06 Mai 2011
"As prioridades do papa são claras. O frio intelectual penetrante na Igreja vai além das torres da academia (Elizabeth Johnson) ou daqueles que desafiam diretamente as regras (Roy Bourgeois). Agora, até mesmo aqueles que estão diretamente na linha de sucessão apostólica são proibidos de falar livremente."
Publicamos aqui o editorial do jornal National Catholic Reporter, 04-05-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A diocese católica australiana de Toowoomba, que abrange mais de 300 milhas quadradas, tem apenas um punhado relativo de sacerdotes saudáveis para servir as 35 paróquias da Igreja. Então, não foi nenhuma surpresa para os católicos Toowoomba quando o bispo da região, William M. Morris, abordou a falta de padres em uma carta pastoral cândida, mas mesmo assim cautelosa, no Advento de 2006.
"Enfrentamos um futuro incerto no que diz respeito ao número de padres ativos em nossa diocese", escreveu Morris. "Outras opções – afirmou – podem muito bem" ser consideradas. Elas incluíam:
Por causa dessas palavras, nesta semana, o Vaticano anunciou que Bento XVI demitiu Morris. Dezoito anos como bispo terminaram com um canetaço papal.
Alguns pontos óbvios, mas necessários, precisam ser feitos:
Primeiro, verifica-se que não é realmente tão difícil para o papa dar a um bispo uma carta de demissão. Ao longo do acobertamento dos abusos sexuais por parte do clero de um quarto de século, houve um considerável estresse apenas ao redor dessa questão. Os bispos não "trabalham para" o papa, nos foi dito. Os bispos são "pais" do seu rebanho – com todo o amor e comprometimento incondicionais que isso implica – e não funcionários sujeitos aos caprichos, bem-intencionados ou não, do patrão. Os procedimentos canônicos devem ser seguidos.
Aparentemente, isso é apenas um monte de bobagem. Se o papa e seus assessores se preocupam profundamente com uma questão sobre a qual um bispo levantou questões publicamente – como as mulheres-padres e o celibato opcional –, pode-se encontrar uma forma para remover esse bispo.
E – é importante notar, porque vale para algumas questões subjacentes – um bispo que age contra a doutrina da Igreja e a lei relacionada aos padres sexualmente abusivos aparentemente não precisa temer uma tal represália.
O cardeal da Filadélfia, Justin Rigali, por exemplo, continua uma vida condizente com um príncipe em ambientes esplendorosos, mesmo que o seu desrespeito aos procedimentos da Igreja (e talvez do direito civil) tenham resultado em cerca de 30 padres diocesanos que enfrentaram a suspensão administrativa e o calor dos promotores locais.
Sem esquecer o cardeal Bernard Law, orquestrador do encobrimento dos abusos do clero de Boston. Sua punição? Um feriado romano prolongado e uma saudável pensão. Enquanto isso, Morris ganha a rua.
As prioridades do papa são claras.
O frio intelectual penetrante na Igreja vai além das torres da academia (note-se o recente castigo à teóloga e irmã de São José Elizabeth Johnson) ou daqueles que desafiam diretamente as regras – o apoio aberto do padre maryknoll Roy Bourgeois à ordenação de mulheres é um caso mais recente nessa questão (Bourgeois está enfrentando a excomunhão por ter dito o que pensa sobre o assunto).
Agora, até mesmo aqueles que estão diretamente na linha de sucessão apostólica são proibidos de falar livremente.
Note-se que Morris não ofereceu respostas às questões semiprovocativamente postas sobre o celibato e a ordenação que ele levantou naquele Advento. Ao contrário, empregando o que um grupo de defesa chama de "livro de estilo do bispo progressista", ele expressou suas preocupações de forma mais oblíqua (sem dúvida para evitar a ira de Roma. Muitas coisas boas que lhe fizeram).
Hoje, parece que mesmo essas perguntas cuidadosamente formuladas estão completamente proibidas por lei. Essas chamadas "questões abertas" (não doutrinárias em todos os sentidos da palavra), como a ordenação de homens casados, são motivos de demissão. O fato de que a esmagadora maioria do clero (para não mencionar os leigos) pensam que o fracasso até mesmo em considerar opções como padres casados no meio de uma crise de falta de clero vai além da má gestão ao estilo Dilbert [referência aos quadrinhos de Scott Adams]. Empregando o jargão psicológico da época, é completamente disfuncional.
Enquanto nos preparamos para celebrar a festa do primeiro papa no próximo mês, ainda nos é permitido lembrar aos padres da Igreja que Pedro era um homem casado? Que esse Santo Padre foi provavelmente um pai humano? Ou a Sra. Pedro e sua descendência, como muitos irritantes apparatchiks da era de Stalin, deveriam evaporar da história?
Por causa de Morris, sabemos que a disfunção flui do topo. O direito canônico pode ser mais flexível do que anteriormente, mas a remoção de um bispo não pode ser remetida a um subordinado, como no caso de Bourgeois, em uma cadeia de comando burocrática. Não, o empacotamento de um bispo é uma tarefa que só um papa pode comandar.
E ele deixou as suas prioridades muito claras.
Profana bagunça
Embora as razões para a destituição de Morris sejam relativamente claras, o processo continua sendo uma profana bagunça, envolvida em segredo.
Logo depois que a carta pastoral de Morris foi divulgada no Advento de 2006, Bento XVI enviou o arcebispo de Denver, Charles Chaput, para "investigar" o incidente, que é um pouco como enviar a raposa para investigar as galinhas. Dadas as suas opiniões bem conhecidas sobre as preocupações levantadas por Morris (Chaput é mais católico do que o papa nessas questões), somos céticos com relação ao fato de que o bispo Toowoomba terá uma audiência justa. Há um número relativamente pequeno de católicos de direita na diocese (Morris e outros os chamam de "Polícia do Templo") que há muito tempo estão atrás do bispo. O fato de Chaput ter-lhes dado um peso e deferência indevidos parece mais do que plausível.
Nos EUA, eles são a multidão que recebe ordens de marcha do The Wanderer [poema inglês tradicional], que passam o seu tempo na missa em busca de uma violação de uma rubrica ao invés de receber qualquer sabedoria ou graça que possa estar em seu caminho. Então, depois de ter detectado um "Aleluia" no lugar de um "Amém", eles escrevem cartas para as congregações do Vaticano, esperando um ouvido simpático às suas súplicas patéticas.
Seus equivalentes australianos, aparentemente, foram bem sucedidos em transformar o copo de água de Morris em uma tempestade.
Mas, reconheçamos, o nosso ceticismo é parcialmente emocional, ou talvez ideológico. Estamos inclinados a dar um tempo a Morris porque estamos inclinados a concordar com ele que as questões que ele levantou exigem ar fresco.
Mas – e aqui está a questão – nós simplesmente não sabemos o que Chaput encontrou porque ninguém fala a respeito. Nem mesmo Morris recebeu uma cópia do relatório de Chaput (supondo que algo tenha sido posto por escrito).
Presumimos que, dada a natureza pública das ofensas de Morris, as descobertas de Chaput têm algo a ver com o fato de o bispo ter feito uma chuva de ideias sobre algumas soluções para a falta de padres diante da crise real em sua Igreja local.
Será que Chaput encontrou algo de forma mais covarde, como o fato de um bispo ter falado como um adulto para a sua Igreja? Nós provavelmente nunca saberemos. Quando o NCR pediu que Chaput respondesse a uma série de perguntas a respeito da sua visitação apostólica à diocese de Morris, ele se recusou a responder, explicando que "qualquer visitação apostólica é regida pela estrita confidencialidade. Isso é para o benefício de todas as partes envolvidas".
Então, devemos acreditar que Morris se beneficiou com o fato de ter sido removido, sem nunca ter sido autorizado a se defender contra as descobertas de Chaput, que nunca foram compartilhadas com o prelado australiano? Esse é o tipo de julgamento e de juízo que associamos mais frequentemente à China ou ao Irã. Mas na Igreja Católica?
O verdadeiro escândalo para os fiéis nesse assunto não tem nada a ver com a forma com que Morris se comportou. Tem tudo a ver com as prioridades e os processos dentro da nossa Igreja hoje. Tem muito a ver com o atropelo dos direitos humanos e dos valores professados de decência e de caridade pelos prelados da nossa Igreja, incluindo neste caso, é triste dizer, o próprio Bento XVI.
Essa não é a forma, devemos dizer, de dar um exemplo cristão – ou de administrar a Igreja.
Em 2003, Fred Gluck, um ex-sócio parceiro da McKinsey & Company, que atualmente atua no conselho da National Leadership Roundtable on Church Management [organização católica para o fomento de práticas administrativas, financeiras e de recursos humanos na Igreja Católica], escreveu um memorando aos líderes da Igreja. Está escrito com termos específicos da área, mas ignorem o jargão neste momento e prestem atenção à mensagem.
Escreveu Gluck:
Ninguém em uma posição de autoridade prestou qualquer tipo de atenção a Gluck oito anos atrás. Infelizmente, nós esperamos que isso mude.
O papa deixou as suas prioridades muito claras.
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Remoção de bispo australiano deixa claras as prioridades do Papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU