16 Mai 2011
"Nenhum governo, por mais liberal que se queira, deixa o seu futuro energético ao sabor das turbulências dos mercados. Todos os modos de geração de energia são fortemente regulamentados e tendem a receber diversas formas de subsídio. Isso cria e alimenta poderosos grupos de interesse, cujos lobbies fazem de tudo para impedir que os privilégios sejam descobertos pela opinião pública", escreve José Eli da Veiga, professor da pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP) e do mestrado profissional em sustentabilidade do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), em artigo publicado no jornal Valor, 17-05-2011.
Eis o artigo.
Só a segurança alimentar tem importância comparável à segurança energética nas estratégias de interesse nacional. Daí porque nenhum governo, por mais liberal que se queira, deixa o seu futuro energético ao sabor das turbulências dos mercados. Todos os modos de geração de energia são fortemente regulamentados e tendem a receber diversas formas de subsídio. Isso cria e alimenta poderosos grupos de interesse, cujos lobbies fazem de tudo para impedir que os privilégios sejam descobertos pela opinião pública.
Contudo, o processo de transição ao baixo carbono tem criado fortes pressões no sentido oposto. Em apenas um ano foram publicados quatro relatórios globais muito úteis para quem quiser procurar o fio de Ariadne do planejamento energético. Será uma pena se eles forem ofuscados pelo quinto, prometido para 31 de maio pelo IPCC, painel da ONU sobre mudança climática.
Há um ano foi entregue ao G-20 o mais incômodo desses relatórios, assinado por raro quarteto de organizações internacionais: AIE, Opep, OCDE e Banco Mundial: "Analysis of the scope of energy subsidies and suggestions for the G-20 initiative". Estudo que salienta a existência de grande dificuldade de quantificação, devido a sérias divergências sobre a própria noção de subsídio energético. Mas que, mesmo assim, chega a estimar a seguinte hierarquia, em bilhões de dólares por ano: 400 para os combustíveis fósseis (essencialmente petróleo), 45 para a termeletricidade nuclear, 27 para as energias renováveis (excluída a hidreletricidade), e 20 para os biocombustíveis. Números que não poderiam ter deixado de instigar a Opep a exigir o cálculo por unidade energética (US$/KWh): 5,1 para biocombustíveis, 5,0 para renováveis, 1,7 para a nuclear e 0,8 para combustíveis fósseis...
Bem mais importante, porém, foi o desafio: uma progressiva retirada multilateral desses subsídios poderá ser benéfica para a mudança climática, com ínfimos efeitos sobre os desempenhos econômicos de longo prazo dos países implicados. Sem afetar venerados aumentos de PIB, se obteria redução de 10% nas emissões globais de gases-estufa.
Os avanços das chamadas "energias limpas" já seriam muito mais significativos se os US$ 400 bilhões de subsídios sujos - que vão anualmente para petróleo, carvão e gás - fossem para o fomento de pesquisa e desenvolvimento de eficiência em geral, e para a promoção das renováveis, em particular. Todavia, é o inverso que vem ocorrendo: os incrementos nos usos do trio fóssil permanecem bem superiores aos demais, malgrado taxas de crescimento das renováveis que chegam a atingir 40%, constata o segundo relatório: "Clean Energy Progress Report" (OCDE/AIE:2011).
Em tais circunstâncias, deveriam estar se abrindo imensas possibilidades para as tão faladas tecnologias de captura e estocagem do carbono (CCS). No entanto, o mesmo documento revela que projetos de CCS só brotaram nos EUA (31), Europa (21), Canadá (8), Austrália (6) e China (5). Por razões ainda obscuras, nem sequer chegaram a países como o Japão, Coreia do Sul, Rússia, Índia ou Brasil.
Daí a fundamental importância de se quebrar a resistência dos governos em abrir as caixas-pretas orçamentárias de suas políticas energéticas. Essa obstrução é fortíssima, como demonstrou a investigação feita pelo britânico Instituto Internacional de Desenvolvimento Sustentável (IISD) para a Global Subsidies Initiative. Raras foram as respostas razoáveis a uma singela pergunta endereçada aos governos por pesquisadores locais: "quanto custam os subsídios às energias fósseis?"
Isso mostra o quanto é generalizado o déficit de governança energética, mesmo porque são inéditas as agora inevitáveis ações de mitigação das emissões de gases-estufa e de adaptação aos aumentos de temperatura. Ações com previsões de investimentos públicos da ordem de US$ 250 bilhões por ano deverão fluir por canais novos, descoordenados e não testados. Considerado o caráter de urgência dessas ações, forma-se um cenário propício a novos esquemas de corrupção, tema esmiuçado nas 400 páginas da pioneira abordagem organizada pela Transparência Internacional (TI): "Global Corruption Report: Climate Change" (Earthscan, 2011).
Para a TI, corrupção é ganho privado via abuso de poder confiado ou delegado. Não apenas o poder que os cidadãos conferem aos detentores de cargos públicos, como também a responsabilidade por um manejo da biosfera que não comprometa a expansão das liberdades e oportunidades das futuras gerações.
Da mesma forma, o abuso para ganho privado vai bem mais longe do que as acepções convencionais do termo corrupção, mais ligadas a irregularidades na apropriação de fundos, propinas para a obtenção de contratos, ou nepotismo. Para a TI, isso também inclui desrespeitos ao princípio da justa representação, mistificações sobre os reais impactos ambientais de produtos colocados no mercado, ou mesmo distorções de dados científicos. Em suma: o que falta é transparência no planejamento energético.
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No labirinto da política energética - Instituto Humanitas Unisinos - IHU