08 Junho 2011
A remoção de William Morris como bispo da diocese australiana de Toowoomba levanta algumas questões teológicas sobre a relação entre os bispos e o Bispo de Roma.
A análise é de Richard P. McBrien, professor da cátedra Crowley-O`Brien de teologia da Universidade de Notre Dame, nos EUA. O artigo foi publicado pelo National Catholic Reporter, 06-06-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto e revisado pela IHU On-Line.
Muitos católicos acreditam – e aparentemente Bento XVI também – que o Bispo de Roma é livre, pela vontade de Cristo, não só para indicar todos os bispos da Igreja Católica Romana, mas também para demiti-los.
Essa é uma suposição incorreta, e a demissão de Dom Morris nos proporciona um momento de aprendizado em eclesiologia.
Desde o início da história da Igreja, os bispos eram eleitos pelos leigos e pelo clero de várias Igrejas locais ou dioceses. E isso incluía o Bispo de Roma, conhecido mais popularmente como o papa.
Um dos mais importantes bispos-santos do século III, Cipriano de Cartago, no norte da África, ofereceu um testemunho explícito sobre a eleição dos bispos na Igreja primitiva.
"É pela autoridade divina", escreveu Cipriano, "que um bispo é escolhido na presença do povo, diante dos olhos de todos, e que ele seja aprovado digno e apto pelo julgamento e testemunho públicos".
De fato, quando Cornélio foi eleito papa em 251, Cipriano descreveu o processo em uma carta a um contemporâneo: "Cornélio foi feito bispo pelo julgamento de Deus e do Seu Cristo, pelo testemunho de quase todo o clero, pelo voto das pessoas que estavam presentes, pela assembleia dos veneráveis bispos e dos homens bons".
Na época do primeiro Concílio Ecumênico de Niceia, em 325, as diferenças começaram a surgir entre as práticas da Igreja no Ocidente e no Oriente.
No Ocidente, a vontade e a voz do clero e dos leigos permaneceram normativas, mas havia agora uma maior contribuição de bispos de dioceses vizinhas.
No Oriente, particularmente depois que o imperador mudou a sede imperial de Roma para Constantinopla, o poder gradualmente se transferiu para longe do clero e dos leigos, rumo aos bispos da província e ao bispo metropolitano.
Sabemos que as comunidades de fé desses primeiros séculos eram relativamente pequenas para os padrões atuais. Por isso, podemos supor que aqueles que tinham um carisma evidente para a liderança pastoral eram facilmente reconhecidos, como no famoso caso de Santo Ambrósio, que foi proclamado bispo pela multidão de Milão, em 374.
Foi o Papa Leão Magno, bispo de Roma em meados do século V, que nos deu o princípio clássico: "Aquele que deve presidir a todos deve ser eleito por todos".
Por razões políticas, no entanto, o papel do clero local e dos leigos na eleição de seus bispos tornou-se praticamente inexistente até ao final do primeiro milênio cristão.
Uma das consequências involuntárias da Reforma Gregoriana do século XI foi a centralização da autoridade no papado. Apesar dos esforços para restaurar a antiga prática pela qual o clero e os leigos, assim como os bispos vizinhos, desempenhavam um papel-chave na eleição dos bispos, o poder passou para o papa e o rei ou o príncipe local.
Foi no início do século XIX, com a concordata entre o imperador francês Napoleão e o Papa Pio VII, que o papa sozinho foi investido com o poder de nomear e de destituir bispos em qualquer lugar da Igreja Católica Romana.
Esse sistema manteve-se em funcionamento desde então. Recebeu status jurídico formal em 1917, com a promulgação do novo Código de Direito Canônico (Cânon 329, n. 2).
Com poucas exceções, os bispos são recomendados pelos bispos de uma província. Três nomes são encaminhados pelo núncio, que faz a sua própria recomendação, à Congregação para os Bispos, que submete uma recomendação final ao papa, que toma a decisão final.
O atual sistema de nomeação e de demissão de bispos pelo papa na Igreja Católica Romana é simplesmente considerado como um método divinamente ordenado, algo que o próprio Senhor mandou. Mas não é esse o caso.
O que aconteceu com Dom Morris é o produto, em grande parte, da concordata de 1801 entre Napoleão e o papa Pio VII. Jesus não tem nada a ver com isso.
O falecido cardeal Leo-Jozef Suenens, da Bélgica, uma figura de destaque no Vaticano II, escreveu certa vez: "É reconfortante ter em mente que o Espírito Santo está indefectivelmente presente na Igreja em meio às fraquezas e às hesitações dos homens [e das mulheres ] e que o Espírito a anima do seu interior, para que a Igreja possa encontrar aquela brisa fresca e renovadora do Espírito, que nada mais é do que o vento inicial, o de Pentecostes".
Essa é também a oração diária do padre da Santa Cruz Theodore Hesburgh [reitor emérito da Universidade de Notre Dame, dos EUA]: "Vem, Espírito Santo".
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Os bispos e o Papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU