Com a queda de
Antonio Palocci, sai o último liberal do governo. Desde 1993, quando
Fernando Henrique Cardoso assumiu o comando da equipe que formulou o
Plano Real, é a primeira vez que o governo não tem, no primeiro escalão, um representante do liberalismo econômico. O predomínio, agora, é de economistas da escola desenvolvimentista, que defende maior presença do Estado na economia.
A reportagem é de
Cristiano Romero e publicada pelo jornal
Valor, 09-06-2011.
Durante a campanha eleitoral,
Palocci convenceu a presidente
Dilma Rousseff a adotar um discurso conservador em relação à economia. Sugeriu, por exemplo, que ela firmasse dois compromissos que, na sua avaliação, ajudariam a tranquilizar os mercados: a fixação de uma meta de redução não da taxa de juros, mas da dívida pública; e a manutenção de autonomia do Banco Central (BC).
Por esse compromisso, o governo diminuiria a dívida mobiliária de 42% para 30% do Produto Interno Bruto (PIB) ao cabo de quatro anos. A meta fiscal trazia embutida a ideia de que a política de gastos da nova gestão seria dura. Para atingir o objetivo, o governo teria que aumentar o superávit primário das contas públicas por meio da contenção de despesas e do incremento da arrecadação. A redução da dívida criaria, por sua vez, as condições para que, no médio e longo prazos, o BC diminuísse a taxa básica de juros (Selic).
Durante a campanha,
Dilma reafirmou o compromisso fiscal em várias oportunidades, especialmente quando falou a plateias de empresários e banqueiros. No dia 30 de outubro, quando venceu o segundo turno da eleição, escreveu, a quatro mãos com
Palocci, o primeiro pronunciamento à nação como presidente eleita. No discurso, confirmou a intenção de fazer uma administração austera ao afirmar que o povo brasileiro não aceita que governos gastem "acima do que seja sustentável".
Iniciado o governo,
Dilma cumpriu a promessa. Fez cortes no orçamento aprovado pelo Congresso e elevou a meta de superávit em mais de um ponto percentual do PIB. Apesar disso, nos três primeiros meses, o Ministério da Fazenda adotou medidas para controlar o fluxo de entrada de dólares no país e o Banco Central optou por uma estratégia mais gradualista de combate à inflação. Na prática, desistiu de perseguir a meta de 4,5% em 2011, transferindo o objetivo para 2012.
Em março, preocupado com a deterioração das expectativas inflacionárias,
Palocci operou nos bastidores para que o BC promovesse um aumento mais forte na taxa de juros. O plano era que, naquele momento, o BC elevasse a Selic não em 0,5 ponto percentual, mas em 0,75. Com isso, o governo melhoraria as expectativas e, mais adiante, se as condições permitissem, encurtaria o ciclo de aperto monetário.
O BC preferiu, no entanto, manter o gradualismo de sua estratégia, dando ênfase a medidas macroprudenciais. As expectativas dos agentes do mercado pioraram ainda mais, preocupando a presidente Dilma.
A preocupação teve efeito. Em abril, o BC reduziu o ritmo de alta da Selic para 0,25 ponto percentual, mas sinalizou ao mercado que promoveria novas elevações da taxa de juros, num esforço que poderá durar um "período suficientemente prolongado". Além disso, o Ministério da Fazenda parou de adotar medidas para controlar o câmbio.
Essa inflexão fez a política econômica ficar mais parecida com o pensamento de
Palocci. E deu resultado: as expectativas de inflação começaram a melhorar. A demissão do ministro não significa que a presidente - que sempre se identificou mais com o ideário desenvolvimentista (ela estudou economia na Universidade de Campinas (Unicamp), um dos redutos do pensamento heterodoxo no país) -- vá alterar o rumo definido em abril.
O BC deve seguir com uma política monetária mais dura, como voltou a indicar ontem, mas, a partir de agora, não terá mais o respaldo inequívoco do Palácio do Planalto.
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Sai de cena o último liberal do governo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU