01 Junho 2011
É possível que quanto mais forte for a voz dos bispos coletivamente, mais forte será a voz da maioria dos bispos individual e localmente? A questão é o ponto de partida para a análise de Peter Steinfels, codiretor do Centro de Religião e Cultura da Fordham University, de Nova York, em artigo publicado na revista dos jesuítas dos EUA, America, 30-05-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto
Eis o texto.
Quando uma conferência nacional de bispos católicos habitualmente fala com uma voz comum, isso enfraquece a liderança dos bispos individuais? A questão tem sido levantada desde que o Concílio Vaticano II deu a essas conferências status oficial e importância, apesar da autoridade limitada. Isso foi levantado em particular pelo cardeal Joseph Ratzinger, agora Bento XVI, que se preocupava não só que essas conferências pudessem se tornar um meio para o nacionalismo, mas que as suas declarações consensuais pudessem suprimir os pontos de vista determinados dos bispos corajosos. Ele estava pensando, claro, na experiência da Alemanha nazista.
Para o meu conhecimento, nem o atual papa nem qualquer historiador ofereceu até agora evidências de que uma conferência de bispos alemães mais fraca resultaria em um testemunho católico mais forte contra o regime nazista. Mas a pergunta sobre a relação entre a voz coletiva e individual dos bispos é mais ampla. Ela certamente tem sido levantada também acerca dos Estados Unidos.
Segundo muitos, durante os anos 1970 e 1980, a Conferência Nacional dos Bispos dos EUA se tornou uma presença muito mais efetiva e influente na vida católica e na sociedade norte-americana. Nem todos ficaram satisfeitos com esse desenvolvimento, mais visivelmente os católicos conservadores descontentes com as grandes cartas pastorais que a conferência episcopal emitiu sobre a moralidade da defesa nuclear em 1983 e sobre justiça econômica norte-americana em 1986. Um conservador descontente naquele tempo era George Weigel, que recentemente afirmou: "Enquanto a voz da conferência aumentava, a dos bispos individuais tendia a diminuir".
Weigel, o biógrafo quase oficial do Papa João Paulo II e um comentarista de destaque tanto na mídia católica quanto na secular sobre assuntos católicos, fez essa afirmação em fevereiro passado em um artigo na revista First Things, anunciando que os bispos do país estariam finalmente emergindo das garras de uma Bernardin Machine. De 1968 a 1972, o então bispo Joseph Bernardin atuou como secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos católicos. Como arcebispo de Cincinnati, ele foi presidente da conferência de 1974 a 1977 e, como cardeal arcebispo de Chicago, ele terminou o trabalho sobre a pastoral de defesa nuclear por parte da conferência e, depois, articulou a "ética de vida coerente". Weigel argumentou que a "Máquina Bernardin" condenou a Igreja a uma acomodação submissa à cultura. Seu artigo, em minha opinião, é uma distorção grosseira do passado e uma prescrição equivocada para o futuro. Critiquei os suas afirmações e sua agenda política nem tão secreta na edição do dia 20 de maio da revista Commonweal.
Consideremos novamente a frase: "Enquanto a voz da conferência aumentava, a dos bispos individuais tendia a diminuir". A fórmula é cativante, mas é verdadeira? George Weigel não fornece nenhuma evidência – provas de que a voz dos bispos individuais realmente diminuiu durante o auge do cardeal Bernardin, evidência de que, se houve essa diminuição, a causa foi o fortalecimento da conferência nacional. A alegação, assim como outras em seu artigo, é pura especulação.
Mas a questão que ele levanta, mesmo que polemicamente, é boa. Existe uma relação inversa entre a liderança eficaz da conferência dos bispos e a dos bispos individuais? Será que esse é um jogo de soma zero, em que apenas muita "voz" tem valor? Ou, pelo contrário, é possível que quanto mais forte for a voz dos bispos coletivamente, mais forte será a voz da maioria dos bispos individual e localmente?
O que exatamente se quer dizer com "voz", afinal? Credibilidade, autoridade moral, liderança efetiva? E como alguém avalia se ela aumenta ou diminui – não apenas para alguns poucos bispos proeminentes, mas sim para a grande maioria das diversas centenas de bispos, especialmente os chefes das quase 200 dioceses e arquidioceses dos Estados Unidos? A mensuração não vai ser fácil.
Sem dúvida, a emergência, depois do Concílio, de uma conferência de bispos atuante com seus próprios oficiais eleitos diminuiu o status especial dos poucos cardeais do país. E não há dúvida de que várias autoridades vaticanas lamentaram esse fato. Do seu ponto de vista, é naturalmente atraente que os intermediários entre Roma e os bispos norte-americanos sejam indivíduos que Roma elevou, ao invés de serem aqueles que os bispos elegeram. Às vezes, as autoridades vaticanas também se definiram como defensores dos direitos e responsabilidades de um bispo individual contra os ações da conferência, e sem dúvida sua preocupação teológica foi sincera. Também é possível ver nessa defesa algo semelhante à preferência de um diretor executivo por uma negociação com um trabalhador individual, ao invés de um sindicato. A frase de Weigel parece ecoar essas opiniões.
Conquistando audiência
Em A People Adrift: The Crisis of the Roman Catholic Church in America (2003), eu argumentei que, durante o período até o final do Concílio e imediatamente depois, a "voz" da Igreja soou em grande parte não pelos bispos, mas sim por indivíduos francos, geralmente membros do clero, que ganharam a atenção da mídia pelos seus papéis altamente visíveis nos direitos civis ou nos protestos antiguerra, em se oporem à liturgia reformada ou criticando os ensinamentos sobre sexualidade. A lista desses clérigos poderiam incluir indivíduos bastante diferentes, como Hans Küng, Charles Curran, James Groppi, Daniel e Philip Berrigan, Gommar de Pauw, William DuBay ou mesmo, em um modo muito mais semelhante ao sistema dominante, Theodore Hesburgh.
Durante os anos 1970 e 1980, no entanto, enquanto a conferência episcopal adquiriu sua estabilidade como organização, ela mais uma vez colocou a hierarquia no comando do catolicismo norte-americano, opondo-se ao aborto, realizando audiências nacionais para o ano do bicentenário de 1976 e provocando debates nacionais com aquelas cartas pastorais sobre os armamentos nucleares e a justiça econômica. Minha impressão era a de que esses desdobramentos, certamente, em comparação com os anos anteriores, fortaleceram, ao invés de diminuir, a "voz" da grande maioria dos bispos, local e nacionalmente.
Talvez eu estivesse errado. Consideremos alguns trabalhos preliminares que um historiador da Igreja fez sobre o impacto no catolicismo norte-americano de casos controversos de ética médica durante aquelas décadas cruciais. James McCartin, professor da cátedra Seton Hall e autor de Prayers of the Faithful: The Shifting Spiritual Life of American Catholics (Harvard, 2010), analisou casos que envolveram decisões sobre os cuidados no final de vida, como o de Karen Ann Quinlan em meados da década de 1970 e de Claire Conroy e Nancy Cruzan nos anos 1980. Embora os bispos locais tenham oferecido "complexas formulações morais" comedidas nesses casos, essas declarações foram afogados por um movimento pró-vida que surgiu a partir da decisão da Suprema Corte dos EUA no caso Roe versus Wade (1973) e da visão do aborto e da eutanásia como males gêmeos que ameaçavam a sociedade norte-americana.
"Uma crescente série de notícias midiáticas tornaria os ativistas pró-vida a voz católica predominante nos debates públicos sobre as doenças terminais e a morte", disse McCartin em um artigo publicado recentemente. E, finalmente, "enquanto a teologia moral católica foi varrida pelas guerras culturais emergentes da década de 1970, a autoridade dos bispos locais de se pronunciar sobre assuntos de significado moral crucial dentro de suas dioceses significativamente diminuiu". Os bispos locais "teriam que ceder a atenção e a autoridade públicas a organizações nacionais que frequentemente articulavam posições morais sem as nuances características da reflexão moral católica, posições que podiam ser facilmente articuladas para fazer avançar um ponto na guerra cultural".
Essa, claro, é uma narrativa muito diferente de Weigel. Mas também pode não ser toda a história. Os bispos podem ter perdido simultaneamente sua "voz" em algumas áreas, mas ganharam em outras. E como é possível levar em consideração desdobramentos como as novas atitudes e nomeações de Roma sob João Paulo II, ou a crescente alienação de grande parte do movimento teológico, ou o crescimento de organizações agressivas e muitas vezes bem financiadas tanto de esquerda quanto de direita, que sistematicamente denunciavam a bispos sobre questões de política social, paz, sexualidade, aborto, ordenação de mulheres e de homens casados, linguagem litúrgica, catequese e assim por diante?
Duvido que alguém contestaria que o escândalo dos abusos sexuais causou um dano drástico para a voz dos bispos ao longo das últimas duas décadas. Antes do escândalo, seria quase inimaginável que um deputado estadual católico conservador em um Estado altamente católico defenderia cortes no orçamento contra a queixa de um bispo de que eles feriram os vulneráveis ao chamar o bispo de "cafetão da pedofilia". No entanto, dentre as muitas causas do escândalo dos abusos sexuais, uma delas certamente não foi que a conferência dos bispos era muito forte. Exatamente o oposto. Os esforços da conferência para lidar com os abusos sexuais por parte do clero foram consistentemente minados tanto pelos limites estruturais da conferência quanto pela autoridade e pelos impedimentos levantados por prelados individuais. Uma conferência mais "musculosa" como a de duas décadas atrás provavelmente teria levado a uma maior autoridade moral para os bispos hoje.
A conferência dos bispos dos EUA parece mais fraca agora do que na década de 1980 ou mesmo na de 1990. Seu orçamento, empregados, energia e confiança foram significativamente reduzidos. Isso, de fato, aumentou a visibilidade e a influência tanto dos principais cardeais, quanto de alguns poucos bispos que angariaram a atenção da mídia ao tomar posições de confronto. Mas a ideia de que a voz do episcopado como um todo, seja coletiva ou individualmente, foi por isso fortalecida é certamente questionável. Então, o que reforça ou corrói a sua habilidade de conquistar uma audiência entre os católicos ou o público em geral? Presumo que os bispos estão tão interessados nesse enigma quanto qualquer outra pessoa. Espero que eles façam disso um tópico de um estudo sério e não uma opinião polêmica.
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A colegialidade dos bispos e a sua autoridade moral - Instituto Humanitas Unisinos - IHU