03 Mai 2011
"A tecnologia não copia a inteligência: ela mimetiza o processo sofisticado e complexo que é a vida", escreve Luli Radfahrer, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 04-05-2011. "A era das certezas vem chegando ao seu final, e a falta de referências é típica de um ambiente cujos parâmetros são fragmentados e mudam o tempo todo", afirma.
Para ele, "é fundamental compreender o progresso em sua verdadeira forma. O grande erro dos cientistas da informação do século passado foi acreditar que a tecnologia poderia sintetizar a inteligência. O que ela mimetiza, na verdade, é um processo muito mais sofisticado e complexo: a própria vida, em que pequenos organismos, frágeis e codependentes, se apoiam e parasitam mutuamente, resolvendo seus problemas em grupo enquanto criam outros, em um ciclo evolutivo infinito".
Eis o artigo.
É interessante pensar que, por mais que muitos se queixem da velocidade e da abrangência das mudanças, são poucos aqueles capazes de imaginar um mundo sem internet ou telefones celulares. As tecnologias, quando bem-sucedidas, têm uma tendência natural a se misturar com os processos que amplificam e se tornarem invisíveis. Pense em logística ou energia elétrica, por exemplo: elas transformaram o cotidiano de tal forma que a sua ausência é quase uma curiosidade histórica ou antropológica.
Com a digitalização e as redes acontece a mesma coisa. Elas criam novos desafios à medida que resolvem os problemas das épocas passadas, em um processo de complexidade crescente e desequilíbrio permanente, em que não há estado ideal ou final. Nunca poderemos dizer que o mundo foi computadorizado ou digitalizado para sempre. Não dá nem para saber o que isso significa, ou mesmo se estaremos por lá para testemunhá-lo. A ideia de um problema "resolvido" ou "perfeito" é uma ilusão de controle típica do homem ocidental.
É fundamental compreender o progresso em sua verdadeira forma. O grande erro dos cientistas da informação do século passado foi acreditar que a tecnologia poderia sintetizar a inteligência. O que ela mimetiza, na verdade, é um processo muito mais sofisticado e complexo: a própria vida, em que pequenos organismos, frágeis e codependentes, se apoiam e parasitam mutuamente, resolvendo seus problemas em grupo enquanto criam outros, em um ciclo evolutivo infinito.
Pelo que se vê hoje, o mundo do futuro deverá ter um ecossistema de milhões de aparelhos tecnológicos de diversos tamanhos, cujos comportamentos parecerão orgânicos. Ele não será, como se pensava no início do Modernismo, um sistema único, eficiente, industrial, minimamente planejado e limpo. Pelo contrário, hoje a inovação tem mais a cara daquilo que o mercado quiser pagar, mesmo que não seja necessariamente melhor para seus usuários, do que a invenção genial de um cientista louco. Não é melhor nem pior, só é diferente.
Estamos saindo de um sistema em que a forma seguia a função e que tudo fazia sentido mecânico para um ambiente simbólico em que as máquinas morrem mais rápido que seus usuários e que a forma não consegue nem saber qual é a sua função. Deixadas de lado questões práticas de ergonomia, hoje a função é a manifestação microscópica das ideias. Ela cabe em uma antena, em um chip de silício. E pode ser mudada a qualquer instante.
Como toda ideia, os novos objetos --um iPad, por exemplo-- não aceitam definições absolutas e estão em constante mutação. É fácil entender por que tantos sofrem crises de identidade.
A era das certezas vem chegando ao seu final, e a falta de referências é típica de um ambiente cujos parâmetros são fragmentados e mudam o tempo todo. Se hoje os hábitos, as tradições e a continuidade vêm desaparecendo, é porque perdem terreno para a flexibilidade, a mobilidade, a imaginação e a criatividade.
Não é o fim do mundo como o conhecemos, mas é o fim de um modo de pensar que tentou controlar o ambiente à sua volta. Se essa transição provoca insegurança, vale lembrar que o taoísmo e o budismo sempre disseram que todo movimento só é causado pelo constante desequilíbrio.
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