tentaram tomar a emissora Sucumbíos.
Os Arautos decidiram demitir 16 trabalhadores da estação de rádio, que continuava nas mãos da Isamis, e chegaram com documentos de demissão assinados pelas autoridades eclesiásticas e de trabalho.
Os trabalhadores transmitiram sua demissão ao vivo, e isso fez com que centenas de ouvintes fossem até a emissora para defendê-los. Graças a isso, as instalações foram retidas pelos trabalhadores, apesar das tentativas de desalojamento da polícia.
"O respaldo nacional e internacional foi crucial, porque a situação da rádio ficou conhecida imediatamente pelas redes de rádio como a Corporação de Rádios Populares do Equador e a Amarc (Associação Mundial de Rádios Comunitárias)", disse a jornalista Blanca Diego, coordenadora de imprensa do jejum.
No entanto, 20 pessoas foram formalmente acusadas de terrorismo em uma ação interposta pelos Arautos. A retirada dessa ação é uma das solicitações de López.
A saída de ambas as ordens não acalmou os ânimos, e novos tumultos foram registrados em Nueva Loja no dia 22 de maio, entre grupos que disputavam a catedral e outros locais eclesiais. Esse episódio teria feito com que López decidisse realizar o seu jejum voluntário.
"Eu a vi se transformar. De uma zona de selva com aldeias indígenas isoladas, ela se converteu em um polo de migrações internas depois da descoberta do petróleo", que começou a ser exportado em 1972, explica López, que assumiu a diocese em 1970, aos 37 anos .
Ele conta como existem hoje todos os tipos de atividades madeireiras, agrícolas e comerciais, assim como aeroportos e rodovias asfaltadas, enquanto há grandes lacunas entre ricos e pobres, e sérios problemas de poluição por causa da atividade petrolífera.
Por ser fronteira com a Colômbia, as autoridades lidam permanentemente com contrabandistas e traficantes de armas, drogas e combustíveis, o que leva também a uma forte presença militar. Além disso, é a principal região de acolhida aos milhares de desalojados pela violência da Colômbia.
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Equador. Jejum pela reconciliação dos católicos na Amazônia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU