18 Mai 2011
Quase uma década depois que as revelações generalizadas de abuso sexual de menores abalaram a Igreja católica nos Estados Unidos, um relatório abrangente sobre o escândalo foi lançado nesta quarta-feira, 18 de maio, na esperança de dar respostas sobre uma crise que levantou inúmeras questões, apesar de anos de atenção.
O culpado dos abusos foi o celibato? Os gays no sacerdócio? A revolução social dos anos 1960, ou a a obscura educação dos seminários dos repressivos anos 1950?
A reportagem é de David Gibson, publicada no sítio Religion News Service, 18-05-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto e revisada pela IHU On-Line..
A verdade parece ser muito mais complexa, de acordo com uma cópia do relatório dos investigadores do John Jay College de Justiça Criminal que foi fornecida por um líder da Igreja que acredita que os resultados refletem com precisão as causas da crise dos abusos sexuais da Igreja, para o bem e para o mal.
Os resultados provavelmente vão incomodar tanto os críticos liberais quanto os conservadores, assim como os advogados das vítimas.
O relatório de 300 páginas, formalmente intitulado As Causas e o Contexto do Abuso Sexual de Menores por Padres Católicos nos Estados Unidos, 1950-2010, derruba uma série de equívocos populares. Enquanto alguns contestarão a metodologia do relatório – e notar que os bispos dos EUA pagaram metade do preço de tabela estimado em 1,8 milhão de dólares –, o estudo Causas e Contexto é claramente um marco na investigação dos abusos sexuais de crianças.
Os mitos
O primeiro mito contestado pelo estudo é que os padres tendem a ser pedófilos. Dos cerca de 6 mil padres acusados de abuso ao longo da metade do século passado (cerca de 5% do número total de padres que que serviram durante esse período), menos de 4% podem ser considerados pedófilos, assinala o relatório – isto é, homens que se aproveitaram de crianças.
"Os padres abusadores não eram padres pedófilos", afirmam os pesquisadores categoricamente.
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Em segundo lugar, os pesquisadores não encontraram evidências estatísticas de que os padres gays eram mais propensos do que os padres heterossexuais ao abuso de menores – uma descoberta que mina o ponto de debate favorito de muitos católicos conservadores. O número desproporcional de vítimas adolescentes do sexo masculino tem a ver com a oportunidade, não com uma preferência ou com uma patologia, afirma o relatório.
Além disso, os pesquisadores observaram que o aumento do número de padres gays a partir do final dos anos 1970 em diante corresponde, na verdade, com "uma diminuição da incidência de abusos – não com um aumento da incidência de abusos".
Do mesmo modo, o celibato permaneceu uma constante ao longo dos picos e vales das taxas de abuso, e os padres podem ser menos propensos a abusar de crianças hoje em dia do que os homens de profissões similares. Como resultado, os católicos liberais que defendem o sacerdócio casado, ou aqueles que estão convencidos de que o compromisso com uma vida inteira sem sexo leva à perversão, não podem alavancar seus argumentos a partir da crise dos abusos.
Uma melhor preparação para uma vida celibatária é fundamental, porém, e a melhoria da formação e da educação nos seminários na década de 1980 corresponde a um "declínio acentuado e sustentado" nos abusos desde então – uma melhoria impressionante que tem sido muitas vezes ignorada.
O grande aumento dos casos de abuso nas décadas de 1960 e 1970, descobriram os autores, foi devido essencialmente aos sacerdotes emocionalmente mal dotados, padres que foram formados em anos anteriores e que se perderam no cataclismo social da revolução sexual.
De fato, os pesquisadores do John Jay escrevem que "características individuais não predizem que um padre cometerá abuso sexual de um menor. Ao contrário, as vulnerabilidades, combinadas com tensões e oportunidades situacionais, aumentam o risco de abuso".
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A natureza "situacional" do abuso por parte do clero é comparável à dos policiais que agridem violentamente as pessoas, escreveram os autores. O estresse do trabalho, os perigos do isolamento e a falta de supervisão são fatores que contribuem para o "comportamento desviante".
Com cada vez menos padres disponíveis para ministrar um número crescente de católicos norte-americanos, os bispos católicos serão obrigados a fazer um melhor trabalho para apoiar os sacerdotes e proporcionar intervalos em suas programações muitas vezes opressivas. Isso, provavelmente, exigiria um maior papel para os leigos e para as mulheres – uma questão repleta de controvérsia.
A gestão da crise
Os pesquisadores do John Jay têm cuidado ao creditar a hierarquia pela promoção de importantes avanços no combate ao abuso de crianças – uma afirmação que os advogados das vítimas irão disputar arduamente – e apontam que a sociedade como um todo começou lentamente a entender a natureza dos abusos de crianças quando as dioceses dos EUA foram inundadas com os casos.
Ao mesmo tempo, no entanto, os pesquisadores notam o histórico abismal dos bispos em muitos casos trágicos e dizem que a liderança da Igreja foi reflexivamente defensiva e autoprotetora – um comportamento que se encaixa perfeitamente no padrão da gestão de crises em grandes instituições.
De fato, os autores argumentam convincentemente que a cultura clerical que fomentou e ocultou o desvio por parte dos padres é muito semelhante à cultura de aplicação da lei que permite a brutalidade policial. A Igreja, assim como a polícia, é uma organização hierárquica, que opera de uma forma descentralizada, em que cada departamento (ou diocese) é uma autoridade em si mesma e não está inclinada a se abrir à supervisão.
Na segunda-feira, o Vaticano disse aos bispos de todo o mundo que estabeleçam políticas claras para lidar com os clérigos abusadores. A Santa Sé emitiu uma série de "linhas diretrizes" para convencer os bispos a cumprir com as leis civis de denunciar as acusações de abuso – se houver alguma. Mas a nova política do Vaticano também reitera que cada bispo terá a palavra final em qualquer processo e que cada bispo, em última análise, continua respondendo apenas ao papa.
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Essa abordagem provavelmente não vai convencer um rebanho que aprendeu, pela dura experiência, a ser cético com relação a seus bispos – mais recentemente, no rastro de um recente relatório do Grande Júri da Filadélfia que detalhava falhas terríveis ao lidar com as denúncias de abuso.
A doutrina da autoridade pura do bispo, combinada com o histórico da hierarquia como um grupo de gestores de crises preocupados em proteger a instituição, pode ser o problema central para os bispos revelado pela crise dos abusos sexuais.
Esse é certamente o principal desafio apresentado pelos autores do novo relatório do John Jay, que argumentam que a hierarquia católica norte-americana finalmente deve aprovar políticas uniformes e seguras, caracterizadas pela transparência genuína e pela verdadeira responsabilização, especialmente para os bispos.
Dar esse difícil passo é a única forma para que os bispos possam começar a mostrar que a hierarquia é diferente dos financistas da Wall Street ou de uma burocracia policial protetiva. Também é, talvez, a forma mais rápida para que os bispos restaurem a credibilidade da Igreja Católica como testemunha convincente da fé, ao invés de ser apenas outra instituição suspeita.
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Novo relatório dos EUA indica os culpados dos abusos sexuais na Igreja Católica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU