28 Mai 2011
A Fifa, a maior, mais rica e menos transparente organização esportiva do mundo, está agora investigando a si mesma por conta de acusações de corrupção no topo da organização.
A reportagem é de Rob Hughes, publicada pelo jornal International Herald Tribune e reproduzida pelo Portal Uol, 29-05-2011.
Poucos dias antes de 208 associações nacionais de futebol se reunirem em Zurique para reeleger Sepp Blatter, da Suíça, ou em vez disso escolher Mohamed bin Hammam, do Qatar, como seu presidente, um dos candidatos foi acusado de tentar comprar votos.
Isso já seria uma notícia chocante se viesse de fora da organização. Mas é pior que isso. A acusação contra Bin Hammam foi feita por um colega do comitê executivo atual da Fifa, o novaiorquino Chuck Blazer.
No domingo, um painel da comissão de ética da Fifa determinará se Bin Hammam está apto a desafiar Blatter para a presidência três dias mais tarde.
Então, depois de meses negando as acusações de corrupção durante a votação das sedes das Copas do Mundo de 2018 e 2011, a Fifa acabou se entregando. Depois de muitos anos – três décadas de ameaças legais e de outros tipos recebidas por esta coluna por relatar a corrupção dentro da Fifa – as acusações desta vez são entre os homens que estão sentados à mesa de Blatter.
Blatter foi presidente por 13 anos e secretário-geral do brasileiro João Havelange por muitos anos antes disso. Sua campanha para chegar ao cargo principal foi em grande parte auxiliada financeira e pessoalmente pelo homem que agora se opõe a ele, Bin Hammam.
Na manhã de quarta-feira, logo antes de surgirem as notícias das acusações contra ele, Bin Hammam reiterou seus principais objetivos numa mensagem em seu site pessoal. Segundo ele, são: democratizar a Fifa, torná-la mais transparente e restaurar sua reputação em todo o mundo.
No final da tarde, Bin Hammam declarou: “se houver um mínimo de justiça no mundo, essas acusações desaparecerão com o vento. Este movimento não passa de uma tática usada por aqueles que não têm confiança em sua própria capacidade de ter sucesso na eleição presidencial da Fifa.” Resumindo, a administração de Blatter acusa Bin Hammam de tentar subornar membros da Fifa para conseguir votos na semana que vem. E Bin Hammam alega que Blatter está usando táticas para manchar sua reputação.
Esta é uma briga da qual não sairá nenhum vencedor. O comitê de ética da Fifa, apontado pela própria organização e formado no ano passado por Blatter, está sendo solicitado a decidir a favor de um dos candidatos. Se condenar Bin Hammam, o comitê em exercício estará admitindo que a corrupção se infiltrou nos altos escalões da base de poder da Fifa. Se exonerá-lo, o dedo será apontado para o gabinete do presidente que fez a acusação.
“Bem”, como disse Oliver Hardy para seu parceiro de comédia Stan Laurel, “está é mais uma confusão em que você me meteu”. Exceto pelo fato de que não há nada de engraçado na sede de vidro da Fifa em Zurique. A acusação que Blazer entregou ao secretariado estaria apoiada em provas gravadas e testemunhos juramentados de que Bin Hammam ofereceu até US$ 40 mil por cabeça aos delegados da Fifa na América Central para votarem nele.
As acusações dizem que o suborno aconteceu em Trinidad e Tobago em 10 e 11 de maio, quando Bin Hammam, de acordo com relatos, pagou pela acomodação de 22 dos 35 representantes da região do Concacaf – A Confederação de Futebol do Caribe, América Central e do Norte – para comparecerem a uma conferência num hotel na capital de Trinidad e Tobago, Port of Spain.
Bin Hammam organizou a conferência, junto com o presidente do Concacaf e o vice-presidente da Fifa, Jack Warner, porque não tinha conseguido um visto para comparecer ao congresso do Concacaf em Miami no início deste mês.
Blatter foi ao encontro e dirigiu-se ao congresso em busca de apoio para a sua liderança.
O que é mais significativo sobre as acusações apresentadas na Fifa agora é que Blazer apresentou provas não só contra Bin Hammam, mas contra seu próprio presidente regional, Warner.
Em grande medida, Blazer contribuiu para que Warner tivesse o poder que tem hoje na Fifa. Foi Blazer que no início dos anos 90 persuadiu Warner a concorrer à liderança do Concacaf.
Blazer fez a campanha de Warner para o posto, e Blazer até hoje é secretário geral do futebol naquela região. Além disso, são as habilidades empreendedoras de Blazer, sua logística e capacidade de perceber oportunidades financeiras que ajudaram a construir a unidade e a lucratividade do futebol nas Américas. Desde novembro passado, quando Blazer se tornou chefe do poderoso conselho de marketing e televisão da Fifa, ele vêm ajudando a Fifa a fazer o mesmo.
O esporte vive com os US$ 5 bilhões de contratos de TV e publicidade para a Copa do Mundo a cada quatro anos – e incidentalmente não paga nenhum imposto para nenhum país anfitrião de seus torneios.
Os homens que agora competem tão amargamente pela liderança são parceiros no jogo global não só de jogar futebol, mas também de distribuir parte de seus lucros inigualáveis.
Se ainda houver uma disputa entre Blatter e Bin Hammam na semana que vem, torna-se mais difícil a cada dia separá-la das acusações de corrupção em sua organização. Blatter disse esta semana na África do Sul, onde estava inevitavelmente angariando votos, que a Fifa não é uma instituição corrupta e que não admitirá que as pessoas façam esta acusação em sua presença.
Bin Hammam tem uma retórica semelhante em todos os palanques em que sobe.
Blazer, como muitos norte-americanos, ainda bastante surpreso com a margem pela qual Qatar ganhou a aprovação da Fifa para uma Copa do Mundo no deserto, disse em dezembro passado que há muita coisa errada na organização.
E que chegará o momento em que alguém como ele terá de dizer alguma coisa.
Este momento parece ter chegado. O norte-americano, que talvez não teve escolha a não ser entregar o arquivo sobre dois de seus colegas da Fifa ao executivo, não dirá mais nada, pelo menos até domingo, quando a comissão de ética tiver tomado sua decisão.
A própria retórica de Blatter sobre haver anjos e demônios em todos os lugares da sociedade está se voltando contra ele próprio.
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Está na hora de falar sério na Fifa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU