24 Mai 2011
O profano e o sagrado estão encontrando uma nova modalidade de conexão.
A análise é de Gianfranco Ravasi, cardeal italiano, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura do Vaticano, em artigo publicado no jornal L`Osservatore Romano, 22-05-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
No dia 21 de julho de cem anos atrás, nascia em Edmonton, capital do Estado canadense de Alberta e grande centro agrícola, industrial e comercial, Herbert Marshall McLuhan (foto), cujo nome se tornaria uma espécie de estandarte no horizonte cada vez mais amplo de comunicação de massa.
Bem rapidamente, o slogan "O meio é a mensagem", injusta e um pouco banal simplificação da sua pesquisa, se transferiria para os lábios de muitos conferencistas, e obras como justamente O meio é a mensagem (Ed. Record, 1969) ou A galáxia de Gutenberg (Ed. USP, 1969) ou City as Classroom [A cidade como sala de aula] entrariam em todas as bibliotecas, por serem considerados uma "atualização" indispensável. Suas declarações, muitas vezes incisivas, tocavam uma evolução cada vez mais acelerada da comunicação segundo a qual "os modelos de eloquência não são mais os clássicos, mas sim as agências de publicidade (...) com as quais a moderna Chapeuzinho Vermelho não teria nada contra em se deixar ser comida pelo lobo", como ele escreveu em sua coletânea de ensaios sobre o "folclore do homem industrial" em The Mechanical Bride [A Noiva Mecânica] (1955).
Pois bem, em poucas décadas, as suas páginas e as suas teorias, embora sugestivas e sempre dotadas de ecos permanentes, correm o risco de parecerem empoeiradas ou de serem semelhantes a vozes que provêm de uma remota, embora nobre, idade do ferro. Por exemplo, o retrato do fenômeno televisivo e dos seus excessos que um grande diretor recém-falecido como Sidney Lumet colocava em cena no seu atraente Quinto poder (1976) – significativamente intitulado no original norte-americano como Network –, desde então viu ulteriores e surpreendente cenários, capazes de surpreender o próprio McLuhan, além de Lumet, sem falar do Orson Welles do celebérrimo Cidadão Kane (1941), o arquétipo desse gênero.
O sinal mais relevante dessa mudança que um norte-sociólogo americano, John Barlow, comparou com a descoberta do fogo, está no fato de que, para a civilização contemporânea, a comunicação não é mais um instrumento semelhante a uma prótese dos nossos sentidos, como supunha McLuhan, mas sim um "ambiente" total, uma atmosfera global que envolve e penetra tudo e todos.
Blog, denso retículo comunicativo
Um dos emblemas mais significativos é certamente o blog, o denso retículo comunicativo que já envolveu todo o nosso planeta. É por isso que dois dicastérios da Santa Sé, o Pontifício Conselho para a Cultura e o Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, decidiram propôr, no dia 2 de maio passado, por trás do grande evento da beatificação de João Paulo II, um encontro entre blogueiros, possivelmente representantes dos 157 milhões de habitantes da blogosfera espalhados em todo o mundo (apesar de a revista Wired, em 2008, ter anunciado a morte dos blogs!).
Não se tratou, portanto, de um encontro dos blogueiros católicos, mas sim de todos esses variados frequentadores das páginas da rede, com a sua linguagem especial, colorida, especialmente concisa, quase reduzida a uma espécie de código. Eles, na verdade, não gostam dos longos discursos e das conferências, mas os debates online ao vivo, com o sistema de "perguntas e respostas", quase como em uma troca tenístico de impressões, avaliações, juízos, às vezes cortantes, no entanto diretos e fulminantes.
Um encontro organizado por meio de um simples e-mail, que se tornou imediatamente viral, que em poucos dias produziu 750 pedidos de participação. Motivos logísticos obrigaram os organizadores a escolhas nada fáceis, visto que a disponibilidade na sede do encontro era de apenas 150 lugares: 50 blogueiros foram selecionados para garantir a representatividade geográfica e temática; outros 100 foram escolhidos, ao contrário, por meio de um sorteio.
Nessa cúpula sugestiva, o encontro foi programado sobre dois painéis : o primeiro teve os blogueiros como protagonistas, enquanto que o segundo ato teve a intervenção de alguns representantes da Igreja empenhados em oferecer possíveis respostas às sugestões apresentadas pelos oradores e pelas propostas concretas daqueles que frequentam o mundo interativo da Web 2.0.
Os blogueiros manifestaram, por meio das suas típicas modalidades expressivas, o desejo de fazer ouvir a sua voz, fazendo com que ela chegue também à Igreja. Ao mesmo tempo, pediram que a Igreja acolha a interação, sem ter medo de adotar uma linguagem às vezes independente e anticonformista. Eles indicaram enormes potencialidades para o futuro da comunidade eclesial, com um debate honesto e claro: isso, mesmo que não permita olhar nos olhos do interlocutor, cria, porém, um canal comunicativo que chega à mente e ao coração até mesmo de pessoas que não frequentam a Igreja.
Um evento da base
Portanto, é necessário reconhecer a relevância desse fenômeno que se origina da base, qualificando-se como popular, não de nicho, e que revela, porém, uma dimensão cultural específica. Certamente, trata-se de um mundo particularmente incandescente, portador dos aspectos mais criativos da capacidade humana, mas, ao mesmo tempo, destinado a englobar as contradições e até mesmo as possíveis degenerações do pensamento e da cultura.
Sem dúvida, porém, não é possível ignorar uma realidade que assume sempre mais as características de "movimento cultural", capaz de interceptar e interagir com um público de números incontroláveis. Poderíamos dizer que estamos nas novas praças e nas novas catedrais, espaços virtuais, certamente, mas habitados por pessoas que comunicam, expressam ideias, contam histórias e fazem interrogações, esperam respostas. Não podemos, então, evitar esse pedido de diálogo, mesmo levando em conta que a exigência vem de um mundo fluido, complexo, articulado e em fibrilação continua.
A variedade das presenças, assim, deixou espaço a ideias e temas, delineados pelas intervenções dos participantes desse encontro – em muitos aspectos inédito no âmbito vaticano – e que se desenvolve ininterruptamente na blogosfera. Um contexto em que se respirava esperançosamente e ao mesmo tempo o desejo de compartilhar, de narrar aos outros a própria experiência de habitantes da rede e do mundo real.
Aproveitou-se a expectativa de criar familiaridade, amizade, comunicação entre mundos diferentes, às vezes antitéticos, ou artificialmente postos em contraposição, de dar forma a um mosaico de rostos, de palavras, de conteúdos que superam o cercado do formalismo e das formalidades que podem frear o encontro com tantas pessoas que esperam ser compreendidas nas suas formas de expressão originais.
A exigência de liberdade se respirava em todos os presentes, mas também a disponibilidade de assumir um papel de responsabilidade na comunicação, conscientes de não serem piratas da rede, cavaleiros online viciados em invasões e incursões para criar confusão, mas sim protagonistas de um código comunicativo diferente, dotado de regras próprias.
O desejo que nos guiava, organizadores desse evento, era, portanto, o de acolher, compreender, ouvir as reivindicações, as esperanças, os temores, as dúvidas, as aspirações e as problemáticas dessa vastíssima comunidade que segue a vida da Igreja, mais do que podemos imaginar.
Daí surgiu a necessidade, claramente expressada durante o encontro, de decifrar a mentalidade, a cultura e a filosofia que anima os blogueiros, a fim de que a Igreja seja capaz de uma nova evangelização e de incidir na opinião pública, aprendendo a ser interativa e não ancorada só na comunicação de tipo piramidal, que, ao contrário, é bastante estranha à cultura do nosso tempo. Pode-se, assim, superar uma comunicação apenas unidirecional, sem possibilidade de diálogo e de intercâmbio, destinada a deixar uma impressão de rigidez e de autoreferencialidade.
Permanece como fato irrefutável que a cultura e a filosofia dos blogueiros precisam ser decodificadas, buscando superar o preconceito de que se trata de uma comunicação não pensada e instintiva. No blog, não estamos diante só de uma caixa postal de velocidade digital, em que as notícias são trocadas em tempo real, e cada um afirma o que quer e como quer, quase como um noticiário online em que todos podem acrescentar, sem nenhum custo, suas próprias informações e receber outras em troca.
Do blogging ao microblogging
Esse é, certamente, um aspecto da blogosfera, mas é preciso assinalar principalmente a dimensão cultural do fenômeno, ou melhor, existencial: estamos na presença de um way of life, de um "estilo de vida". Na verdade, o Web-log (denominação original do blog) é um diário de bordo em formato eletrônico, que não registra só os fatos, mas os comenta segundo a sensibilidade pessoal, é uma reflexão sobre a atualidade e, segundo alguns, uma interpretação da existência.
Nessa perspectiva, deve ser seguido com extremo interesse também a passagem do blogging ao microblogging, que está assumindo um papel cada vez mais dominante, capaz de evitar as censuras dos regimes, as tentativas de ocultar eventos e situações conflitantes explosivas. Só a título de exemplo, citemos o movimento da Arab Spring Uprising 2011, conhecido de todos nós: ele foi conduzido também através do microblogging, para organizar protestos, comícios nas praças, convocações de massa de surpresa.
Para dar uma ideia do fenômeno, pensemos apenas no fato de que o nosso encontro do dia 2 de maio deu origem a mais de 80 mil tweets. Um tweet (de verbo piar, chilrear) é um texto de 140 caracteres enviados por um usuário do Twitter a todos aqueles que o seguem, o seu followers. Obviamente, com 140 caracteres à disposição, o desafio se concentra em ser o mais conciso possível.
Os tweets podem ser marcados temativamente por uma palavra-chave chamada de hashtag (#) . Os tweets dedicados ao Vatican Blogger Meeting 2011 – marcados pela palavra-chave #vbmii – logo atingiram o status de trending, isto é, entraram na lista dos dez tópicos mais populares no Twitter naquele momento, juntamente com os comentários sobre a notícia da morte de Osama Bin Laden, também esta anunciada no Twitter.
Um tweet entre os milhares reunidos pelos organizadores afirmava: "One of the Top Catholic Stories for 2011 is definitely going to be the Beatification of jpii. #vbmii will also make the list this year". Uma modalidade comunicativa desse gênero abre horizontes surpreendentes não só para a publicidade, mas para a própria formação humana e cultural. Justamente nessa linha, se deveria estudar os blogs e a rede dos blogueiros, criando espaços de debate e de confronto tematicamente incomuns, mas nem por isso menos eficazes e incisivos.
Trata-se dos chamados "new pockets of dialogue", pequenos grupos de reflexão, capazes de interceptar outros, indivíduos ou grupos, em busca de confronto e de respostas sobre temas hoje muito sensíveis.
Profano e sagrado
O espaço profano e o sagrado, portanto, estão encontrando uma nova modalidade de conexão, que inaugura um verdadeiro "Átrio dos Gentios" na rede, de possibilidades ilimitadas. O encontro do dia 2 de maio nos fez compreender que está surgindo uma nova realidade que comunica emoções, sentimentos, movimentos da alma, opiniões, relatos, segundo uma modalidade inédita que o próprio McLuhan jamais suspeitaria. Pensando nos blogueiros e em seus textos lapidares, sincopados, às vezes no limite do hermetismo, vem à mente um aforismo do filósofo grego Tales (séculos VII-VI antes da era cristã): "Muitas palavras jamais indicam muita sabedoria".
Buscamos então evocar algumas das propostas surgidas nesse diálogo, escolhendo as mais sugestivas, as mais interessantes e um pouco provocadoras, para destacar a necessidade de não deixar que esse encontro de blogueiros permaneça apenas como um evento a ser entregue aos anais da história, mas se torne o primeiro passo de um longo caminho em escuta de tantas pessoas que desejam falar conosco.
A primeira sugestão tem como referência a próxima Jornada Mundial da Juventude em Madri, com o pedido de organizar nessa reunião um outro encontro dos blogueiros. Uma segunda proposta sugeria que sejam entregues também a alguns blogueiros as mesmas pastas informativas que normalmente são dadas à imprensa, sob embargo, pela Santa Sé. Também se sugeriu que se inicie uma forma de credenciamento dos blogueiros para os grandes eventos eclesiais, como ocorre com os enviados dos meios de comunicação mais usuais, em vídeo, áudio e imprensa.
Foi sugerida também a possibilidade de dar alguma forma de oversight ("supervisão") aos blogs católicos, enquanto outros afirmavam justamente que não se subestime a exigência de liberdade. Além disso, foi apontado que muitos jornais, revistas, notícias e conteúdos de eventos eclesiásticos convergem nos blogs e esse "modus operandi" já deu uma notável contribuição à nova evangelização, mesmo considerando as muitas características de contestação presentes na blogosfera.
Digna de menção foi a proposta de pensar no acesso dos futuros news portals aos deficientes físicos. Por último, assinalamos a insistência para o uso do sistema "multilinguagens" nos portais de notícias. Essas são só algumas das muitas propostas lançadas e que continuam navegando na rede. Não comentaremos essas propostas, mas as repropomos a partir das colunas de um jornal muito significativo como o L`Osservatore Romano.
Segundo alguns, o Vatican Meeting for Bloggers entrou para a história da comunicação. A história é a experiência que assume uma forma e uma direção. Nesse sentido, considero que o encontro fez com que confluíssem experiências diferentes e lhes deu uma forma. Não havia objetivos rígidos a serem alcançados, mas sim realidade e desejo a serem verificados, a partir do momento que ninguém sabia bem o que esperar do encontro.
Não havia um programa pré-definido sobre temas e questões a serem abordados, mas somente uma estrutura para poder permitir um intercâmbio. As palavras do padre Federico Lombardi foram significativas: "Os blogueiros católicos representam uma porção relevante da opinião pública na Igreja. O magistério conciliar já previa essa realidade". E ainda: "O ego é um elemento problemático, mas significativo, da realidade dos blogueiros. Eu vejo isso como um problema sobre o qual também é preciso refletir do ponto de vista existencial, até porque nós vivemos o nosso trabalho de comunicadores sobre a palavra `serviço`. Na comunicação, a dimensão do serviço ao meu interlocutor é a chave. É um serviço para o crescimento da comunidade humana na democracia, no respeito e no diálogo".
Em um certo ponto do encontro, a palavra "escuta" abriu espaço e foi repetida várias vezes, enquanto o twitter feed se atualizava ritmicamente e, em alta velocidade, registrava os humores, as ideias, os pensamentos e os feedbacks não só de quem estava na sala, mas também de pessoas que participavam do evento via Internet. Não há compromissos fixos para o futuro, porque o encontro não foi concluído com apontamentos precisos. No entanto, é claro que justamente a falta de compromissos definidos mobiliza a fantasia e está criando na blogosfera um florescimento de ideias e de projetos. O encontro, portanto, continuará vivendo justamente nessa rede de comunicação muito que já envolve todo o planeta.
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Igreja e blogueiros: um encontro de sucesso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU